quinta-feira, 12 de julho de 2018

Epistemologia reformista - Alvin Plantinga

Uma das principais questões discutidas desde o iluminismo é a de saber se a crença religiosa — a crença cristã, digamos — é racional, ou razoável, ou aceitável, ou justificada. A epistemologia reformista (assim chamada porque alguns dos seus aderentes ensinaram no Calvin College e em parte por buscarem inspiração em João Calvino e noutros da tradição da teologia reformista) é uma posição na epistemologia da crença religiosa. Apesar da sua evocação da reforma Protestante, o nome não pretende sugerir que a teologia católica romana ou a epistemologia está a precisar de reforma. Entre os arquitetos da epistemologia reformista estão Nicholas Wolterstorff e Alvin Plantinga, ambos professores há vários anos no Calvin College, e William P. Alston que, embora mostre pouco interesse pelo rótulo (preferindo o termo “epistemologia episcopal”), escreveu Perceiving God, um dos mais poderosos desenvolvimentos de alguns dos principais temas da epistemologia reformista. (Veja-se Plantinga e Wolterstorff 1983, Alston 1991, Wolterstorff 1995, e Plantinga 2000).
A epistemologia reformista foca-se na crença em Deus tal como concebida no cristianismo, judaísmo e islamismo tradicionais: uma pessoa imaterial omnipotente, omnisciente, totalmente benevolente e amorosa que criou o mundo, criou os seres humanos à sua própria imagem, e continua a agir no mundo por meio da solicitude providencial pelas suas criaturas. E a sua principal alegação é que a crença em Deus (concebido desse modo) pode ser “apropriadamente básica”. O que é que isso significa, e por que razão é importante?
Dar uma resposta obriga-nos a fazer um breve excurso histórico. Note-se primeiro que durante a maior parte do século XX a discussão da aceitabilidade racional da crença em Deus focou-se na questão de saber se havia evidência adequada para a existência de Deus; se houver evidência adequada, então a crença em Deus é racionalmente aceitável; se não houver, então não é, sendo o ateísmo e agnosticismo as alternativas viáveis. E a forma apropriada de abordar esta questão, tal como se pensava, era considerar os argumentos a favor e contra a existência de Deus. No lado a favor, os mais populares argumentos ou provas teístas têm sido os três grandes tradicionais: os argumentos ontológico, cosmológico e teleológico, para usar os termos de Immanuel Kant, juntamente com o argumento moral. O primeiro é um argumento fascinante mas intrigante a favor da existência de um ser maior do que o qual nada maior pode ser concebido; o segundo é um argumento a favor de uma primeira causa ou primeiro motor; o terceiro é um argumento a partir do notório design que o mundo apresenta; e o argumento moral sustenta que não poderia realmente haver algo como uma obrigação moral genuína se não houvesse um ser como Deus. Desses, o argumento teleológico, o argumento do desígnio, é talvez o mais popular e o mais convincente; uma das mais recentes e talvez a melhor formulação deste argumento encontra-se no trabalho de Richard Swinburne (1991).
No outro lado, o lado antiteísta, o principal argumento tem sido tradicionalmente o argumento dedutivo do mal: o argumento de que a existência de um Deus omnipotente, omnisciente, e totalmente bom é logicamente inconsistente com a própria existência do mal, ou de qualquer forma com a vasta extensão de dor, sofrimentos, e maldade encontrada efetivamente no mundo. O argumento dedutivo do mal caiu em desuso ao longo do último quarto de século quando os filósofos começaram a pensar que não havia aqui inconsistência; foi substituído pelo muito mais complicado e (do ponto de vista do ateólogo) menos satisfatório argumento probabilístico do mal, de acordo com o qual é improvável que exista uma pessoa como Deus, dado todo o mal que o mundo de facto apresenta. O argumento do mal é ladeado por argumentos subsidiários, tal como a sustentação de que o próprio conceito de Deus é incoerente (por exemplo, Kenny 1979), ou a alegação de que a ciência moderna, ou talvez os hábitos de pensamento engendrados pela ciência moderna, ou talvez alguma conclusão particular da ciência moderna (como a evolução), ou em todo o caso alguma coisa na proximidade torna a existência de Deus improvável.
