segunda-feira, 16 de julho de 2018

Pressupostos e Método Teológico (1/3) – Carl Henry


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O empirismo está muito em voga na teologia evangélica recente. Embora não se force ao ponto de fazer da observação sensorial e da verificação em laboratório os únicos meios confiáveis de conhecimento, ele incentiva o apelo teológico aos detalhes na busca de um universal, em vez de postular um princípio explanatório universal sujeito a teste. Por conseguinte, qualquer exposição dedutiva do cristianismo é desacreditada.

A moderna perda de interesse na história da doutrina tem parte no descrédito da teologia dedutiva.

Muitos seminários evangélicos, na verdade, sequer oferecem o curso de teologia histórica. Logo, a maioria dos cristãos conservadores não tem ciência de que a teologia sistemática mais antiga da cristandade começava com Deus como axioma básico e derivava desse princípio explanatório o conteúdo da religião cristã. Foi Orígenes (250 d.C.) que, no Peri archon (traduzido para o latim como De principiis), expôs as implicações da inteligência e simplicidade divinas — em oposição à projeção neoplatonista da transcendência radical — e deduziu o conhecimento teológico da criação e da salvação.

Desde o começo da era cristã, a metodologia da teologia sistemática tem sido principalmente dedutiva. Agostinho e Anselmo advogaram a dedução teológica. Até Tomás de Aquino propor uma alternativa empírica no século XII, o método dedutivo não foi seriamente posto em dúvida; em alguns aspectos ele prevaleceu até o século XIX, quando Schleiermacher o desafiou de modo decisivo. Os reformadores protestantes empregaram a dedução, apesar de os evidencialistas tornarem isso problemático ao misturarem a ênfase dos reformadores na revelação geral com uma abordagem empírica. Em contraste com a afirmação de seus ancestrais sobre a dedução, os evidencialistas advogam a indução; isto é, procedem da natureza e do homem enquanto efeitos para a existência da Causa Primeira inteligível e moral do universo.

As supostas provas ou evidências são declaradas esteios lógicos que promovem e apoiam o teísmo. Os teólogos que começam a priori com Deus como axioma ou princípio explanatório abrangente do qual deduzem tudo o mais são ridicularizados pelos evidencialistas como pressuposicionalistas que apenas brincam com pressupostos mentais. Os evidencialistas subestimam os pressuposicionalistas como simples fideístas que apelam só à fé e se desvencilham de forma deliberada da razão e da evidência, por eles depreciadas, supondo de antemão o que qualquer acadêmico responsável se sentiria obrigado a “provar”. Os fideístas meramente anunciam uma conclusão — a reclamação feita é assim — sem primeiro chegarem a ela de modo racional; ademais, rejeitam de propósito a necessidade subsequente de algum teste racional objetivo.

É fácil e, no entanto, intelectualmente irresponsável, desprezar todos os pressuposicionalistas evangélicos como meros fideístas. A alguns a queixa pode se ajustar, mas qualquer crítica radical apenas acalenta a falsa opinião que desprende a fé da razão e a liga à presunção. Uma vez que essa concepção errônea é firmada, qualquer pessoa reflexiva retrocederia diante da fé; em seu lugar, intelectuais sutis prefeririam a razão como antídoto bem-vindo.

O conceito de que a verdade na religião repousa “sobre a fé em vez do raciocínio ou da evidência”, o filósofo Richard H. Poplin imputa ao apóstolo Paulo.[29] Paulo indubitavelmente rejeita o raciocínio filosófico ou a sabedoria mundana como o maneira cristã de conhecer e — ao contrário dos evidencialistas — não confirma a existência de Deus sobre bases empíricas. O que Poplin não consegue notar, entretanto, é que o apelo de Paulo à fé de jeito algum repudia a razão pública ou a lógica. Mais propriamente rotulados de fideístas são Søren Kierkegaard e certos teólogos neoortodoxos que descartam a razão pública e os testes racionais por serem irrelevantes aos anúncios de verdade religiosa.

Ao reafirmar a Bíblia no lugar do Alcorão, do Bhagavad gita ou de O capital como ponto de partida, Karl Barth, como reclama Peter Berger, concomitantemente rejeita o alcance da razão universal como teste externo de verdade.[30] Os escritos primitivos de Barth — se não também seus últimos — dão crédito à queixa de Berger. Tais teses não devem ser confundidas, no entanto, com a ortodoxia evangélica.

