O pleno discernimento entre CONVENCIMENTO e PERSUASÃO há de ser conhecimento primário de formação, mas – e tal como sói ser a tantas coisas primárias – normalmente passa desapercebido pelas pessoas, que confundem seus sentidos, confusão essa que turba a própria visão da condição humana.
Nossa época acredita de forma excessivamente ingênua na RACIONALIDADE, particularmente na racionalidade da CIÊNCIA, o que nos inculca uma crença de que somos racionais e que em posse da razão/causa/conhecimento de algo, vamos proceder em coerência prática com esse conhecimento.
Ledo, senão mesmo ledíssimo engano, o qual é esmagadoramente desmentido pelos fatos. Senão de forma excepcional ou secundária, posse de RAZÃO não provoca “por si” alteração nas decisões ou curso de ações das pessoas. Guarde a frase: “razão não é motivo”, ou, ainda, sua paráfrase: “razão não motiva”.Voltaremos a isso.
As pessoas cultas antigas e medievais não bebiam dessa ingenuidade e tinham bem divididos, com fronteiras vizinhas entre si mas bem claras, os domínios da LÓGICA e da RETÓRICA.
LÓGICA é a disciplina que se ocupa do conhecimento das verdades das coisas e do CONVENCIMENTO dessas verdades. Convencer alguém é fazer-lhe assumir uma IDEIA (sobre algo, sobre alguém, sobre alguma coisa ou ação) como VERDADEIRA.
Por exemplo, CONVENCER alguém de que “fumar faz mal à saúde” consiste em fazer que esse alguém ACREDITE na ideia. Meios para isso são vários: demonstração da fisiologia pulmonar, estudos sobre reações químicas das substâncias componentes do cigarro, comparação visual de radiografia de fumantes e não fumantes, convívio direto com fumantes e não fumantes, etc …
Enfim, é excessivamente fácil CONVENCER alguém de que “fumar faz mal à saúde”. Não é impróprio, até, afirmar que se alguém se recusa ao convencimento disso, está é a ser fingido.
Tal facilidade em “vender a ideia” não corresponde, nem necessária e nem sequer majoritariamente, em que quem a tenha comprado NÃO FUME NUNCA ou, mais ainda, se já fumante que PARE DE FUMAR. Goza da certeza absoluta, caro leitor, de que o jeito mais ineficaz de fazer alguém não fumar será ficar martelando-lhe as orelhas com o mantra de que “fumar faz mal à saúde”.
O nome que se dá para a ação que promove a que alguém FAÇA ou NÃO FAÇA algo é PERSUAÇÃO. A disciplina que estuda os meios de persuasão se chama RETÓRICA. Tal como a LÓGICA se debruça sobre o convencimento e das “verdades das coisas” (o máximo de objetividade), a RETÓRICA, a mais dos meios de persuasão, se debruça sobre a “vontade e afetividade humanas” (o máximo de subjetividade).
Falar correntemente em RETÓRICA provoca associação quase que imediata aos sensos de “picaretagem”, “enganação”, entre outras incontáveis formas de desonestidade. Essa associação simplista é, evidentemente, maniqueísmo e maniqueísmo muito raso, pois obviamente há BOA e MÁ RETÓRICA.
O que urge, sobremaneira, salientar é que mesmo para se fazer o BEM a RETÓRICA não é meramente útil, mas INDISPENSÁVEL e conforme observação que PLATÃO (428-348 a.c.) já fazia, já que não bebia da falácia do predomínio racionalista.
Como PERSUADIR o nosso fumante a não mais fumar, já que LHE CONVENCER de que sua ação faz mal é insuficiente ?
O bom retor responderá que “depende” e estará correto, pois toda ação retórica DEPENDE do auditório e das circunstâncias, já que o que menos lhe importa é a OBJETIVIDADE e essa é uma questão central da CONDIÇÃO HUMANA, já que o nosso MAIOR PROBLEMA é justamente (não) ACEITAR A VERDADE OBJETIVA.
O retor capaz é o que consegue apreender o quanto de verdade seu auditório aguenta e por quais meios esse mesmo auditório é menos refratário ou “mais negociador”. Será BOA prática se se orientar à VERDADE/BONDADE OBJETIVA e MÁ prática se se orientar a uma ILUSÃO/MALDADE.
O aspecto “negocial” da retórica é de uma negociação que o auditório há de fazer consigo, promovida/estimulada/instigada pelo retorPERSUASIVO e cujos objetos são trocas de paixões, afetos, prazeres, etc …
O nosso fumante talvez deixe de fumar porque(i) dará mal exemplo a seu filho ou a outrem qualquer; (ii) porque, conforme circunstâncias quaisquer ficará ruim para sua imagem; (iii) porque pessoa X, Y ou Z não vai querer namorar-lhe por isso, etc …
Todas respostas acima consistem em “negociações afetivas” pelas quais o fumante pode abrir mão de um afeto/prazer de fumar para receber outro afeto-direto bom ou melhor, afeto esse FORTEMENTE SINGULAR à vida ou circunstâncias da vida dele. Só MUITO TENUEMENTE por “razões objetivas” contam/ para uma mudança de ação.
Falar em “razão objetiva” é pleonasmo, pois objetividade é próprio de razão. Igualmente pleonasmo é falar em “motivação subjetiva”, já que, paralelamente, subjetividade é próprio de motivo/motivação. O que é ABSURDO é querer MOTIVAR A PARTIR DE RAZÃO !
SÓCRATES (469 – 399 a.c.) defendia que se o homem conhecesse (fosse convencido) o bem, faria necessariamente o bem. ARISTÓTELES (384 – 322 a.c.) não endossou SÓCRATES neste particular e defendia que o homem pode conhecer o bem, mas não o querer (não ter motivo para o querer). SÓCRATES foi condenado à cicuta mesmo com demonstração OBJETIVA de sua inocência. ARISTÓTELES fugiu para a ilha de Cálcides dizendo que não ia “permitir que os atenienses pequem duas vezes contra a filosofia” e morreu de velho. SÓCRATES combatia de forma absoluta a RETÓRICA dos Sofistas. ARISTÓTELES discernia a MÁ e a BOA RETÓRICA, atacando a primeira e estimulando a última. A rigor, as biografias dos dois notáveis pensadores mostram coerências com suas posições.
A disciplina da RETÓRICA é uma chave da porta de entrada à alma humana, justamente naquilo que é a “mais humana” das nossas características: a VONTADE.
O Trivium não deixaria de contemplar a RETÓRICA como disciplina componente. Até porque o espírito do Trivium é mais intransitivo que operacional, o viés da RETÓRICA no Trivium há de rumar à AUTO-RETÓRICA, ou seja, a educação da nossa própria vontade.
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