quinta-feira, 12 de julho de 2018

Salmodia Exclusiva - W. Gary Crampton

O capítulo XXI da Confissão de Fé de Westminster, “Do Culto Religioso e do Domingo”, descreve como devemos adorar a Deus: “O modo aceitável de adorar o verdadeiro Deus é instituído por ele mesmo e tão limitado pela sua vontade revelada, que não deve ser adorado segundo as imaginações e invenções dos homens ou sugestões de Satanás nem sob qualquer representação visível ou de qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras”. Essa regra de adoração é chamada o princípio regulador.

Ele tem sido sempre o princípio governador da adoração pública dentro das igrejas reformadas. Quais as partes da adoração, segundo a Assembléia de Westminster, ordenadas e aprovadas por Deus? Na seção 5 do capítulo XXI, eles concluem que juntamente com a oração (que é mencionada nas seções 3, 4 e 6): “A leitura das Escrituras com o temor divino, a sã pregação da palavra e a consciente atenção a ela em obediência a Deus, com inteligência, fé e reverência; o cantar salmos com graças no coração, bem como a devida administração e digna recepção dos sacramentos instituídos por Cristo - são partes do ordinário culto de Deus, além dos juramentos religiosos; votos, jejuns solenes e ações de graças em ocasiões especiais, tudo o que, em seus vários tempos e ocasiões próprias, deve ser usado de um modo santo e religioso”.

Para o propósito do nosso estudo, nos focaremos na frase “cantar salmos com graças no coração”. A Assembléia de Westminster restringe a igreja ao uso exclusivo de Salmos na adoração pública? Aquelas igrejas com práticas de cantar hinos e cânticos espirituais com melodia (ou graça) nos seus corações (Efésios 5:19; Colossenses 3:16), de variedades inspiradas ou não (por exemplo, Amazing Grace, Holy, Holy, Holy), juntamente com os Salmos, estão violando a Confissão ou as Escrituras? Essa é a questão que está diante de nós.

Salmodia Exclusiva

Os defensores da salmodia exclusiva respondem essa questão no afirmativo. Por exemplo, G. I. Williamson, após admitir que “não pode ser argüido que o uso exclusivo dos Salmos, na adoração, tenha sido alguma vez universal nas igrejas reformadas. Alguns, incluindo a igreja de Calvino em Genebra, cantavam pelo menos alguns outros cânticos”, continua e diz: “Esse é um assunto [salmodia exclusiva] que comecei a estudar há muitos anos atrás, e a partir da minha pesquisa duas coisas me impressionaram:

1. Eu nunca vi nenhuma prova exegética de que Deus quer que produzamos nossos próprios hinos para cantá-los na adoração, no lugar dos Salmos inspirados que ele providenciou...;

2. Em segundo lugar é simplesmente um fato histórico que a grande mudança, em substituir os hinos inspirados pelos não-inspirados, não foi o resultado de novas descobertas no conteúdo da Escritura. Ela não foi uma mudança relutante compelida pela exegese cuidadosa (pelo menos isso não é verdade em vários casos dessa inovação na história das igrejas reformadas conhecidas pelo escritor). Não, a mudança veio, antes, de uma cessão à uma demanda popular crescente – ela foi uma mudança feita para agradar as pessoas”.

Outro defensor da salmodia exclusiva, Raymond P. Joseph, diz: “Espero que a igreja em breve desperte novamente para o que o Senhor lhe deu em seus Salmos; para a percepção de que ele lhe deu o próprio cerne de sua teologia prática, de forma que o cântico congregacional regular dos Salmos fosse uma revisão e lembrança semanal (e diária) de quão grande o nosso Senhor é em sua majestade, gloria e santidade de julgamento... Nós podemos confiar nossas almas com segurança à Palavra infalível de Deus, uma Palavra livre das algemas das preferências subjetivas e da visão limitada do homem. Cantemos os escritos dos homens em outros lugares. Mas adoremos o nosso Deus com os seus Salmos”.

Rowland Ward, falando com respeito aos puritanos ingleses, tais como aqueles que escreveram a Confissão de Fé de Westminster, diz, “todos os Puritanos... favoreciam o uso metrificado dos Salmos [na adoração pública]... Nisso eles tinham uma clara medida de concordância com muitos anglicanos”.

