segunda-feira, 16 de julho de 2018

Qual é a cosmovisão cristã reformada sobre trabalho e educação? - DR. LAWRENCE W. BILKES

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Precisamos de uma Cosmovisão Cristã Reformada
É comum que se pense em termos de uma visão de mundo e, em especial, de uma cosmovisão cristã reformada. Em alguns meios, o conceito de cosmovisão substitui o evangelho. As pessoas são chamadas a redimirem o mundo em vez de serem convidadas a se reconciliarem com Deus. Não temos como ter uma visão apropriada do mundo sem o evangelho do pecado e da graça. O cristão precisa olhar para o mundo de uma maneira bíblica e não simplesmente aceitar a maneira atual de enxergar o mundo. A Reforma do séc. XVI serviu não apenas para reformar a igreja e sua doutrina, mas também as vidas das pessoas e da sociedade. A Igreja Católica Romana fazia distinção entre natureza e graça, o que criou uma dicotomia marcante entre a esfera clerical e a secular. Na prática, isso encoraja o mundanismo.
Qual era a Cosmovisão dos Reformadores?
Os reformadores pregavam a necessidade de arrependimento. Verdadeiro arrependimento vem de Deus. Eles insistiam que os homens deveriam conhecer a Deus como juiz antes de conhecê-lo como Pai em Cristo. Se pecadores não sabem o motivo da ira de Deus contra eles, eles não podem compreender o significado de Cristo tomando sobre si o seu lugar no Gólgota. Essa fé não é uma mera aceitação do evangelho, mas deve ser uma fé viva. As pessoas devem se voltar a Deus, a quem o dom pertence, ao Pai de misericórdia, que é quem realiza a obra. A fé que vem de Deus une o homem a Cristo em sua morte e no poder da sua ressurreição. Ela leva à santidade. Deus precisa renovar o coração do pecador e transformar sua natureza. Na regeneração, o Espírito Santo escreve a lei de Deus no coração.
Os reformadores enfatizaram três principais aspectos da vida cristã: temor, fé e confiança em sua Palavra e amor. Esses três nascem juntos, vivem lado a lado e não podem ser separados.
1. O temor do Senhor é a reverência a Deus que floresce de uma consciência da sua majestade e glória. O cristão conhece e honra a Deus como Pai, mas o medo de ofendê-lo está sempre presente. Deus é Mestre e santo Juiz e o reconhecimento do nosso relacionamento com ele demanda que nos perturbemos e não pequemos (Sl 4.4)¹. O vislumbre de Deus levou o salmista a dizer: “O meu corpo se arrepiou com temor de ti, e temi os teus juízos” (Sl 119.120).
2.  é o segundo aspecto da vida cristã. O conhecimento de Deus nos dá uma permanente percepção do pecado para o qual o único alívio é a fé no Senhor Jesus Cristo. Essa fé é acompanhada de autonegação e separação do mundo. Onde não há renúncia do mundo nem negação do eu, não há fé no Cristo crucificado. Essa mesma fé é também dada para a batalha espiritual.
3. Amor é o terceiro aspecto da vida cristã. John Bradford diz “…Aquele que está persuadido do amor de Deus por si e do preço de sua redenção pelo precioso sangue do Cordeiro imaculado, Jesus Cristo, não pode senão amar a Deus de volta e desse amor fazer isso e desejar realizar o melhor que possa para agradar a Deus”.² Esse amor é acompanhado por uma preocupação profunda pelos não convertidos e um amor fervoroso por outros cristãos. Isso leva o crente a servir a Deus e a orar com um coração ardente.
