quinta-feira, 12 de julho de 2018

EM DEFESA DA PROPRIEDADE PRIVADA - Gary North

Mas um certo homem chamado Ananias, com Safira, sua mulher, vendeu uma propriedade, e reteve parte do preço, sabendo-o também sua mulher; e, levando uma parte, a depositou aos pés dos apóstolos. Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder? Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus. E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou. E um grande temor veio sobre todos os que isto ouviram. E, levantando-se os moços, cobriram o morto e, transportando-o para fora, o sepultaram. (At 5.1-6)

O princípio teocêntrico aqui é a onisciência de Deus. Um homem e sua mulher tentaram enganar a igreja com respeito ao grau de compromisso deles com Deus. Mas Deus sabia a verdade. Ele trouxe sanções diretas contra eles por mentirem à igreja. É tolice tentar enganar a Deus. Uma Boa Reputação Ananias e sua esposa viram que os membros da igreja de Jerusalém estavam vendendo seus imóveis e entregando o valor da transação à igreja. Fazer isso era sacrifício considerável. Existiam sanções sociais positivas associadas a essa dedicação. Era considerado algo honroso agir assim. Ananias e sua esposa decidiram ganhar respeitabilidade com um desconto.

Eles enganariam seus amigos. Venderiam suas herdades, reteriam secretamente parte do dinheiro, dariam o restante à igreja, e desfrutariam da glória. Eles ganhariam reputação de se sacrificarem em sua devoção a Deus. Isso incluiria uma reputação de confiar em Deus para cuidar deles. Mas, se viessem tempos difíceis, eles teriam dinheiro em reserva. Não estariam completamente dependentes de Deus. E estariam também qualificados para receber apoio financeiro da igreja. O problema com essa estratégia foi o fato que Deus revelou o engano deles a Pedro.

Deus fazia isso com os profetas, mas havia poucos profetas em Israel. Jesus tinha sido um profeta. Mais do que isso: ele tinha sido o profeta predito por Moisés.

“O SENHOR teu Deus te levantará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, como eu; a ele ouvireis; conforme a tudo o que pediste ao SENHOR teu Deus em Horebe, no dia da assembleia, dizendo: Não ouvirei mais a voz do SENHOR teu Deus, nem mais verei este grande fogo, para que não morra. Então o SENHOR me disse: Falaram bem naquilo que disseram. Eis lhes suscitarei um profeta do meio de seus irmãos, como tu, e porei as minhas palavras na sua boca, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar. E será que qualquer que não ouvir as minhas palavras, que ele falar em meu nome, eu o requererei dele” (Dt 18.15-19).

Em seu segundo sermão, Pedro citou essa passagem e aplicou-a a Jesus: “Porque Moisés disse aos pais: O Senhor vosso Deus levantará de entre vossos irmãos um profeta semelhante a mim; a ele ouvireis em tudo quanto vos disser. E acontecerá que toda a alma que não escutar esse profeta será exterminada dentre o povo. Sim, e todos os profetas, desde Samuel, todos quantos depois falaram, também predisseram estes dias” (At 3.22-24).

O casal tinha ouvido sobre quem era Jesus. Eles tinham se unido à igreja sobre essa base. Mas não reconheceram que os líderes da igreja possuíam o poder profético de revelação. Eles deveriam saber isso. Pedro tinha curado miraculosamente o homem coxo (At 3.7).[18]

Esse dom de cura era uma marca de um verdadeiro profeta. Jesus tinha curado muitas pessoas da mesma forma. O casal deveria ter entendido que os líderes da igreja em Jerusalém eram apóstolos. Um ou mais desses apóstolos receberiam acesso à informação que não estava disponível aos homens sob circunstâncias normais. Eles não se importavam com o que Deus sabia. Importavam-se somente com o que os homens sabiam. Eles não levavam a ira de Deus em consideração. Consideravam apenas as opiniões dos homens.

O ponto de referência deles era centrado no homem. Queriam agradar aos homens à custa de agradar a Deus. Paulo, mais tarde, os advertiu contra isso. Buscar agradar aos homens é abandonar a posição de servo de Cristo. “Porque, persuado eu agora a homens ou a Deus? Ou procuro agradar a homens? Se estivesse ainda agradando aos homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1.10).

Aprovação Social Existia um forte elemento de pressão da sociedade para transferir as propriedades das famílias para a igreja, motivo pelo qual Ananias e Safira decidiram vender sua herdade e dar parte do dinheiro à igreja. Eles queriam ser considerados como jogadores do time. Os membros do time em Jerusalém uniam os seus recursos. Mas não havia nenhuma ameaça de compulsão. As palavras de Pedro deixam isso claro. Ninguém tinha que doar seus bens à igreja para ser um membro em boa situação. Pedro perguntou a Ananias: “Por que formaste este desígnio em teu coração?”.