A Réplica

Como devemos responder a comentários como esses? Primeiro, deve ser declarado que, mesmo que a maioria dos teólogos da Assembléia de Westminster fossem defensores da salmodia exclusiva, não se segue que alguém seja não-confessional se ele não for um defensor da salmodia exclusiva. O capítulo XXI da Confissão não denuncia o uso de hinos e cânticos inspirados ou não-inspirados; ele meramente se refere ao “cantar salmos”. Gordon Clark aponta que a palavra “salmo” se referia originalmente a uma canção tocada numa harpa.

Assim, quando a palavra é usada, não é necessário que ela seja considerara como se referindo somente aos Salmos inspirados da Escritura. Stephen Pribble concorda. Em seu livro A Defense of Hymn-Singing in Worship, ele diz que a adoração religiosa deveria incluir o “cântico de salmos”, não “os Salmos”. A Confissão de Westminster usa aqui o termo “salmos” no sentido geral da palavra, que, de acordo com o Oxford English Dictionary, significa “qualquer música sagrada... cantada na adoração religiosa”. Talvez esse seja o porquê A.A. Hodge, comentando sobre essa seção da Confissão, sugira que podemos sumarizar a declaração “cantar salmos” com a frase “cântico de louvor”.

Um Pouco de História da Igreja

Há pouca discussão que durante todos os séculos da história da igreja, a salmodia exclusiva tem sido endossada por diversos estudiosos dentro da comunidade Reformada, mas não tem sido uniformemente assim. Por exemplo, R. G. Rayburn escreve que a forma mais básica de adoração na igreja primitiva incluía, não somente a leitura e exposição da Sagrada Escritura, orações e a administração adequada dos sacramentos, mas também o uso dos Salmos para o cântico, bem como o cântico tanto de hinos inspirados como não-inspirados.

H. M. Best e D. Huttar afirmam que a igreja primitiva de forma alguma se restringiu ao cântico dos Salmos, embora a comunidade cristã fosse muito cuidadosa de como se conduzir na adoração pública. A admoestação de Paulo aos Efésios (5:19) e Colossenses (3:16) para cantar “salmos, hinos e cânticos espirituais” foi entendida como significando que a igreja deveria adorar o Deus Triuno por meio de cânticos de louvor inspirados e nãoinspirados. Essas duas passagens não tinham a intenção de restringir a igreja à “salmodia exclusiva”.

O historiador cristão C. Gregg Singer confirma ainda mais isso. Em sua “Lectures on Church History”, Singer mantém que a salmodia exclusiva nunca foi a opinião majoritária dentro da cristandade até o tempo dos Puritanos, isto é, o século XVII. Na igreja pós-apostólica, o Saltério foi usado na adoração pública, juntamente com outros “hinos e cânticos espirituais”.

Os Cânones de Laodicéia (360 d.C., cânon 59) proibiam o cântico de hinos não-inspirados no culto de adoração, mas não impunha o uso exclusivo de Salmos. O Concílio de Calcedônia (451 d.C.) fez o mesmo, bem como o Segundo Concílio de Braga (aproximadamente 563 d.C., cânon 12). Nenhum desses documentos declarou como ilegal o cântico de hinos inspirados e cânticos espirituais em adição aos Salmos.

O Segundo Concílio de Tours (567 d.C., cânon 23), e o Quarto Concílio de Toledo (633 d.C.) defenderam o uso de hinos não-canônicos. A igreja primitiva teve escritores de hinos tais como, no século IV, Ephraem, Gregório Nazianzeno, e Ambrósio, que escreveram em siríaco, grego e latim, respectivamente; e o século VII se orgulhou do escritor de hinos Caedmon.

Alguns dos Reformadores sustentaram a visão de que os únicos cânticos apropriados para serem usados na adoração formal eram aqueles encontrados dentro da Escritura, mas eles não adotaram a salmodia exclusiva. João Calvino preferia o cântico congregacional dos Salmos, sem acompanhamento musical, todavia, ele também usou uma versão metrificada dos Dez Mandamentos e da Oração do Senhor na adoração pública, juntamente com a recitação do Credo dos Apóstolos.

