domingo, 22 de julho de 2018

Tanque de Betesda e o Anjo que Agitava as Águas – Lenda?


No Tanque de Betesda – בֵּית-חִסְדָּא Beit Chesed – Casa de Misericórdia em Hebraico – havia um Paralítico há 38 anos, e mais toda sorte de enfermos, doentes e miseráveis. Era um Tanque diferente dos demais, pois possuía Cinco – Sha’arei Chesed – Cinco Alpendres, ou seja, cinco Portas de Entrada para a Casa da Graça e da Misericórdia.
Realmente, essa é uma das passagens mais belas do Novo Testamento. E quais seriam as Revelações, os Ensinos que estariam conectados com a Cura do Paralítico no Tanque de Betesda?Como a descrição que o Apóstolo João traz no capítulo 5 do seu Evangelho pode nos ajudar a entender essa passagem?
Para que possamos compreender essa narrativa, e as partes consideradas “problemáticas” pelos Teólogos (como a descida do anjo que movia as águas), teremos de dividir este estudo em alguns tópicos:
  1. O Tanque de Betesda: Porque o Foi Construído?
  2. A Casa da Graça e da Misericórdia;
  3. “Trinta e oito anos (o Sinal)” no Deserto e a Paralisia Espiritual; e
  4. O Paralítico é um Tipo de Israel.
o paralítico no tanque de betesda
O Paralítico Estava no Tanque de Betesda.

PORQUE O TANQUE DE BETESDA FOI CONSTRUÍDO?

A contaminação do povo de Israel com a idolatria e a imoralidade fez com que a ira de Deus os expulsasse da Terra Prometida, quando foram levados para o cativeiro Babilônico por Nabucodonosor.
E após o Exílio Babilônico (que ocorreu por desobediência aos mandamentos do Senhor), houve uma tentativa de expandir os conceitos de pureza (rituais de purificação com água, que era exigida aos sacerdotes) a todo o restante do povo.
Normalmente, a Lei de Deus (a Torá constituída dos cinco primeiros livros da Bíblia), exigia a purificação com água, somente quando um indivíduo fosse adentrar o Templo em Jerusalém. Porém, como parte dessa tentativa de evitar um novo exílio, foi expandida o entendimento da abrangência do local santo, não ficando restrito ao Templo, mas foi aumentada para toda a cidade de Jerusalém.
Daí houve a necessidade de se construir diversos tanques de imersão(semelhante ao batismo cristão), para atender a grande demanda do povo, principalmente nas festas de peregrinação (Páscoa, Shavuot, e Sukkot – Tabernáculos ), quando os Judeus das partes mais remotas de Israel vinham à Jerusalém para ofertar no Templo.
arqueólogo Shimon Gibson tem sustentado que esse tanque era usado para o ritual de purificação dos Judeus, na época do segundo Templo, desde o segundo século antes de Cristo.
Tendo conhecimento dessa introdução, vamos ao Texto Base dessa magnífica passagem:
“Depois disto havia uma festa entre os judeus, e Jesus subiu a Jerusalém.
Ora, em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um tanque, chamado em hebreu Betesda, o qual tem cinco alpendres.
Nestes jazia grande multidão de enfermos, cegos, mancos e ressicados, esperando o movimento da água.
Porquanto um anjo descia em certo tempo ao tanque, e agitava a água; e o primeiro que ali descia, depois do movimento da água, sarava de qualquer enfermidade que tivesse.
E estava ali um homem que, havia trinta e oito anos, se achava enfermo.
E Jesus, vendo este deitado, e sabendo que estava neste estado havia muito tempo, disse-lhe: Queres ficar são?
O enfermo respondeu-lhe: Senhor, não tenho homem algum que, quando a água é agitada, me ponha no tanque; mas, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.
Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma o teu leito, e anda.”
João 5:1-8
Aqui os dois primeiros versos em Hebraico Bíblico:
1  אַחֲרֵי הַדְּבָרִים הָאֵלֶּה הָיָה חַג הַיְהוּדִים וְיֵשׁוּעַ עָלָה לִירוּשָׁלַיִם.
2  הָיָה שָׁם בִּירוּשָׁלַיִם מָקוֹם אֶחָד לִטְבִילָה, שֶׁנִּקְרָא בְּעִבְרִית בֵּית-חִסְדָּא, וְהָיוּ בּוֹ חֲמִשָּׁה מְבוֹאוֹת.

A FESTA DESCONHECIDA

Depois disto havia uma festa entre os judeus” – A cura do Paralítico do Tanque de Betesda ocorreu, provavelmente durante a festa conhecida como Shavuot, ou Festa das Semanas, que é celebrada cinquenta dias após a Páscoa. Nesta festa os Judeus comemoram a revelação da Lei de Deus para Moisés e o povo de Israel, no evento do monte Sinai, também chamado em Hebraico de Matan Torah.
O Evangelista João não cita, no início do capítulo 5 (que trata da cura do paralítico de Betesda), o nome desta festa porque o tema principal do livro de João é apresentar Jesus como o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
Por isso João dá ênfase à Festa da Páscoaonde a função do cordeiro tem proeminência. Veja que João não retrata toda a vida de Jesus, como os demais evangelhos fazem, mas inicia logo do Seu batismo, e dá saltos na sua narrativa, tratando já no capítulo dois, da Páscoa – “E estava próxima a páscoa dos judeus, e Jesus subiu a Jerusalém.” João 2:13.
Novamente, no capítulo 6, João retorna ao tema da Páscoa para associar Jesus a um dos elementos principais desta festa, que é o pão. Após a citação de que a Páscoa estava próxima, João passa a descrever a multiplicação dos cinco pães de dois peixinhos.
“E a páscoa, a festa dos judeus, estava próxima.” João 6:4
“Então Jesus, levantando os olhos, e vendo que uma grande multidão vinha ter com ele, disse a Filipe: Onde compraremos pão, para estes comerem?”  João 6:5
João é o evangelista que mais dá detalhes da última Páscoa que Jesus participou com seus discípulos, que ficou conhecida como a última ceia. Do capítulo 12 em diante, ele passa a descrever os eventos que antecederam a morte de Jesus, relacionada com a Páscoa, e que apresenta Jesus como o Cordeiro Pascal – o sacrifício perfeito e eterno.
“Foi, pois, Jesus seis dias antes da páscoa a Betânia, onde estava Lázaro, o que falecera, e a quem ressuscitara dentre os mortos.” João 12:1