E a questão é: qual destes grupos de argumentos é o mais forte? Se os argumentos a favor da existência de Deus são mais fortes, então (dependendo de quão muito mais fortes serão) a crença em Deus tem justificação racional; se os argumentos contra são mais fortes, a conclusão racional é que provavelmente não há uma pessoa como Deus; se são mais ou menos iguais em força, então a posição correta é o agnosticismo, não se acreditando que existe uma pessoa como Deus nem se negando a sua existência. Chame-se a esta suposição — de que a crença em Deus é racionalmente aceitável se, e só se, há evidência adequada na forma de bons argumentos para tal crença — evidencialismo. Ora, por que razão, de acordo com o evidencialista, tem de haver um bom argumento a favor da existência de Deus para que a crença em Deus seja racionalmente aceitável? Afinal, dificilmente alguém pensa que o leitor precisa de um bom argumento a favor da existência do passado para ser racional quando acredita que tomou o pequeno-almoço esta manhã.
A resposta reside numa linha mais geral de pensamento (uma imagem, uma forma de conceber toda a nossa vida intelectual) frequentemente chamada “fundacionalismo clássico”. O fundacionalismo clássico remonta ao iluminismo e a dois dos pilares da epistemologia ocidental: René Descartes e John Locke. Esta imagem começa com uma distinção entre crenças que são aceites de forma básica e aquelas que não são aceites dessa forma. Aceitar uma crença de forma básica é acreditar, mas não acreditar com base evidencial noutras coisas em que se acredita; uma crença básica é uma espécie de ponto de partida para o pensamento. Assim, eu acredito na proposição (6 + 1 = 7) de forma básica; não raciocínio ou argumento a favor disso a partir de outras proposições em que acredito; a minha crença é imediata, não mediada por outras crenças que servem como premissas num argumento em que a crença em questão é a conclusão. Por outro lado, acredito na proposição 341 X 269 = 91,729 (acabei de calcular isso) com base noutras proposições: proposições como 1 X 269 = 269, 4 X 9 = 36, e outras semelhantes. Alternativamente, poderia usar a minha calculadora, caso em que acreditaria a proposição com base noutras crenças, como a de que a minha calculadora é fiável, pelo menos para cálculos deste tipo, que introduzi corretamente os números, e que produz o resultado em questão. Este é um exemplo aritmético mas, claro, há muitos mais exemplos para cada área do pensamento.
A segunda e mais característica alegação do fundacionalismo clássico é a de que apenas algumasproposições podem ser corretamente, ou apropriadamente, ou justificadamente aceitáveis desta forma básica. A ideia fundamental é que as únicas proposições que posso justificadamente aceitar de forma básica são aquelas que são certas para mim. Que tipo de proposições são certas para mim? Dois tipos. Primeiro, há algumas proposições sobre a minha própria vida mental que são certas: por exemplo, a proposição de que parece-me que vejo um cavalo. (Não a de que vejo um cavalo; ao contrário da primeira, esta última proposição não é certa para mim; poderia estar a ter uma alucinação ou a sonhar e pensar que vejo um cavalo quando nenhum há lá para ser visto). Segundo, proposições “autoevidentes” são certas para nós: como 2 + 1 = 3 ou se todos os homens são mortais e Sócrates é homem, então Sócrates é mortal. Estas são proposições tão completamente óbvias que não se pode sequer entendê-las sem se ver que são verdadeiras. E de acordo com a imagem do fundacionalismo clássico, são apenas crenças destes dois tipos que são apropriadamente básicas, isto é, adequadamente aceites de forma básica. Crenças de outros tipos, numa estrutura cognitiva bem-sucedida, serão aceites com base evidencial noutras crenças — em última análise, com base em crenças dos dois tipos mencionados.
Ora, a minha crença de que há uma pessoa como Deus não é autoevidente (é possível entendê-la mas não aceitá-la) nem é sobre a minha própria vida mental. Portanto, a crença em Deus, nesta imagem, é aceite apropriadamente só se for aceite com base evidencial noutras crenças. Esta imagem tem sido dominante desde o iluminismo e tem sido igualmente dominante durante a maior parte do século XX. Naturalmente tem sofrido oscilações e cisões, posições analogicamente relacionadas que diferem de vários modos; não há espaço aqui para entrar em detalhes sórdidos. Durante a maior parte do século XX esta forma de pensar foi a ortodoxia.