A Assembléia de Westminster patrocinou uma tradução metrificada dos 150 Salmos. Os Puritanos americanos também prepararam uma versão metrificada do Saltério para ser usada na adoração pública. Leland Ryken concorda com Singer de que a maioria entre os teólogos puritanos era defensor da salmodia exclusiva. Digno de atenção, contudo, é o fato de que o Credo dos Apóstolos eram frequentemente recitado nos serviços de adoração puritana, um ato que a maioria dos defensores da salmodia exclusiva considerariam uma violação do princípio regulador. Todavia, escritores Puritanos, tais como John Bunyan, compuseram hinos que podem ter sido ocasionalmente usados na adoração pública.

Como a chegada do século dezoito, a igreja em geral retornou ao uso dos hinos inspirados e não-inspirados, juntamente com o Saltério. Escritores de hinos tais como Benjamin Keach, Isaac Watts, John Newton e William Cowper foram instrumentais nesse movimento. Desde aquele tempo, exceto uma parte da igreja escocesa (a Igreja Livre da Escócia), a maioria das igrejas Reformadas fez o mesmo.

Jonathan Edwards

Jonathan Edwards é um exemplo de Puritano do século dezoito que, embora endossasse inteiramente o uso do Saltério, não se restringiu a ele na adoração pública. Em seu livro “Some Thoughts Concerning the Present Review of Religion in New England”, ele escreveu:

“Longe de mim pensar que o livro dos Salmos deva ser banido da adoração pública; ele deve ser sempre usado na igreja cristã até o fim do mundo. Entretanto, desconheço qualquer obrigação para nos restringirmos a ele. Eu não consigo encontrar nenhum mandamento ou regra na Palavra de Deus que nos limite às palavras da Escritura mais no cantar que no orar; dirigimo-nos a Deus nos dois casos. Não encontro nenhuma orientação bíblica a mais para falar-lhe pelo louvor, em métrica, ao som de música, que para dirigirmo-nos a Deus em prosa, mediante oração e súplica. É realmente necessário termos outros cânticos além dos Salmos de Davi. Torna-se exorbitante a suposição de que a igreja cristã deva, nos tempos de maior luz , permanecer eternamente restrita apenas às palavras do Antigo Testamento, quando assuntos infinitamente maiores de louvor a Deus e ao Cordeiro — as mais gloriosas particularidades do Evangelho — sejam pronunciadas como por trás de um véu e o nome de nosso glorioso Redentor nunca seja mencionado, apenas vislumbrado por entre alguma figura obscura, ou oculto sob o nome de algum tipo. E quanto ao uso das palavras de outras pessoas, não-concebidas por nós mesmos, não é mais do que fazemos em todas as nossas orações públicas; toda a assembléia de adoradores, com a exceção de um , faz uso das palavras concebidas por quem fala em nome dos demais”.

O Testemunho da Escritura

O testemunho da história da igreja, certamente, não é o padrão para determinar tais questões. Somente a Escritura é o nosso padrão. É aqui que o presente escritor não encontra nenhum apoio para o uso exclusivo dos Salmos na adoração pública.

Leonard Coppes, em seu ensaio não publicado, “Exclusive Psalmody and Progressive Revelation – A Response”, argumenta que os vários cânticos que existiam no Israel do Antigo Testamento, antes da formação do Saltério, militam contra a salmodia exclusiva. Ele contende que outros cânticos eram obviamente usados na adoração de Deus pelos judeus. Por exemplo, em Êxodo 15 temos o cântico de Moisés (versículos 1-18), que é repetido na adoração celestial (compare Apocalipse 15:3), e o cântico de Miriã (versículos 20, 21). Em Juízes 5, temos o cântico de Débora (veja também Números 10:35, 36; 21:17, 18). Até mesmo o salmista inspirado (Salmo 119:54) fala dos estatutos mosaicos, não simplesmente do Saltério, como sendo seus cânticos.