Ordenanças da Criação
A ética Reformada do casamento e da família requer que se olhe para o cônjuge a quem ama como seu melhor amigo para a vida. Uma vez abençoados por Deus com filhos, a ética reformada da criação de filhos ensina que devemos instruí-los no caminho em que devem andar, que devemos cuidar de seus corpos e almas e educá-los para uma vida adulta que seja sóbria, piedosa e útil para a sociedade. O padrão reformado para a vida no lar é baseado na manutenção da ordem, da gentileza e do culto doméstico. Benignidade, paciência, consistência e encorajamento são vistas como virtudes domésticas essenciais. O lar é também um local onde são vividas decepções e dificuldades, doença e luto, os quais vêm de Deus. A vida em família é uma escola para a formação de caráter em todos os sentidos. Além disso, o lar é onde os pais, como leigos, ministram e evangelizam, trabalhando para que aqueles que ali nasceram possam nascer de novo para Deus.
Se Protegendo Contra o Mundanismo
Ser escravizado a qualquer atividade é mundanismo. Trabalhar compulsivamente e ser viciado em trabalho é tão mundano quanto ser preguiçoso. Somos mundanos quando esquecemos de Deus na busca pelo prazer. Mundanismo é colocar alvos terrenos (prazer, lucro, popularidade, poder) no lugar da glória de Deus. É terreno encontrar maior felicidade em ser louvado pelos homens do que em louvar a Deus. Não somos mundanos se recebemos os dons de Deus com gratidão e se o agradamos apreciando e usando corretamente essas bênçãos. Precisamos ser libertos dos caminhos nos quais a sociedade anda que são manchados pelo pecado (Jd 23). Se preocupar com os outros é parte do evangelismo, que é a forma básica de assistência social e o primeiro chamado cristão na comunidade secular. Devemos compartilhar a Lei e o Evangelho com eles para que sejam salvos da condenação eterna.
Separação, Evangelismo e Vocação
A primeira exigência de Deus para os cristãos neste mundo é que eles sejam diferentes daqueles que estão ao seu redor, observando o padrão moral absoluto de Deus, praticando o amor, evitando licenciosidade vergonhosa e não perdendo sua dignidade como portadores da imagem de Deus por meio de qualquer forma de comodismo (Rm 12.2; Ef 4.17-24; Cl 3.5-11). Uma ruptura com o sistema de valores secular se faz necessária (Ef 4.25-5.17). A tarefa delegada ao cristão possui três lados. O mandato principal para a Igreja é o evangelismo (Mt 28.19-20; Lc 4.43-44), e todo crente deve buscar de todas as formas investir na conversão de não cristãos, o impacto da mudança de vida de um indivíduo é significante aqui (1 Pe 2.12). O amor ao próximo deveria levar a atos de misericórdia. Entretanto, além disso, os cristãos são chamados a cumprir o mandato que Deus deu à humanidade na criação (Gn 1.28-30; Sl 8.6-8). O homem foi feito para ser mordomo do mundo de Deus. Isso envolve trabalho duro, com o objetivo de dar honra a Deus e fazer bem aos outros. A “ética protestante do trabalho” é o cumprimento de um “chamado” divino. Sabendo que Deus continua a preservar e enriquecer seu mundo caído com bondade e tolerância providenciais, apesar do pecado do homem (At 14.16-17), os cristãos são chamados a exercer todas as formas de atividade humana que sejam legítimas. Ao fazerem isso, em termos de sistema de valores e da visão da vida cristãos, eles serão o sal e a luz do mundo (Mt 5.13-16).
A Vontade de Deus
O apóstolo Paulo deu aos coríntios certos princípios para regularem seu proceder, os quais permanecem válidos ainda hoje. Eles são de grande utilidade prática para que possamos discernir a vontade de Deus para nossas vidas.
É legítimo? Qualquer ação que vá contra a Palavra de Deus nunca deve ser legitimada para os crentes. Qualquer coisa expressamente proibida pelas Escrituras deve ser evitada. É benéfico? Nem todas as coisas trazem benefícios (1Co 6.12). A pergunta é: será que isso fortalecerá meu relacionamento com o Senhor Jesus Cristo? Isso se aplica às escolhas de local e de ocupação. Pode ser que eu consiga uma oportunidade de gastar meu dinheiro com algo que meu coração deseja. Mas é a vontade de Deus? Isso me trará para mais perto dele? Ou será que vai consumir meu tempo, energia e interesses de tal maneira que eu ficarei espiritualmente mais pobre? Irá me escravizar? “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm. Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma” (1Co 6.12). Não há mal no simples fato de possuir um carro bom, morar em uma casa agradável, desfrutar de boa comida etc. Mas quando não podemos estar satisfeitos sem isso, essas coisas se tornam correntes que nos prendem.