A PALAVRA DE DEUS NA ÉPOCA DE JESUS

Então, Jesus, no capítulo 5:1 de João, desce para Jerusalém no período da comemoração de uma festa que celebra o recebimento da Lei de Deus, pelo povo de Israel. E vale aqui lembrar que para os Judeus do primeiro Século, os Livros da Lei, os primeiros cinco livros – de autoria de Moisés – é que constituíam a Bíblia que os Judeus conheciam. Para os discípulos de Jesus, os cinco primeiros livros de Moisés eram a Bíblia que eles conheciam (se bem que existia os rolos dos Profetas, mas nem todos reconheciam a autoridade daqueles livros, como por exemplo os Saduceus).
Os livros de Moisés, o Pentateuco, também chamado em Hebraico de Torá, eram os livros amplamente reconhecidos como sendo a Palavra de Deus. Todas as seitas Judaicas da época reconheciam isto, porém o mesmo não acontecia com os livros dos profetas. Havia seitas que não reconheciam a autoridade dos Profetas como Palavra de Deus.
Então, resumindo e recapitulando, os cinco primeiros livros, o Pentateuco ou Torá, eram tidos como a Palavra de Deus, para os Judeus daquela época. Esse fato pode parecer irrelevante, mas é essencial para o entendimento da cura do paralítico no Tanque de Betesda. Vamos prosseguir, você vai entender no final.

O TANQUE DE BETESDA

O Tanque de Betesda (βηθεσδά em Grego), estava localizado próximo na parte norte da muralha do Templo e da Fortaleza Antônia, construída por Herodes, e ficava originalmente, fora dos limites dos muros da cidade de Jerusalém.
o tanque de betesda fora dos muros de jerusalém
O Tanque de Betesda, ao lado Direito do Templo, Fora dos Muros da Cidade de Jerusalém.
Há autores que tomam esta informação, e também alguns achados arqueológicos que remetem à divindade chamada de Asclépio, (da mitologia Grega e Romana, deus da medicina e da cura), para afirmar que o Tanque de Betesda era um local de adoração pagã.
asclépio deus da medicina e da cura
Serápis ou Asclépio, o deus Romano da Medicina e da Cura.
Na nossa opinião, Betesda não poderia ser associada com a adoração a esse deus Greco-romano, porque foi somente depois da destruição do Templo de Jerusalém pelos Romanos (ocorrido no ano 70 DC), e mais, após 100 ou 200 anos, que os Romanos construíram uma “Casa de Banhos” dedicada ao deus Asclépio, justamente por causa da tradição que houve cura nas águas deste tanque.
A dedicação Romana deste tanque a sua divindade pagã, é portanto uma reflexão dos anos anteriores, da época de Jesus e de João.
O contexto histórico e arqueológico vão demonstrar que o Tanque de Betesda era utilizado como um mikveh (tanque de imersão, semelhante ao Batismo), como a Tosefta (um conjunto de registros Rabínicos) descreve quando se refere a este período, – “…A pureza se espalhou em Israel…”
No segundo Século Antes de Cristo, o ritual de purificação com água, que era prescrita somente para os Sacerdotes, foi considerado importante por toda a população. Todas as pessoas de Israel consideravam que tinham que se purificar, especialmente quando iriam entrar na cidade de Jerusalém.
Outro mikveh, um pouco menor do que os de Siloé e Betesda, foi encontrado por Benjamin Mazar, ao sul do Monte do Templo. Este tanque deve ter sido reservado para uso privativo dos Sacerdotes do Templo.
Em Jerusalém, havia pequenos mikva’ot (tanques de batismos) nas residências, porém nos três grandes festivais de peregrinação (Páscoa, Shavuot, e Tabernáculos), era necessário grandes tanques para a purificação das multidões.
Outra prova de que o Tanque de Betesda era usado como local de purificação ritual (semelhante ao Batismo Cristão), é a palavra hebraica para o termo Tanque, em João 5:2 , que é לִטְבִילָה  litvilá – que significa “Tanque de Imersão” – onde se fazia a טְבִילָה Tevilah – imersão.
“Ora, em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um tanque (לִטְבִילָה litvilá), chamado em hebreu Betesda, o qual tem cinco alpendres. João 5:2”

UM TANQUE COM CINCO ENTRADAS

Quando Yeshua/Jesus cura o Paralítico (o que significa Yeshua?), no Evangelho de João, o Tanque de Betesda é descrito como tendo cinco entradas.
E essa descrição era tão não usual (um tanque de imersão tinha quarto entradas e não cinco), como eram os Tanque de Siloé e o Birket Bani Isra’il (nome Árabe para “Tanque dos Filhos de Israel”), que foi descoberto por Charles Warren’s em 1860 em Jerusalém, como publicado pela revista BAS – Biblical Archaeology Society.
Por isso muitos estudiosos afirmavam no passado que o tanque em estudo, era uma criação da imaginação de João.
o tanque de betesda
As Cinco Entradas Simbolizavam os Cinco Livros da Bíblia.

O TANQUE SUPERIOR

Durante o Período do Primeiro Templo (que Salomão construiu) o tanque era chamado “tanque superior”, um reservatório formado por uma represa construída no vale de Beth-Zetha, para armazenar água da chuva.
Contudo enviou o rei da Assíria a Tartã… com grande exército ao rei Ezequias, a Jerusalém; subiram, e vieram a Jerusalém. E, subindo e vindo eles, pararam ao pé do aqueduto da piscina superior, que está junto ao caminho do campo do lavandeiro. 2 Reis 18:17
Então disse o Senhor a Isaías: Agora, tu e teu filho Sear-Jasube, saí ao encontro de Acaz, ao fim do canal do tanque superior, no caminho do campo do lavandeiro.
Isaías 7:3
Bezetha também foi mencionada por Flávio Josefo na sua obra Guerra dos Judeus, livro II, Capítulo 19, seção 4..
E com as escavações arqueológicas do local, em 1880, Betesda se revelou um tanque retangular, que na verdade era constituído de “duas piscinas”, separadas por uma parede (ver ilustração acima – três entradas na frente e mais duas na parte de trás), o que fazia com que o tanque tivesse cinco entradas (e isto vai ter uma importância simbólica e teológica muito grande).
As cinco entradas representam os cinco livros de Moisés. E os livros de Moisés, o Pentateuco ou Torá, era a Palavra de Deus naquela época, como explicamos mais acima. As cinco entradas eram a representação da Palavra de Deus.