Ele não esperava uma resposta. Ananias não viveria o suficiente para responder. Pedro considerou seu engano como satânico. Foi um ataque à integridade dos apóstolos, da igreja e, em última instância, à integridade Deus. O que estava tão errado no ato deles? Neste mundo, com frequência, as pessoas são mentirosas, mas Deus não as executa imediatamente. O que havia de singular nesse ato de engano? Pedro disse: “Não mentiste aos homens, mas a Deus”. Isso tinha a ver com a autoridade da igreja. Eles tinham mentido a Deus através da igreja.

Eles tinham tentado se elevar aos olhos da igreja. Por que eles se importavam com o que os membros da igreja pensavam? Isso tem a ver com as reivindicações da igreja de representar Deus na História. A igreja poderia fornecer aceitação social entre os judeus. Quais outros benefícios ela poderia oferecer? Talvez eles quisessem uma fonte de segurança econômica, o que a igreja parecia capaz de fornecer. Mas isso continuaria somente se os novos convertidos com posses se unissem e também continuassem a dar os seus bens à igreja.

O que eles esperavam ganhar? Em certo grau, estavam buscando aprovação de Deus mediante a aprovação dos outros membros da igreja. Ao tentar enganar os membros que representavam a Deus, eles estavam tentando enganar a Deus. Isso foi o que Pedro lhes disse. Por que alguém esperaria ganhar as bênçãos de Deus enquanto engana a Deus? Por que alguém esperaria obter a aprovação de um Deus onisciente através dos membros da igreja que não possuem tal onisciência? Por que alguém desejaria a aprovação social de pessoas que são tão facilmente enganadas? Ananias não tinha pensado direito. Caridade Voluntária Pedro contendeu com Ananias. “Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder?”. A herdade tinha sido deles. Depois de vendida, o dinheiro era deles. Eles tinham derivado benefícios da herdade. Poderiam ter derivado benefícios do dinheiro. Eles reconheceram isso, o motivo pelo qual retiveram uma porção do preço de venda. Pedro disse que não havia nada errado com o desejo deles de guardar esses benefícios como reserva. O que estava errado era a tentativa deles de enganar outros membros da igreja com respeito ao grau de sacrifício e confiança que tinham em Deus.

A contestação de Pedro a Ananias revelou um princípio de propriedade do Novo Testamento. No meio de um programa de caridade voluntária sem precedentes dentro da igreja em Jerusalém, ainda havia um compromisso ao princípio da propriedade privada. A prática dos apóstolos de serem depositários das propriedades dos membros da igreja local não era baseada em nenhum princípio de compulsão.

A membresia de ninguém estava em risco por se recusar a doar. Os apóstolos não estavam ameaçando nenhum membro que tivesse propriedades com a perda de acesso à Ceia do Senhor. Pedro perguntou retoricamente: “Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder?”. Essa foi basicamente a mesma pergunta retórica feita pelo senhor da vinha na parábola contada por Jesus sobre os trabalhadores assalariados. “Ou não me é lícito fazer o que quiser do que é meu?” (Mt 20.15a). Foi sobre a base desse princípio de propriedade privada que Jesus usou essa parábola para ensinar sobre a soberania de Deus ao oferecer a vida eterna.[19]

Pedro aqui reafirmou o mesmo princípio de propriedade privada. O socialismo é a rejeição da propriedade privada dos meios de produção. Essa é a razão pela qual é impossível provar a validade do socialismo pela prática da igreja em Jerusalém. Havia um compromisso fundamental com a igualdade econômica por meio da caridade voluntária, mas isso não tinha nada a ver com socialismo. Voluntarismo não tem nada a ver com socialismo.

O governo civil numa economia socialista confisca o capital privado. Isso reduz a capacidade do antigo dono do capital de exercer caridade. O socialismo substitui o voluntarismo pela ameaça da violência física. O socialismo envia o coletor de impostos à porta do dono da propriedade. Ele exige a transferência da propriedade ao Estado. Se o dono recusa submeter-se, o coletor de impostos envia a polícia, que vão armados pegar tudo que o coletor exigir.

O socialismo é baseado na ameaça da compulsão física. A declaração de Pedro a Ananias permanece como uma barreira à invocação do socialista, em favor de sua causa, da prática de propriedade comum da igreja de Jerusalém. Os membros da igreja de Jerusalém possuíam propriedades. Esse é o porquê eles foram capazes de criar um sistema de propriedade comum. Havia um mercado livre para os bens de capital. O capital tinha sido possuído privativamente no antigo Israel, e era privativamente possuído no Império Romano.

Havia um mercado livre. Portanto, os membros vendiam seus bens de menor capital de giro, e davam o dinheiro aos apóstolos como depositários. Safira Ananias foi culpado de tentar enganar Deus. Sua esposa também era culpada? Pedro logo determinaria isso por meio de um exame verbal.