Os teístas evangélicos consideram inaceitável qualquer afirmação irracionalista de que o absurdo intelectual torne crenças religiosas dignas ou de que a obediência espiritual demande um “salto de fé” indiferente às considerações racionais. Da mesma forma, rebaixar alguns teístas evangélicos a fideístas apenas pela rejeição da validade das provas empíricas padrões favoráveis à existência de Deus é patentemente injustificado. Tal depreciação, sustento eu, tira o teísmo bíblico de modo indesculpável do compromisso com a mais competente argumentação que a ortodoxia evangélica pode montar. Minha premissa é a legitimidade da teologia dedutiva e a invalidade da alternativa evidencialista.

As pretensas provas teístas, assevero, não fornecem nenhuma demonstração conclusiva da existência do Deus autorrevelador da Bíblia. Falar com mais modéstia sobre “evidências” em vez de “provas” requer o recuo às probabilidades. Se o argumento evidencialista “estabelece” a probabilidade de alguma realidade divina, ele mais fantasia uma deidade não baseada na Escritura que reforça o teísmo bíblico.

Os evidencialistas que menosprezam a primazia da fé não prestam à teologia evangélica nenhum serviço especial. Declarar a prioridade da fé não precisa significar, como rotineiramente acusam os evidencialistas, que todos os pressuposicionalistas aderem à fé sozinha à parte de, em vez de ou contrário à razão. Sustentar que a fé precede o raciocínio especulativo no estabelecimento de certas verdades básicas não exige em absoluto o descarte da razão e da evidência como irrelevantes à fé autêntica.

Deve-se contrastar a fórmula agostiniana credo ut intellegam (“creio a fim de entender”) não só com a fórmula de Tomás de Aquino (“entendo a fim de crer”), mas igualmente com a chamada fórmula tertuliana credo quia absurdum (“creio por [ser] absurdo”). O moderno avivamento neoortodoxo do lema de Tertuliano não se deu sem estar relacionado com a insistência existencialista no absurdo supremo do mundo, ideia não bíblica nem evangélica. Os pressuposicionalistas evangélicos — como os empiristas ou evidencialistas evangélicos agora os rotulam de modo pejorativo, com frequência — repudiam a concepção católica romana oficial formulada por Tomás de Aquino e aprovada pelo Concílio de Trento.

O parecer tomista afirma que a existência de Deus e a existência e imortalidade da alma têm de ser confirmados pela evidência empírica e pela razão desajudada, não pela primazia da revelação ou da fé.

Ao se oporem ao pressuposicionalismo, os empiristas evangélicos inclinam-se pesadamente à “prova quíntupla” de Tomás. Eles ignoram o fato de que o próprio Tomás adota a abordagem pressuposicional ou dedutiva em relação às doutrinas reconhecidamente reveladas como a da Trindade e da ressurreição corporal: As outras ciências não argumentam em vista de demonstrar seus princípios, mas para demonstrar a partir deles outras verdades de seu campo. Assim também a doutrina sagrada não se vale da argumentação para provar seus próprios princípios, as verdades da fé; mas parte deles para manifestar alguma outra verdade, como o Apóstolo, na primeira Carta aos Coríntios, se apoia na ressurreição de Cristo para provar a ressurreição geral.

Contudo, é preciso considerar que nas ciências filosóficas, as ciências inferiores não somente não provam seus princípios, como também não disputam contra aqueles que os negam, deixando esse cuidado a uma ciência mais elevada. Pelo contrário, a metafísica, a mais elevada de todas, disputa com quem nega seus princípios, desde que este conceda algo; e se não concede nada, ela não pode discutir com ele, mas pode refutar seus argumentos.

A Sagrada Escritura, por conseguinte, não tendo outra que lhe seja superior, terá de disputar com quem nega seus princípios. Ela o fará valendo-se da argumentação, se o adversário concede algo da revelação divina; como quando invocando as “autoridades” da doutrina sagrada disputamos contra os hereges, e artigos de fé para combater os que negam outro artigo. Mas se o adversário não acredita em nada das verdades reveladas, não resta nenhum modo de provar com argumentos os artigos da fé: pode-se apenas refutar os argumentos que oporia à fé.