A PORTA DAS OVELHAS

“Ora, em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um tanque.”
Na área norte do Templo estava o Tanque de Betesda e a Porta das Ovelhas. A Porta das Ovelhas era o local por onde as ovelhas entravam na cidade de Jerusalém, para serem sacrificadas no Templo.

A CASA DA GRAÇA E DA MISERICÓRDIA

Betesda (בֵּית־חַסְדָּא-Beit-Chasda) em Hebraico significa “Casa da Misericórdia” e “Casa da Graça”. Neste contexto, o Evangelista João, usando da sua cultura, do seu conhecimento – ele era Judeu e a Bíblia que ele conhecia era o Antigo Testamento – apresenta elementos na sua narrativa que são na verdade pistas (o 2º nível de interpretação, na Hermenêutica Judaica, chamado de REMEZ).
João quer nos passar a mensagem que o Tanque de Betesda simboliza a Misericórdia de Deus, e que há Cinco Entradas para a “Casa da Misericórdia” – os cinco livros de Moisés, que representam a Palavra de Deus.
Ou seja, a Palavra de Deus é a Porta de Entrada para a Misericórdia e para Graça. E Jesus é a própria Palavra Viva e Encarnada (este é o conceito do Aramaico מימרא  “Menra” e do Grego λόγος Logos“, e do Hebraico דבר “Davar“, que significam “Verbo ou Palavra”, e que João aplica em todo o seu evangelho – “No princípio era o verbo…João 1:1”).
Jesus também é a Porta. Portanto, João reúne elementos como água, que simboliza a purificação dos pecados, juntamente com a Porta das Ovelhas, que era usada para levar estes animais para o Sacrifício expiatório.
Toda essa narrativa é um testemunho sobre o Sacrifício do Cordeiro de Deus que tira, limpa e purifica o pecado do mundo. Essa é a Graça de Deus derramada entre os homens!

UM ANJO DESCIA EM CERTO TEMPO AO TANQUE

O movimento das águas do Tanque de Betesda simboliza o movimento da Ruach haKodesh, o Espírito Santo. Muitos vão criticar que apenas o primeiro enfermo a entrar nas águas, após o movimento do Anjo do Senhor, seria curado.
Há quem diga que esta citação de João seria o reflexo de uma crendice, reproduzida pelo nobre Apóstolo de Jesus. Para explicar este fato, gostaria de invocar a imagem de um copo com água até a sua metade.
copo meio cheio ou meio vazio
Um Anjo Descia e Agitava as Águas do Tanque de Betesda?
Como você enxergaria este copo? Ele está “meio cheio”, ou está “meio vazio”? Qual é a sua visão da vida? Qual é a sua visão espiritual? Pessimista ou otimista?
Digo isso, porque aquele acontecimento era só um lembrete, um aviso, de que, se sem exigir fé, apenas tomando a atitude de se lançar nas águas do Tanque de Betesda, já se alcançava milagres!
Imagine então, o que poderia acontecer se os Judeus tivessem fé, se cressem no Cordeiro de Deus? Milagres muito maiores seriam alcançados!
Mesmo vendo que um anjo descia, movimentava as águas e quem entrasse era curado, ainda assim aqueles homens não desenvolveram a fé que Deus poderia curar a TODOS!
Deus queria, na verdade, curar a todos aqueles enfermos, mas eles não desenvolviam a fé necessária para isso! Mesmo vendo que o Eterno continuava a curar, que o poder Dele era o mesmo!
Isso também acontecia com Jesus. Apesar de Jesus ter curado a muitos, ainda assim houve ocasiões que Ele não pode fazer milagres, porque o povo insistia em não crer!
 E não fez ali muitas maravilhas, por causa da incredulidade deles.
Mateus 13:58

O PARALÍTICO DE BETESDA

Por isso mesmo, o Paralítico estava naquela situação há trinta e oito anos!Justamente, este é o tempo que foi acrescentado ao povo de Israel, para andar pelo deserto, como punição por desprezar a Terra que Deus jurou que lhes daria:
E vossos filhos pastorearão neste deserto quarenta anos, e levarão sobre si as vossas infidelidades, até que os vossos cadáveres se consumam neste deserto.
Segundo o número dos dias em que espiastes esta terra, quarenta dias, cada dia representando um ano, levareis sobre vós as vossas iniqüidades quarenta anos, e conhecereis o meu afastamento.
Números 14:33,34
E o povo de Israel, já estava no deserto há dois anos quando recebeu esta punição do Eterno. Assim tiveram que ficar mais 38 anos em peregrinação, em estado de Paralisia Espiritual, por causa dos seus pecados.
Aquele paralítico há 38 anos simboliza este estado de paralisia espiritual que acometia a muitos em Israel, no tempo de Jesus – principalmente os Principais dos Escribas, dos Fariseus e dos Sacerdotes.
Estes outros estavam fora da “Casa da Misericórdia”. Não podiam entrar nela, pois pra isso tinham que entrar por uma das Cinco Portas (alpendres), ou seja, tinham que entrar por meio da Palavra de Deus. Mas eles estavam com os seus entendimentos “cegados”, sofriam de um tipo de “miopia espiritual”.
A liderança religiosa de Israel, desde aquela época, acreditava mais na Tradição Oral, do que na Torá Escrita por Moisés. Eles chegavam a invalidar os Mandamentos que o Eterno deu ao Seu povo por meio da Torá e dos Profetas, para seguirem os mandamentos de homens.
O próprio Jesus já tinha advertido sobre esse erro:
Invalidando assim a palavra de Deus pela vossa tradição, que vós ordenastes. E muitas coisas fazeis semelhantes a estas.
Marcos 7:13
Yochanan, João, está ensinando, por meio da cura do Paralítico do Tanque de Betesda, que a Porta de Entrada para a Graça não é a Tradição Oral, mas a Palavra de Deus.
Mas os líderes da religião não conseguiram ver que Yeshua (Jesus) era a Torá Viva, o Profeta anunciado por Moisés, a própria Palavra de Deus, viva, a Porta de Entrada para a Misericórdia e a Salvação.
Tornou, pois, Jesus a dizer-lhes: Em verdade, em verdade vos digo que eu sou a porta das ovelhas
João 10:7
Por isso, a “Misericórdia Viva e em Pessoa”, a própria “Porta para a Misericórdia”, a “Palavra de Deus”encarnada, vai ao Tanque de Betesda para acabar com aquela paralisia física e espiritual:
Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma o teu leito, e anda. João 5:1-8

Israel Silva.