“E, passando um espaço quase de três horas, entrou também sua mulher, não sabendo o que havia acontecido. E disse-lhe Pedro: Dize-me, vendestes por tanto aquela herdade? E ela disse: Sim, por tanto. Então Pedro lhe disse: Por que é que entre vós vos concertastes para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés dos que sepultaram o teu marido, e também te levarão a ti. E logo caiu aos seus pés, e expirou. E, entrando os moços, acharam-na morta, e a sepultaram junto de seu marido. E houve um grande temor em toda a igreja, e em todos os que ouviram estas coisas” (At 5.7-11).

Pedro, provavelmente, sabia que ele era cúmplice de seu marido. Todavia, ele permitiu que ela se declarasse culpada. Pedro conduziu uma investigação. Isso foi para o bem dela, tanto quanto para o bem da igreja. O evento ensinou aos membros que Deus defenderia sua igreja por meio da imposição de sanções negativas. Pedro conhecia a natureza da sanção nesse caso: morte. Quando Safira afirmou a mentira do seu marido, ela se condenou ao destino dele. Não admira que “houve um grande temor em toda a igreja, e em todos os que ouviram estas coisas”.

A igreja estava lentamente substituindo o Israel do Antigo Pacto como a representante do reino de Deus. Jesus disse aos judeus: “Portanto, eu vos digo que o reino de Deus vos será tirado, e será dado a uma nação que dê os seus frutos” (Mt 21.43).

A igreja não possuía nenhuma autoridade para impor sanções negativas físicas. Ela poderia privar uma pessoa dos sacramentos, mas não possuía a espada do governo civil. Contudo, Deus possui uma espada. Ao confirmar publicamente o julgamento verbal de Pedro contra Ananias e Safira, Deus validou o ofício de Pedro. Novas Sanções, Novo Pacto O texto continua: “E muitos sinais e prodígios eram feitos entre o povo pelas mãos dos apóstolos. E estavam todos unanimemente no Pórtico de Salomão” (v. 12). Deus estava validando a autoridade dos apóstolos por meio de sanções visíveis. Essas sanções eram parte do Novo Pacto. Sem sanções, tanto positivas quanto negativas, não há nenhum pacto.[20]

Nem aos magistrados civis nem aos oficiais da igreja é dada a capacidade de ler a mente dos homens. Construir qualquer sistema de governo sobre a posse de tal capacidade por algum líder é entender incorretamente a natureza da autoridade do Novo Pacto. Alguns dos apóstolos possuíram esse poder singular ocasionalmente. Isso marcou a transferência do Antigo Pacto para o Novo. O Novo Pacto precisava de validação. Deus forneceu isso.

Mas uma vez que o Antigo Pacto foi visivelmente terminado, o que aconteceu na queda de Jerusalém em 70 d.C., os milagres cessaram de estar disponíveis às ordens dos oficiais da igreja. Isso não nega que alguns milagres acontecem. Mas os oficiais da igreja não os possuem automaticamente ao ascender ao ofício.

Os magistrados civis em Israel nunca possuíram tal poder como parte do seu ofício. O socialista deve assumir para o Estado o poder de ler a mente dos homens numa escala nunca possuída pelos apóstolos. O comitê de planejamento socialista deve conseguir conciliar a oferta e procura. Isso significa que os membros do comitê devem encontrar uma forma de os supostos produtores e supostos consumidores coordenar seus planos.

Os planejadores devem primeiro avaliar que exigências do consumidor são legítimas, significando o benefício para toda a comunidade. Então devem determinar quem na sociedade pode satisfazer essa exigência mais eficazmente. Eles devem criar um sistema de sanções previsíveis, positivas e negativas, para persuadir produtores e consumidores a consumar uma troca de serviços.

O socialista deve presumir uma onisciência como a de Deus pelos membros dos vários comitês de planejamento. Seus planos burocráticos devem ser, de alguma forma, coordenados conjuntamente, para que eles sejam mutuamente consistentes. Então, esses planos devem ser implementados. Portanto, o socialista deve assumir também uma onipotência como a de Deus por parte dos magistrados civis, para reforçar os planos traçados pelo comitê de planejamento central.

O Novo Pacto não autoriza tais poderes de observação e reforço ao governo civil. Mesmo no caso da igreja primitiva, os apóstolos não se apoiaram na autoridade da igreja para reforçar a capacidade miraculosa deles de conhecer os segredos dos homens. Eles se apoiaram em Deus para reforçar diretamente seus julgamentos por meio de milagres.

Conclusão

O caso judicial de Ananias e Safira permanece como uma defesa da propriedade privada. Pedro invocou o princípio da propriedade privada ao condená-los. A tentativa deles de enganarem a Deus, disse Pedro, foi satânica, não o direito deles à propriedade.

O socialista que busca justificativa moral para o ideal do socialismo de igualdade econômica não deveria usar o exemplo da propriedade comum na igreja de Jerusalém. O socialista que invoca a prática da igreja de Jerusalém não atentou para as palavras de condenação de Pedro contra Ananias: “Guardando-a não ficava para ti? E, vendida, não estava em teu poder?”.

Extraído: SACRIFÍCIO E DOMÍNIO Um Comentário Econômico sobre Atos – Cap. 4, Gary North. Ed. Monergismo.

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