É precisamente esta ortodoxia que o epistemólogo reformista disputa. Para ele, a crença em Deus é perfeitamente apropriada e racional, perfeitamente justificada e adequada, mesmo se não é aceite com base em argumentos a favor da existência de Deus, mesmo se o crente não conhece qualquer desses argumentos, e mesmo se de facto não há qualquer desses argumentos. Isto não se deve ao facto de ele redefinir “crença em Deus”, como certos teólogos, de tal forma que equivale realmente a algo totalmente diferente, talvez algo como ser indiferente com respeito ao futuro e ter confiança perante a doença, morte, sofrimento, e outras enfermidades de que a nossa carne é herdeira, ou talvez acreditar no processo histórico evolutivo que nos trouxe a todos à existência. Não: o epistemólogo reformista está a falar sobre Deus tal como concebido no cristianismo, judaísmo e islamismo tradicionais: uma pessoa omnipotente, omnisciente, totalmente boa e amorosa que criou o mundo e efetivamente sustenta-o na existência. E a sua alegação é a de que a crença em tal ser é apropriadamente básica.
O que significa isso? E como pode isso ser verdadeiro? Em particular, o que significa aqui “apropriadamente”? Ora, segundo a imagem clássica, o que haveria de errado em acreditar numa proposição de forma básica quando ela não é apropriadamente básica? Descartes e Locke, e a maioria dos seus sucessores, pensam na propriedade em termos de dever ou obrigação: pensam que existem deveres e obrigações (modos corretos e errados) com respeitos à crença, bem como com respeito à ação. Esses deveres especificam como devemos reger e regular a crença; e o dever particular em questão consiste apenas em se assegurar que não se acredita de forma básica uma proposição que não é certa; o único modo correto de acreditar em proposições que não são certas é com base evidencial de proposições que são certas. Deste modo, o que há de errado, caso se aceite como básica uma proposição que não é apropriadamente básica, é que se está a ir contra os deveres epistémicos: está-se a violar uma exigência ou obrigação; está-se a viver em pecado epistémico.
É precisamente esta alegação que o epistemólogo reformista disputa. Ele insiste em duas coisas: primeiro, o fundacionalista clássico está equivocado ao pensar que há um dever para tentar aceitar apenas aqueles dois tipos de proposições de forma básica; simplesmente não há tal dever. Ele sustenta que não há nada de imoral, por exemplo, na sua crença de que ontem comeu uma laranja ao almoço, mesmo se não acreditar nisso com base num argumento a partir de premissas que são certas para si. O facto é que não há um bom argumento (não-circular) a partir de tais proposições para qualquer fenómeno do passado, mas isso não quer dizer que se está a faltar ao dever ou à obrigação quando se forma tais crenças. Ele sustenta que não há nada de imoral ao acreditar em objetos materiais de forma básica — em particular tendo em conta, como indica a história da filosofia moderna desde Descartes até David Hume e Thomas Reid, que não há qualquer bom argumento (não-circular) a favor da existência de objetos materiais a partir de proposições que são apropriadamente básicas pelos padrões do fundacionalismo clássico. E ele também acredita que não há nada de imoral ou contrário ao dever ao acreditar em Deus de forma básica. Pois, primeiro, pode não estar sob meu controlo não acreditar dessa forma. Porém, em segundo lugar suponha-se que, depois de uma cuidadosa reflexão e ponderação, parece-me óbvio que  uma pessoa como Deus (talvez tenha o tipo de vida espiritual interior rica descrita no Religious Affections [1959] de Jonathan Edwards): como possivelmente poderia ir contra o dever ao sustentar a crença? Deste modo, o epistemólogo reformista pensa que é claro que a crença em Deus pode ser apropriadamente básica no sentido de que se pode estar perfeitamente justificado quando se sustenta essa crença de forma básica. De facto, isto não é apenas claro, como é óbvio, e é difícil ver como o evidencialista poderia ter pensado de outra forma.
A epistemologia reformista começou como uma resposta ao evidencialismo, com a sua preocupação pela justificação; a questão era: “Posso estar justificado ao acreditar em Deus de forma básica, ou tenho de ter argumentos para estar justificado?” Mas a epistemologia reformista foi além das questões da justificação para outras questões sobre o estatuto epistémico positivo, ou questões acerca de outros tipos de estatuto epistémico positivo. Dentro dos vários tipos de estatuto epistémico positivo, dois dos mais importantes são a racionalidade interna e a garantia. O primeiro tem a ver com o tipo de resposta doxástica que o leitor dá perante a evidência que está disponível para si — o tipo de crenças que forma ou não como resposta a essa evidência. E aqui evidência inclui não apenas outras proposições que acredita (embora inclua isso) mas também a sua experiência atual: a maneira como as coisas lhe parecem, por exemplo, quando presta atenção ao seu quintal e o seu campo visual é preenchido com esse padrão altamente detalhado e intrincado de luz, cor e forma. (Isto é apenas um tipo de experiência; há também, por exemplo, a experiência moral: certas ações simplesmente parecem corretas e outras parecem erradas). E o leitor é internamente racional quando a sua resposta doxástica à sua evidência é apropriada ou correta. Mas quando é tal resposta apropriada ou correta? A primeira coisa a ter em atenção é que o que está envolvido aqui não é uma questão de dever ou obrigação. Em vez disso é, de forma geral, uma questão de saúde, sanidade, função apropriada. Uma resposta doxástica é apropriada ou correta quando está entre as respostas que poderiam ser dadas nessa situação por alguém que estava completamente racional — não sofrendo qualquer disfunção cognitiva.