Judeus e Samaritanos

Qual é o fundamento bíblico sobre a divisão entre Judeus e Samaritanos. Como e por quê?

 E uma pergunta importante, pois ajuda a entender várias narrações da Bíblia que mencionam, de passagem o conflito existente entre as duas regiões. Veja, por exemplo, a parábola do bom samaritano (Lucas 10,29-36), onde é acenado à relação difícil existente entre os samaritanos e os habitantes de Jerusalém (sacerdote). Há também o episódio contado por João 4, quando Jesus encontra a Samaritana no poço, coisa que provoca escândolo não só pelo fato de ser uma mulher, mas também porque é uma samaritana.
No tempo de Jesus existia muito contraste com os habitantes da Samaria, que dista poucos quilômetros de Jerusalém, da Judeia. Eles eram considerados uma seita, cismáticos ou até mesmo como pagãos. Em Mateus 10,5 Jesus diz para seus discípulos de não entrar nas cidades da Samaria. Apesar dessa passagem, Jesus acolhe os samaritanos e sublinha como eles conseguem entender a sua mensagem. Por exemplo, no caso dos 10 leprosos curados (Lucas 17,11-19), apenas um volta reconhecendo o graça de Deus e era um samaritano.
História dos samaritanos
Para entender o nascimento dos samaritanos, precisamos lembrar que o reino de Israel, depois da morte de Salomão, foi dividido em Reino do Norte (também conhecido como Israel), cuja a capital era Samaria, e Reino do Sul, com sede em Jerusalém, conhecido como Reino de Judá. O Reino do Norte era composto por 9 tribos e abrangia a maior parte do território de Israel. Cada um dos reinos seguiu uma história diferente. Cerca de 700 anos antes de Cristo, o Reino do Norte acabou, sendo tomado pela Assíria e seus habitantes foram deportados. Alguns habitantes ficaram na terra. Provavelmente eram agricultores, gente mais pobre. Do ponto de vista dos habitantes de Jerusalém, esses habitantes que ficaram na Samaria começaram a perder a própria identidade religiosa, misturando-se com os pagãos, perdendo as características que os ligavam ao Deus único de Israel.
O Reino do Sul, cuja capital era Jerusalém, sobreviveu ainda por cerca de 200 anos, quando em 587 a capital foi destruída e os moradores levados para o exíliio em Babilônia. Segundo a Bíblia, quando esses deportados voltaram do exílio e tentavam reconstruir o templo, os Samaritanos queriam frear a contrução. Também teriam se aliado contra os judeus na época de Antíoco IV.
Do ponto de vista histórico, todavia a história parece ser diferente. De fato os samaritanos preservaram a fé em YHWH, o Deus único, tanto que chegaram a construir, em Garizim, um templo que era cuidado por sacerdotes da descendência sacerdotal. E, em ralação à reconstrução do templo de Jerusalém, há indícios que os samaritanos quiseram ajudar os judeus a reconstrui-lo, mas foram esses últimos que não aceitaram a ajuda dos "primos" samaritanos. Os samaritanos até mesmo adotaram o Pentateuco (com algumas 'correções' onde se sublinha sobretudo a importância do templo no Monte Garizim invés de Jerusalém) e eram fiéis aos mandamentos dados por Moisés.
Na bíblia temos um conflito muito interessante entre esses dois grupos de hebreus. Uma parte da Bíblia (Esdras e Neemias) conta como a comunidade de Jerusalém era decidida a separar os judeus que regressaram do exílio em Babilônia dos judeus que ficaram na terra, que não foram deportados, a "gente da terra". Por outro lado, transparece que essa separação entre os dois grupos foi o auge de um longo batalha política que, num primeiro momento, parecia prevalecer a ideia daqueles que queriam a união entre as duas correntes.


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quarta-feira, 18 de julho de 2018

O amor de Deus




Jesus não falou do amor segundo os termos gregos ‘storge’, ‘eros’, ‘philia’ ou ‘ágape’. O amor da qual Jesus fala é condicional, portanto, foge das definições que muitos livros de teologia apresentam: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15). O amor que Jesus exige é serviçal, sujeição ao seu senhorio…

O amor de Deus é condicional e não sentimental
Introdução
Qual a natureza do amor bíblico? Como entender a declaração: ‘Deus é amor’? Para essas perguntas há mil e uma respostas, inúmeros sermões, uma vastidão de livros e muitas definições, acerca do amor de Deus.
No seu livro ‘Os quatro amores’, no primeiro parágrafo da introdução[1], C. S. Lewis deixou registrado que acreditou que, no axioma ‘Deus é amor’, conforme anunciado pelo evangelista João, encontraria um caminho plano para o assunto, mas, ao que parece, pelas argumentações no seu livro, que Lewis não conseguiu encontrar um caminho plano.
Lewis deixou a Bíblia de lado e foi buscar nos termos gregos[2], que se traduzem por amor, a inspiração necessária para abordar o tema. Ele buscou nos termos στοργη (storge) afeição fraternal, φιλια (philia) amizade, έρως (eros) sexualidade e αγαπη (agapē) caridade, o conhecimento que o levou a uma concepção[3]própria do amor bíblico, e elegeu o agapē como o maior dos amores,  como uma virtude puramente cristã.
Mas, por que não se contentar com o axioma ‘Deus é amor’? Não há na Bíblia um caminho plano para o assunto?
O axioma anunciado pelo evangelista João: “… ὅτι ὁ θεὸς ἀγάπη ἐστίν” no grego ou, na língua portuguesa: “… porque Deus é amor” ou, na língua inglesa: “…because God is love” ou, em qualquer outro idioma ou dialeto, possui o mesmo valor.
O ‘agapē’, por ser escrito no grego, não é superior ao ‘love’ inglês, principalmente por causa do contexto onde é utilizado. Não é Lewis quem define o significado do amor bíblico e nem os lexicógrafos, mas, sim, o contexto onde foi utilizado.
O mesmo autor, que disse: ‘Deus é amor’, em seguida, definiu o amor de Deus:
“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados” (1 Jo 5:3).
“E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos. Este é o mandamento, como já desde o princípio ouvistes, que andeis nEle” (2 Jo 1:6).
Essa definição joanina será a bússola que nos conduzirá durante a análise do tema e que permitirá chegarmos a um entendimento seguro da natureza do amor de Deus para com os homens.