Como a fé se apoia na verdade infalível, e é impossível demonstrar o contrário do verdadeiro, fica claro que as provas trazidas contra a fé não são verdadeiras demonstrações, mas argumentos que se podem refutar. (“A Doutrina Sagrada”, Suma Teológica, Artigo 8, “Esta doutrina se vale de argumentos?”)[31]

Se o pressuposicionalismo indica que quem pensa faz pressuposições, então eu sou, assumidamente, um pressuposicionalista evangélico. Na verdade, até um empirista ou evidencialista que professe estar livre de pressuposições as nutre, por mais encoberta ou inconscientemente que seja. Além disso, acho o fideísmo não mais convidativo ou consolador que o empirismo. O cristianismo evangélico tem tão pouco a ganhar da teoria que — repudiando a razão pública e os critérios lógicos (incluindo a lei da contradição) — simplesmente aceita o fato de Deus existir como verdade, quanto o tem da concepção que presume derivar Deus do não Deus (sejam quais forem os aspectos do mundo finito que ela proponha invocar). Principiar a apresentação das ideias de alguém com afirmações apriorísticas e o apelo à fé não é mais irracional ou intelectualmente desacreditado em teologia do que o é na filosofia ou na ciência natural.

A experimentação e a observação não vão a lugar algum deixando de lado pressuposições tácitas. A ciência empírica deve rotineiramente tomar como certo o que não pode provar, incluindo princípios como os da completa unidade, harmonia e inteligibilidade do universo, da prevalência de alguma espécie de continuidade causal na natureza e da necessidade de honestidade na experimentação e na pesquisa científica.

Sem previamente supor semelhantes postulados, a ciência empírica nem mesmo pode se iniciar. Nenhum físico pode provar a existência de real afinidade entre suas teorias e a condição objetiva da natureza. A explicação científica do que ocorreu no primeiro momento do tempo depende de um ato de fé, a saber, a confiança no princípio da uniformidade.

A retrogradação crítica da teologia cristã de seu status anterior como ciência foi por muito tempo fundada no falso conceito de que a genuína ciência evita pressupostos. Os cientistas empíricos modernos de início professavam com ousadia estarem livres de suposições. Mas, tão logo ficou óbvio que ciência alguma pode existir sem pressupostos, os críticos modernistas advogaram que, em vez de simplesmente herdarem suas pressuposições como sacrossantas, a ciência pelo menos as questiona e se mantém pronta para seu teste e revisão.

Os cristãos ortodoxos simplesmente acomodam a tradição encanecida como verdade, insinuaram os críticos, ao passo que só o método empírico de observação e verificação em laboratório pode validar alegações da verdade; assim, a ciência moderna não proporciona ao sobrenaturalismo cristão nenhum conforto. Os evidencialistas teológicos, e de igual forma outros teólogos, começam com admissões apriorísticas de hipótese. O evidencialista pode estar menos disposto que seus colegas teólogos a admitir que a mente abriga pressuposições, porém, até a errada pressuposição de que idealmente os argumentos em favor de Deus são expostos sem pressupostos invalida seu repúdio a suposições operativas.

O fato é: nada deixará a mente sem rumo ficar mais infrutífera que a ausência de todos os postulados; de fato, semelhante ausência leva à inanidade em menos tempo que leva para pensar. Resumindo: sem fé a ciência, a filosofia e a teologia não podem progredir. Para se empenhar na verdade autêntica o cristianismo não precisa subscrever afirmações seculares de como deve conduzir a perquirição teológica de forma ideal.

A religião cristã não é obrigada a, com antecedência, aceitar teorias da verdade alheias ou acomodá-las como alternativa própria — como o preço da elaboração e discussão metafísicas sérias. Os cristãos não necessitam vindicar os dogmas cristãos e os remover da suspeita secular submetendo-os a critérios restritivos e enquadrando-os nas concepções rivais imperiosamente asseveradas por neokantianos, positivistas lógicos, existencialistas ou outros. Sancionar a “credibilidade” da investigação cristã, exibindo em primeiro lugar sua compatibilidade com teorias estranhas, significa apenas mercadejar a singularidade do cristianismo.
Damos a kantianos e positivistas liberdade para a enunciação de suas suposições; de fato, estamos ávidos para ouvir o que dizem. De modo similar, os cristãos devem apresentar sua distintiva maneira de ver a verdade, que engloba o Deus que cria e ilumina nossos mecanismos formadores de crença. Os cristãos não devem sentir compulsão alguma para afinar sua epistemologia teística transcendente para coincidir com as preferências de filósofos hostis.

O intelectual estará totalmente nos limites da legitimidade filosófica e teológica caso creia na existência de Deus e assevere sua existência mesmo na ausência de prova empírica.

Não existe base racional para restringir as proposições críveis só às que envolvem evidências do tipo que impressionam em especial os físicos ou antropólogos. A propriedade epistêmica da crença em Deus independe de considerações empíricas ou comprobatórias de suporte.

Extraído: O Resgate da Fé Cristã, Carl Henry, Cap. 2, Ed. Monergismo

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