Mas agora podemos voltar à nossa questão: suponha-se que acredito de forma básica que Deus ama-me, ou que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo; posso ser internamente racional ao acreditar nisso? De novo a resposta parece fácil: claro que poderia. Pois suponha-se novamente que tenho aquela vida espiritual interior rica já mencionada: parece-me que estou em comunhão com Deus, e que vejo alguma coisa da sua admirável glória e beleza, que sinto o seu amor e a sua presença comigo. Então (a menos que adquira algum derrotador poderoso, e não precisamos de supor que o adquiri) uma resposta que envolve acreditar que  tal pessoa é clara e perfeitamente sensata: não há nada de patológico nessa resposta. Talvez haja alguma coisa patológica sobre ter esse tipo de experiência em primeiro lugar: isso poderia suceder. Mas dada a experiência, não há nada patológico nessa resposta doxástica.
Por fim, o que dizer sobre a garantia, o último membro do nosso trio? Garantia, podemos dizer, é o que separa o conhecimento da mera crença verdadeira. Garantia é a resposta à questão de Platão no Teeteto: O que deve acrescentar-se à crença verdadeira para se ter conhecimento? “Garantia” o nome para essa quantidade ou qualidade, o que quer que exatamente seja. Então, o que é a garantia? Aqui terei de ser breve e dogmático, assumindo uma certa perspetiva quanto ao que é a garantia. (A mesma conclusão resultaria se pensássemos a garantia de outras formas atualmente plausíveis). Como a vejo, então, a garantia usufruída por uma crença tem a ver com o estatuto das faculdades ou processos ou mecanismos produtores de crenças que são responsáveis pela produção dessa crença. Mais precisamente, uma crença tem garantia apenas quando é produzida por faculdades cognitivas que estão a funcionar apropriadamente (note-se a conexão com a racionalidade interna), num tipo de ambiente cognitivo para as quais elas foram concebidas (por Deus ou pela evolução).
Essas são as duas primeiras condições da garantia; há mais duas. Algumas faculdades ou processos produtores de crenças, tanto quanto podemos ver, têm como função a produção de crenças verdadeiras: visam a produção de crenças verdadeiras. Aqui podemos pensar na perceção, memória, e em processos, quaisquer que sejam, em virtude dos quais sabemos simples verdades aritméticas e da lógica. Mas outros processos produtores de crenças parecem visar alguma outra coisa que não a crença verdadeira. Por exemplo, há o pensamento ilusório (wishful thinking); a função deste modo de produção de crenças não é a produção de crenças verdadeiras, mas de crenças com outra virtude qualquer — talvez a crença que lhe permitirá prosseguir neste triste e difícil mundo. Há igualmente o alegado mecanismo pelo qual a mulher não se lembra do parto ser tão doloroso quanto realmente ele é; talvez isto vise uma disposição para ter mais crianças. Outros mecanismos produtores de crenças podem visar a produção de crenças que permitem e aumentam a amizade; um verdadeiro amigo dar-lhe-á o benefício da dúvida e continuará a acreditar na sua honestidade depois de um olhar cuidadoso e objetivo para a evidência que teria ditado uma relutante mudança de ideias. A terceira condição da garantia, então, é a de ser produzida por faculdades cognitivas ou processos produtores de crenças que visam a produção de crenças verdadeiras (e não a sobrevivência ou o conforto psicológico). E a quarta e última condição é simplesmente a de que o processo ou faculdade em questão vise com sucesso a produção de crenças verdadeiras: tem de haver uma alta probabilidade de que uma crença produzida pelo processo em questão (quando está a funcionar apropriadamente no tipo adequado de ambiente) será verdadeira.