O amor dos homens para com Deus
Sobre o uso do termo amor, Jesus deixou explicito, de como amar a Deus:
“Mas, é para que o mundo saiba, que eu amo o Pai e que faço como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui” (Jo 14:31).
Jesus amava a Deus, fazendo, especificamente, o que Ele ordenou e qualquer que diz amar a Deus, tem que fazer, exatamente, o que Jesus fez: obedecer a Deus!
Nesse mesmo sentido, qualquer que diz ‘amar’ a Jesus, tem que obedecer aos Seus mandamentos, pois, se não obedecer aos mandamentos de Jesus, significa que não O ama (Jo 14:21 e 23-24).
“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama, será amado de meu Pai, e eu o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14:21).
“Jesus respondeu e disse-lhe: Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, viremos para ele e faremos nele morada. Quem não me ama. não guarda as minhas palavras; ora, a palavra que ouvistes não é minha, mas do Pai que me enviou” (Jo 14:23-24).
Jesus não falou do amor, segundo os termos gregos ‘storge’, ‘eros’, ‘philia’ ou, ‘ágape’. O amor, do qual Jesus falou, é condicional, portanto, foge das definições que muitos livros de teologia apresentam:
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15).
O amor que Jesus exige é serviçal, sujeito ao seu senhorio, conforme expresso no seu convite:
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (Mt 11:28-30).
“E por que me chamais, SENHOR, Senhor, se não fazeis o que eu vos digo?” (Lc 6:46).
Qualquer que se achegar a Cristo, precisa tomar sobre si o jugo de Jesus, se fazendo servo, ou seja, é o mesmo que humilhar-se a si mesmo. “E o que a si mesmo se exaltar, será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar, será exaltado” (Mt 23:12).