Vocação
A Bíblia ensina que o trabalho diário não é uma consequência do pecado, mas parte do mandato de Deus para a humanidade (Gn 1.28). Para o crente, o trabalho é parte do seu chamado. Deus é honrado na provisão de bens e serviços que são úteis ao nosso próximo.
Trabalho é também um meio de provisão para a própria família e para os outros. Muitos percebem que seu trabalho é repetitivo e sem propósito. Um cristão é chamado a fazer aquilo que melhor se adéqua na situação com a qual Deus o “presenteou”. A postura básica que a Bíblia requer é que estejamos contentes com nossa situação e que tenhamos determinação para trabalhar fiel e vigorosamente com o melhor de nossas habilidades. Além disso, as Escrituras mostram com clareza que quando Deus em sua providência traz novas oportunidades, elas devem ser aceitas (1Co 7.21). Há também ocupações que são ilegítimas, as quais devem ser evitadas ou abandonadas (1Co 6.11; Ef 4.28). Em 1 Pedro 2.21 fica claro que o chamado do cristão não se refere apenas ao seu trabalho e às circunstâncias de sua vida, mas também à necessidade de sofrer por seguir os passos de Cristo.
Educação
As Escrituras são a Palavra de Deus, a regra infalível de pensamento e prática. Cada pensamento deve ser cativo a Cristo (2Co 10.5) e, portanto, à revelação de que Cristo é o centro. O objeto da educação deriva seus princípios da Escritura. Quão indispensável é para a educação o que encontramos em Gênesis 1.1, que Deus criou todas as coisas! A pergunta “de onde” é essencial para a educação. De onde vem o ambiente em que vivemos? De onde vem o universo? Entrelaçada a isso está a doutrina da providência de Deus. Ele sustenta o mundo pelo seu poder e o direciona pela sua sabedoria. Nosso ser é derivado dele (At 17.28). A identidade do homem também é essencial. A educação não se preocupa apenas com as coisas, mas também com pessoas, criadas à imagem de Deus. O Breve Catecismo de Westminster diz que “o fim principal do homem é glorificar a Deus e se deleitar nele para sempre”. O ensino das Escrituras também é indispensável para a redenção, o qual pressupõe o pecado. Estamos por natureza em rebeldia contra Deus. O fato de que o homem é criado à imagem de Deus torna o pecado algo tão sério. A educação deve ser centrada em Cristo. A história não é um produto do acaso, mas o desdobramento do plano soberano de Deus para o mundo que ele criou, o qual ele sustenta e direciona. Com respeito à ciência, dois princípios devem ser mantidos em mente. Sua busca é o cumprimento do mandato de Deus para que se subjugue à terra. O mais alto propósito da investigação científica é glorificar a Deus por trazer à luz as maravilhas criadas por Deus. Por que o homem possui facilidade com a linguagem? O homem fala e escreve, porque é criado à imagem de Deus, o qual fala e escreve. Tudo na educação deve ser centrado em Deus, de acordo com sua Palavra.
Notas:
¹ Em inglês, a tradução livre seria “estejam maravilhados e não pequeis”. [N. do T.]
² The Writings of John Bradford I [Os Escritos de John Bradford I] (Edimburgo: The Banner of Truth, reimpressão), 77.
Artigo publicado originalmente na Revista Diakonia (Canadá), 2007.
Tradução: Letícia Côrtes.
Revisão: J. Maurício M. Júnior.
Via: website revistadiakonia.org é uma iniciativa do Instituto João Calvino.

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