Ora, então, será que a crença cristã e teísta reúne essas condições? Não segundo Sigmund Freud (1949) e Karl Marx (1964). O núcleo da crítica de Freud à crença religiosa (especialmente à crença em Deus) é a que a crença religiosa é produzida pelo processo de realização de desejos ou pensamento ilusório, um processo que visa o conforto psicológico perante um mundo natural que parece indiferente e hostil. Portanto, segundo Freud, a crença em Deus não reúne a terceira condição da garantia. E, segundo Marx, a crença em Deus (e outras crenças religiosas) são produzidas por uma disfunção psicológica por parte de pessoas que vivem sob condições de disfunção social; assim, não reúne a primeira condição da garantia. Se tanto Freud como Marx estiverem corretos, então a crença teísta não teria garantia; ela não seria produzida pelo tipo correto de faculdade ou processo produtor de crenças.
Claro que nem Freud nem Marx oferecem qualquer razão para se acreditar nessas suas sugestões; eles simplesmente anunciam-nas. E ao anunciá-las, estão a pressupor realmente que a crença teísta é de facto falsa. Pois, suponha-se que a crença teísta é verdadeira: então nós, seres humanos, fomos criados por um Deus amoroso que estaria interessado que o conhecêssemos e quase certamente teria fornecido um modo pela qual poderíamos chegar a conhecê-lo e saber coisas sobre ele. Portanto, ter-nos-ia criado de tal forma que sob condições adequadas poderíamos conhecê-lo e saber coisas sobre ele. Uma vez que muitos de nós (novamente presumindo que o teísmo é verdadeiro) de facto conhecem-no e sabem coisas sobre ele, a coisa natural a pensar, certamente, é que os processos ou faculdades pelas quais essas crenças são formadas estão a funcionar apropriadamente no tipo de ambiente para as quais foram concebidas; além disso, visam com sucesso a produção de crenças verdadeiras, i.e., essas crenças envolvem conhecer Deus e conhecer algo sobre ele. Deste modo, se a crença teísta for verdadeira, então com toda a probabilidade reúne as condições da garantia; por outro lado, se for falsa, então com toda a probabilidade não reúne essas condições. Assim, ao anunciarem simplesmente que a crença teísta não tem garantia, Freud e Marx bem como os seus seguidores, estão apenas a pressupor que a crença teísta (e outras crenças religiosas) é de facto falsa.
Claro que quem pensa que a crença teísta é verdadeira (como fazem os epistemólogos reformistas) não seguirão aqui Freud e Marx; tal pessoa não terá as razões de Marx e Freud para pensar que a crença teísta não tem garantia. Em vez disso, o epistemólogo reformista assinalará (com toda a probabilidade) que a crença teísta tem garantia se, e só se, for verdadeira; uma vez que pensa que é verdadeira, também pensará que tem garantia, tendo-a de forma básica. Aqui ele não pode afirmar (como sucedeu com a justificação) que é simplesmente óbvio que a crença teísta tem garantia; pois não é óbvio que o teísmo seja verdadeiro. Em vez disso, sublinha que a crença teísta tem garantia se, e só se, for verdadeira; portanto, pensar que tem garantia dependerá de se pensar que é verdadeira.
Alvin Plantinga
Retirado de A Companion to Philosophy of Religion, org. Charles Taliaferro, Paul Draper, e Philip L. Quinn (Blackwell Publishing, 2010), pp. 674-680. Revisão da tradução de Desidério Murcho.

Referências

  • Alston, W. P. Perceiving God (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1991).
  • Edwards, J. Religious Affections (New Haven, CT: Yale University Press, 1959).
  • Freud, S. Civilization and Its Discontents, trans. Joan Riviere (London: Hogarth Press, 1949).
  • Kenny, A. The God of the Philosophers (Oxford: Clarendon Press, 1979).
  • Marx, K. “Contribution to the Critique of Hegel’s Philosophy of Right”, in On Religion, by Karl Marx and Friedrich Engels, ed. R. Niebuhr (Chicago: Scholar’s Press, 1964).
  • Plantinga, A. Warranted Christian Belief (Oxford: Oxford University Press, 2000).
  • Plantinga, A., and Wolterstorff, N., eds. Faith and Rationality (Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 1983).
  • Swinburne, R. The Existence of God (Oxford: Clarendon Press, 1991).
  • Wolterstorff, N. Divine Discourse (Cambridge: Cambridge University Press, 1995).

  • Tradução de Domingos Faria

  • Via: criticanarede.com

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