O amor de Deus para com os homens
Ao fazer o que Deus manda, o homem ama a Deus e, em contra partida, o homem estará sob o amor de Deus, ou seja, sob o seu cuidado, como se lê:
“Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; do mesmo modo que eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai, e permaneço no seu amor” (Jo 15:10).
A definição do amor bíblico foi dada por Deus ao povo de Israel, por intermédio de Moisés, conforme expresso no livro do Êxodo:
“E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos que guardam os meus mandamentos” (Ex 20:6).
Assim, decorre de Êxodo 20, verso 6, a declaração: “Eu amo aos que me amam e os que cedo me buscarem, me acharão” (Pv 8:17).
Os que guardam os mandamentos de Deus, são os que O amam, portanto, Deus ama os que O amam, ou seja, faz misericórdia aos que guardam o Seu mandamento.
Voltemos à definição joanina do amor de Deus:
“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados” (1 Jo 5:3).
O amor de Deus está expresso em seus mandamentos e os homens, por sua vez, amam a Deus, obedecendo-O. Quando Deus dá um mandamento, há um objetivo: a obediência de um coração puro.
“Ora, o fim do mandamento é o amor de um coração puro, de uma boa consciência e de uma fé não fingida” (1 Tm 1:5)
Ao escrever a Timóteo, o apóstolo Paulo não falou do fim da lei, antes, do objetivo do mandamento de Deus: a obediência. O termo grego τέλος (telos), traduzido por ‘fim’, na verdade significa ‘finalidade’, ‘objetivo’. O mandamento que o apóstolo Paulo destaca, refere-se à doutrina do evangelho (1 Tm 1:3).
O mandamento de Deus expressa o Seu cuidado e tem por objetivo a obediência do homem e quando a obediência ocorre, o homem estará ao abrigo do cuidado de Deus.
O leitor deve estar atento, pois, algumas vezes, os escritores bíblicos fazem referência ao amor de Deus e outras vezes, ao amor do homem. Por exemplo, neste verso da epístola de João, o amor em destaque é o do homem:
“No amor não há temor, antes o perfeito amor lança fora o temor; porque o temor tem consigo a pena e o que teme não é perfeito em amor” (1 Jo 4:18).
O amar que não remete ao medo, não diz do amor de Deus, mas, sim, do amor do homem. O amor como obediência, não tem espaço para o medo, antes a perfeita obediência lança fora o medo. O medo só vem à tona por causa da pena e, qualquer que tem medo, é porque não é um obediente perfeito.
O salmista, no Salmo 71, faz referência ao mandamento de Deus que salva, expressão do amor de Deus:
“Sê tu a minha habitação forte, à qual possa recorrer, continuamente. Deste um mandamento que me salva, pois tu és a minha rocha e a minha fortaleza” (Sl 71:3).
Um exemplo de amor bíblico, ocorre no evento em que Jesus se encontra com o jovem rico. Ao amar o jovem rico, Jesus deu-lhe um mandamento: – “Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz e segue-me” (Mc 10:21).
Caso o jovem desse ouvidos à ordem de Cristo, teria obedecido ao Mestre. Em outras palavras, haveria amado a Cristo e seria amado por Deus. “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama, será amado de meu Pai, eu o amarei e me manifestarei a ele” (Jo 14:21).
Semelhantemente, Deus, ao amar homens de todas as tribos, povos e línguas (mundo), deu o seu Filho Unigênito, pois, em Cristo, está implícito o Seu mandamento, um mandamento que salva: “E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo” (1 Jo 3:23), visto que o amor de Deus é especifico:
“Nisto se manifesta o amor de Deus para conosco: que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por ele vivamos” (1 Jo 4:9).
“E o amor é este: que andemos segundo os seus mandamentos” (2 Jo 1:6).
“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos” (1 Jo 5:3).
O apóstolo João destaca que os cristãos só amam a Deus, porque Deus os amou primeiro: “Nós o amamos a ele, porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4:19). O amor de Deus para com a humanidade foi manifesto, quando Ele enviou o Seu Filho Unigênito ao mundo, porém, o amor de Deus foi estabelecido na fundação do mundo, uma vez que o cordeiro de Deus foi morto, desde a fundação do mundo (Ap 13:8).
Só é possível obedecer, quando há um mandamento, uma vez que, primeiro Deus deu o Seu mandamento em Cristo, daí o ‘amamos (obedecemos) a Ele, porque Ele nos amou (deu um mandamento) primeiro’.
Deus estabeleceu o seu mandamento, já na fundação do mundo. Deus não tem que provar nada e nem deu provas, antes, ‘estabeleceu’ o Seu amor, quando fundou o mundo, uma vez que o cordeiro foi morto, desde a fundação do mundo e o evidenciou aos olhos do mundo, na plenitude dos tempos, quando Cristo veio e morreu na cruz!
“Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores”(Rm 5:8).
O apóstolo Paulo, ao abordar o amor de Deus, evidencia que Ele estabeleceu o seu amor para com os cristãos, no fato de Cristo ter morrido, quando ainda éramos pecadores. Os tradutores utilizam o verbo ‘provar’, para traduzir as variantes συνισταω (sunistao), συνιστανω (sunistano) ou συνιστημι (sunistemi) [4].
A ideia de um amor que admite prova, é decorrente do humanismo, movimento cultural/filosófico que se apegou aos conceitos filosóficos platonista e aristotélico, e que, em muitos casos, deixou de lado o sentido da linguagem do homem do campo, da antiguidade, que permeava as relações aristocráticas.
Cristo, por sua vez, ao fazer uso do termo αγαπη (agapē), não o fez, no sentido de caridade, mas, no sentido de honra. Para que o mundo soubesse que Cristo honrou o Pai, Ele fez, especificamente, o que o Pai ordenou: “Mas, é para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me mandou. Levantai-vos, vamo-nos daqui” (Jo 14:31).
Apesar dos estudiosos conhecerem a essência do termo grego αγαπη (agapē), quando abordam o tema ‘amor’ na Bíblia, dão um novo significado ao termo e fazem um desserviço ao evangelho. Observe:
“Amor (gr. agape) (1 Pe 4.8; Rm 5.5, 8; 1 Jo 3.1; 4.7, 8,16; Jd 21) Esta palavra raramente era usada na literatura grega, antes do Novo Testamento. E quando isso acontecia, ela era usada para expressar um ato de gentileza aos estrangeiros, de oferecer hospitalidade e ser caridoso”. O novo comentário bíblico NT, com recursos adicionais — A Palavra de Deus ao Alcance de Todos, Editores Earl Radmacher, Ronald B. Allen e H. Wayne House, Rio de Janeiro, 2010, pág. 701.
“agapaõ que, originalmente, significava “honrar” ou “dar boas-vindas”, é, no Gr. clássico, a palavra que tem menos definição específica; frequentemente, se emprega como sinônimo de phileõ, sem haver qualquer distinção, necessariamente nítida, quanto ao significado (…) 4. Não está clara a etimologia de agapaõ e agapè. O vb. agapaõ aparece, frequentemente, na literatura gr. de Homero em diante, mas o subs. agapè é uma construção, que só aparece no Gr. posterior. Foi achada uma só referência fora da Bíblia: ali, a deusa Isis recebe o título de agapè (P. Oxy, 1380, 109; século II d.C.), agapaõ é frequentemente uma palavra descolorida em Grego e aparece, com frequência, como alternativa para, ou sinônimo com, eraõ e phileõ, com o significado de “gostar de”, “tratar com respeito”, “estar contente com”, e “dar as boas-vindas”. Quando, em raras ocasiões, se refere a alguém que foi favorecido por um deus (cf. Dio. Cris., Orationes 33, 21), fica claro que, diferentemente, de eraõ, não se refere ao anseio humano por posses ou valores, mas, sim, uma iniciativa generosa de uma pessoa por amor à outra”. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordón Chown] — 2ª ed. — São Paulo; Vida Nova, 2000, págs. 113 e 114.
Por causa da má leitura do termo αγαπη (agapē), quando empregado nas Escrituras, surgiu a ideia de que o amor de Deus é incondicional[5], ou seja, que Deus não exige nenhum quesito para amar e nem espera reciprocidade. Por outro lado, as Escrituras apresentam o amor de Deus, em outros termos:
“Eu amo aos que me amam e os que cedo me buscarem, me acharão” (Pv 8:17).
O amor de Deus para com o homem é condicional, pois Ele ama aos que O amam. É condicional por haver um quesito e demanda reciprocidade. Concluir que o amor de Deus é incondicional, geralmente decorre da má leitura dos seguintes versículos:
“Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou (…) Nós o amamos a Ele, porque ele nos amou primeiro” (1 Jo 4:10 e 19).
“Mas, Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5:8).
Só é possível ao homem amar a Deus porque Ele amou primeiro, ou seja, se Deus não houvesse primeiramente dado um mandamento aos homens, seria impossível aos homens amarem a Deus. Daí a definição joanina:
“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos” (1 Jo 5:3).
A essência do amor bíblico é a obediência à palavra de Deus, enquanto as elucubrações humanas entendem o amor, a partir de termos gregos e daí surgem só especulações, como: amor-doação, amor-entrega, que sai de si, em benefício do outro, capaz de doar-se, dar a vida, amor que faz tudo pelo amado, amor incondicional, amor que também é perdão, amor-caridade, misericórdia, etc.
Observe a exposição de Bancroft, acerca do amor de Deus:
“Assim como existe uma mente mais alta que a nossa, semelhantemente, existe um coração maior que o nosso. Deus não é, simplesmente, Aquele que ama; Ele é igualmente o Amor que é amado. Há uma infinita vida de sensibilidade e afeição em Deus. Deus tem sensibilidade e isso, em grau infinito. O sentimento por si só, porém, ainda não é amor. O amor implica não apenas em receber, mas em dar, não meramente em emoção, mas em concessão…”  Bancroft, Emery H., Teologia Elementar, Doutrinária e Conservadora, Editora Batista Regular, São Paulo, 2001, pág. 73.
A definição de Bancroft não passa de tergiversações e elucubrações, sem nenhuma fundamentação bíblica, pois trata o amor de Deus do ponto de vista da sensibilidade e da afeição humana.
Um exemplo claro do amor de Deus, nas Escrituras, encontramos na pessoa de Naamã, o capitão do exército do rei da Síria. Naamã não nutria nenhuma sensibilidade ou afeição pelo Deus de Israel, visto que ele nem mesmo sabia que somente em Israel havia Deus.  Ao saber que teria de mergulhar sete vezes no rio Jordão, a reação de Naamã foi de indignação.
Do mesmo modo, Deus não fez concessões e nem se sensibilizou com Naamã, por causa da sua enfermidade. Se Deus não se sensibilizou para atender aos milhares de leprosos que haviam em Israel, não seria o caso de se sensibilizar por um único homem estrangeiro (Lc 4:27).
O amor de Deus foi demonstrado por intermédio de um mensageiro do profeta, que disse: – “Vai e lava-te sete vezes no Jordão, que a tua carne será curada e ficarás purificado” (2Rs 5:10). Deus não se ocupou com o fato de Naamã ficar indignado e nem com a ideia que ele possuía acerca de Deus e do seu profeta (2Rs 5:11), mas, sim, em que se obedecesse à Sua palavra.
Deus não se sensibilizou e nem sentiu qualquer afeto pela viúva de Sarepta, de Sidom, pois, em igual situação, estavam muitas outras viúvas em Israel. Ele atendeu a viúva, por ela se dispor a atender a ordem de Deus: sustentar o profeta de Deus, mesmo não tendo recursos para fazê-lo: “Levanta-te e vai para Sarepta, que é de Sidom, e habita ali; eis que eu ordenei ali a uma mulher viúva que te sustente” (1Rs 17:9).
Devemos conhecer (tornar um com Ele) e prosseguir em conhecer ao nosso Deus (Os 6:3), pois o que Ele requer é a obediência:
“Porque eu quero a misericórdia e não o sacrifício e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos” (Os 6:6).
“Porém, Samuel disse: Tem porventura o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios, como em que se obedeça à palavra do SENHOR? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar; e o atender melhor é do que a gordura de carneiros” (1 Sm 15:22).
Mas, como ler o verso 16, do capítulo 3, do evangelho de João?
“Porque Deus amou ao mundo de tal[6] maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3:16).
Como temos a definição joanina: “Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos”. (1 Jo 5:3), para compreendermos o verso 16, de João 3, temos que localizar onde está expresso o mandamento de Deus que os homens devem guardar.
Como desconhecem a natureza do amor de Deus, muitos intérpretes da Bíblia vislumbram, equivocadamente, que, no ato de Deus dar o Seu Único Filho, tem-se prova da intensidade do amor de Deus.
Considerando o texto na língua grega, verifica-se que Jesus estava explicando a Nicodemos como Deus amou o mundo: deu o Seu Filho único, o que é completamente diferente da ideia de que Deus amou intensamente o mundo. Ao dar o Seu Filho, temos como Deus amou o mundo, não um vislumbre da intensidade do amor de Deus.
“οὕτως[7] γὰρ[8] ἠγάπησεν[9] ὁ θεὸς τὸν κόσμον, ὥστε τὸν υἱὸν τὸν μονογενῆ ἔδωκεν ἵνα πᾶς ὁ πιστεύων εἰς αὐτὸν μὴ ἀπόληται ἀλλ’ ἔχῃ ζωὴν αἰώνιον” (João 3:16), Westcott and Hort.
“assim[2] Pois[1] amou[4] deus[3] o mundo, que o[2] Filho[3] único[4] deu[1], para que todo o que crê em ele não pereça mas tenha vida eterna”. Novo Testamento Interlinerar,  grego-português, Barueri, SP, SBB, 2004.
O texto, na língua grega, não tem um advérbio que modifique o sentido do verbo ἠγάπησεν (amou) intensificando-o, antes, temos um advérbio explicativo: οὕτως (deste modo, assim, desta maneira). Entretanto, apesar de não termos um advérbio que intensifique a ação do verbo, os tradutores passaram a considerar que o termo grego ἠγάπησεν (ēgapēsen), traduzido por ‘amou’, demonstra intensidade.
O termo ἠγάπησεν ocorre 12 vezes no Novo Testamento, incluindo João 3, verso 16: Marcos 10:21; Lucas 7:47; João 13:1; João 15:9; Efésios 2:4; Efésios 5:2 e 25; 2 Pedro 2:15; 1 João 4:10-11 e 19 e, em nenhuma dessas referências, o termo ἠγάπησεν denota amor com intensidade.
Vale destacar que, no capítulo 2 da carta de Paulo aos Efésios, verso 4, o apóstolo faz referência a Deus como rico em misericórdia, em virtude do seu grande amor. Mesmo fazendo referência à grandeza do amor de Deus, dimensionando-o, o apóstolo dos gentios afirma somente que Deus amou, portanto, não faz referência à ideia de intensidade.
O apóstolo Paulo ao fazer referencia aos elementos que utilizamos para dimensionar um objeto (largura, comprimento, altura e profundidade), demonstra que o amor de Deus é um conhecimento invariável e plenamente compreensível “Poderdes perfeitamente compreender, com todos os santos, qual seja a largura, e o comprimento, e a altura, e a profundidade” (Ef 3:18).
“Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou” (Ef 2:4).
Percebe-se que os tradutores do Novo Testamento seguiram a tendência dos tradutores da Septuaginta[10], que utilizaram o termo grego αγαπαω. para verterem o termo hebraico עגב, donde a concepção de intensidade, quando da tradução do termo ἠγάπησεν, no verso em comento, possivelmente surgiu.
Se o leitor seguir a definição dada pelo evangelista João e procurar o mandamento de Deus no versículo em análise, verá que Deus deu o Seu Filho com uma finalidade: para que, qualquer (judeu ou grego) que crer em Cristo, não pereça, mas tenha a vida eterna. Em crer em Cristo está o mandamento de Deus, como se lê:
“E o seu mandamento é este: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo e nos amemos uns aos outros, segundo o seu mandamento” (1Jo 3:23).
Portanto, o amor de Deus é objetivo[11]: que creiamos no nome de seu Filho Jesus Cristo, como já lemos:
“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos” (1 Jo 5:3).

[1] “Deus é amor”, diz o apóstolo João. Quando tentei começar a escrever este livro pensei que seu axioma iria fornecer-me um caminho plano, através de todo o assunto. Estava certo de poder dizer que o amor humano só merecia ser assim chamado, naquilo em que se assemelhava àquele Amor que é Deus” Lewis, C. S., Os quatro amores, 2ª ed., São Paulo, WMF Martins Fontes, 2009.
[2]  Para os eruditos, o amor possui quatro vertentes, conforme os termos gregos utilizados para fazer referência ao amor: Storge, Eros, Philia e Ágape. Analisam o amor através da mitologia grega ou, através dos escritos de Platão (Eros) ou, procuram compreender o amor através da percepção de Aristóteles (philia), e, quando se deparam com a Bíblia, alegam que as ideias ditas cristãs devem ser analisadas através do amor ‘ágape’.
[3] “Deus é amor. De novo: “Nisto consiste o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou” (I João 4:10). Não devemos principiar com misticismo, com o amor da criatura por Deus, ou com a maravilhosa antecipação da fruição de Deus, concedida a alguns na vida terrena. Começamos no verdadeiro inicio, com o amor, como a energia Divina. Este amor primevo é o amor-Doação. Em Deus não existe fome a ser satisfeita, apenas fartura que deseja doar. A doutrina de que Deus não tinha necessidade de criar não é uma peça de especulação acadêmica, mas essencial”. Lewis, C. S., Os quatro amores, 2ª ed., São Paulo, WMF Martins Fontes, 2009.
[4] “4921 συνισταω (sunistao) ou (fortalecido) συνιστανω (sunistano) ou συνιστημι (sunistemi), de 4862 e 2476 (que inclui suas formas concomitantes); TDNT – 7:896, 1120, v. 1) estabelecer com, colocar no mesmo lugar, juntar ou unir 1a) permanecer com (ou próximo) 2) colocar alguém com outro 2a) apresentando-o ou introduzindo-o 2b) compreender 3) colocar junto por composição ou combinação, ensinar pela combinação e comparação 3a) mostrar, provar, estabelecer, exibir 4) colocar com, unir as partes num todo 4a) ser composto de, consistir”, Dicionário Bíblico Strong.
[5] “Mas o amor-Doação divino – o próprio Amor operando no homem – é inteiramente desinteressado e deseja o que é, simplesmente, melhor para o ente amado” Lewis, C. S., Os Quatro Amores.
[6] “Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que não morra quem nele acredita, mas tenha a vida eterna”. Nova Bíblia Pastoral, Editora Paulus, 2014.
[7] “3779 ουτω (houto) ou (diante de vogal) ουτως (houtos) de 3778; adv 1) deste modo, assim, desta maneira”, Dicionário Bíblico Strong.
[8] “1063 γαρ (gar), partícula primária; conj 1) porque, pois, visto que, então”, Dicionário Bíblico Strong.
[9] “25 αγαπαω (agapao) talvez de agan (muito) [ou cf 5689 עגב ]; TDNT 1:21,5; v 1) com respeito às pessoas 1a) receber com alegria, acolher, gostar muito de, amar ternamente 2) com respeito às coisas 2a) estar satisfeito, estar contente sobre ou com as coisas. Sinônimos, ver verbete 5914”; “05689 agab (עגב), uma raiz primitiva, grego 25 αγαπαω; DITAT, 1559; v 1) (Qal) ter afeição desordenada ou cobiça 1a) cobiça (particípio) 1b) amantes (particípio como subst)”, Dicionário Bíblico Strong.
[10] “Na LXX, agapaõ se emprega, de preferência, para traduzir o verbo heb. Ãhèb. O subs. agapè acha aqui a sua origem, ao representar o Heb. ’ah bâk. O vb. Ocorre, muito mais, frequentemente, do que o subs. ’ahèb e pode se referir, tanto a pessoas, como a coisas, e denota, em primeiro lugar, o relacionamento de seres humanos entre si, e, em segundo lugar, o relacionamento entre Deus e o homem (…) Na LXX (Septuaginta), surge diante de nós um quadro bem diferente’; phileõ, ocorre raras vezes, enquanto o vb. agapaõ, e o subs. agapè (doutra forma, quase, inteiramente, desconhecido no Gr.) se acham a cada passo. Não é possível discernir se se empregam conforme regras fixas, pois phileò (30 vezes), tal como agapaò (cerca de 263 vezes), geralmente traduz o Heb. ahèb (e.g. Gn 27:4 e segs.; 37:4 [cf. 37:3]; Is 56:10; Pv 8:17 [cf. 8:21]). Embora o Heb. tenha uma gama inteira de palavras para expressar o conceito contrário do ódio (enquanto a LXX só tem a palavra única miseõ – Inimigo, art. miseõ), tem, virtualmente, a única raiz .ahèb à sua disposição para a gama de sentimentos, que se associam com o amor. O Gr., de outro lado, tem várias raízes e palavras derivadas para expressar as várias matizes do amor: philia (38 vezes), que geralmente traduz ‘aheb, ’ahabâh, é comparativamente rara, embora philos (cerca de 181 vezes), que, geralmente, traduz rèa, embora, frequentemente, sem equivalente heb., seja mais comum na LXX”, Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, Colin Brown, Lothar Coenen (orgs.); [tradução Gordón Chown], 2ª ed., São Paulo, Vida Nova, 2000, págs. 114 e 121.
[11] “A névoa do subjetivismo, permeado pelo idealismo, que as concepções religiosas de nossos dias prescrevem aos seus seguidores, através do termo ‘amor’, não guarda relação com o imperativo grave e objetivo definido no N. T., como: “Nenhum servo pode servir a dois senhores; porque, ou há de odiar um e amar o outro, ou se há de chegar a um e desprezar o outro. Não podeis servir a Deus e a Mamom” (Lc 16:13)”Crispim, Claudio, in A obra que Demonstra Amor a Deus, São Paulo, NewBook, 2012, pág 78. “Tanto o amor de Deus, quanto o amor a Deus, é objetivo: Cristo é o amor de Deus e quem O obedece, O ama. Quando compreendemos o amor, segundo o proposto por Cristo e pelos apóstolos, saímos do campo do subjetivismo. O amor deixa de ter relação com o que se passa no íntimo do sujeito pensante: julgamentos, sentimentos, hábitos, paradigmas, etc., de cada indivíduo, visto que o mandamento de Deus não sofre variação”, idem, pág. 108.