Dr. Coppes mantém que os cânticos encontrados no livro de Apocalipse (por exemplo, capítulos 4, 5, 7, 11) apóiam o uso de mais do que os 150 Salmos na adoração formal. Depois de tudo, nós na igreja do Novo Testamento já temos, através do nosso mediador Jesus Cristo, entrado na adoração celestial (Hebreus 2:12, 13; 9:24; 10:19-22; 12:22). Ele escreve: “o padrão bíblico para o cântico na adoração é a fidelidade ao que foi revelado e não inspiração... Portanto, o princípio regulador não impede o uso de cânticos não-inspirados na adoração, quer privada ou pública”. Enquanto um hino não-inspirado for biblicamente correto e apropriado para a adoração, ele deve ser permitido na adoração pública de Deus. Há mais obstáculos bíblicos que a salmodia exclusiva deve sobrepujar. Primeiro, parece que os vários usos de “hinos” no Novo Testamento, tais como Colossenses 1:15-18 e Filipenses 2:6-11, nos dão razão para usar tais cânticos na adoração pública de Deus.

Segundo, no hino de Filipenses 2:6-11, a igreja do primeiro século tomou propriamente o santíssimo nome de Jesus e o incorporou num “cântico espiritual” (versículos 9-11). Ele é um hino de louvor ao Senhor Jesus, que, como o divino Kyrios, é o cumprimento dos Salmos de entronização de Yahweh (93, 97 e 99). A igreja alegremente confessa no cântico que “Jesus Cristo é Senhor (Kyrios)”. Como Jonathan Edwards apontou, um defensor da salmodia exclusiva nunca pode tomar o nome do Salvador em seus lábios no cântico público, pois o nome “Jesus” não é encontrado no Saltério.

Alguns defensores da salmodia exclusiva mantém que eles tomam o nome de Jesus em seus lábios quando eles cantam o nome Jeová (encontrado umas 13 vezes no Saltério escocês). Mas esse é um raciocínio falacioso. Cantar o nome Jeová obviamente não é o mesmo que cantar o nome Jesus. O nome Iesous (Jesus) é uma transliteração do hebraico Yehoshua (Josué), que significa “Jeová é salvação”. Assim, se alguém pronuncia o nome Jesus, é plausível argumentar que a pessoa quis dizer Jeová por implicação. Mas Jeová não significa nem Josué, nem Jesus. O argumento dos defensores da salmodia exclusiva é negligente. Para o argumento deles sequer parecer plausível, Jeová teria que significar Jesus ou Josué. Ele não significa nenhum dos dois. O nome Josué (Iesous na Septuaginta) não é encontrado em nenhuma parte no Saltério.

Além do mais, os defensores da salmodia exclusiva não podem apelar para significados e implicações. Quando eles advogam a salmodia exclusiva e objetam ao uso de hinos não-inspirados, mesmo que eles estejam teologicamente corretos (assumamos isso por enquanto), eles se limitam às palavras exatas nos Salmos. Se os significados são aceitáveis, eles não podem consistentemente objetar aos hinos biblicamente corretos, mas não-inspirados.

Também, Jeová não é o nome somente da Segunda Pessoa da Deidade; é também o nome do Pai e do Espírito Santo. Todas as três Pessoas são propriamente adoradas quando o nome Jeová é cantado. Mas segundo o Novo Testamento, é somente o Filho encarnado que carrega o nome Jesus. É ele “quem salva seu povo dos seus pecados” (Mateus 1:21). É esse nome que tomamos em nossos lábios quando cantamos sobre o nosso Salvador. Somente ele comprou seu povo com o seu sangue. O uso exclusivo dos Salmos nos impede de cantar o louvor de Jesus Cristo na adoração.

Terceiro, para o argumento deles ser válido, os defensores da salmodia exclusiva devem distinguir entre ensino, pregação, cântico e recitação da verdade bíblica. Em Efésios 5:19 somos ordenados a “falar” (laleo) uns aos outros, e em Colossenses 3:16 a “ensinar” (didasko) uns aos outros, “por meio de salmos, hinos e cânticos espirituais”. Todavia, Paulo também instruiu Timóteo a “ensinar” (didasko) (1 Timóteo 4:11; 6:2) e a “pregar” (kerusso) (2 Timóteo 4:2) para sua congregação na adoração pública. Agora, é racional supor que é biblicamente apropriado pregar as verdades encontradas no Credo Apostólico e não ser capaz de cantar ou recitar as mesmas verdades, por que elas não são encontradas em nenhum lugar nos Salmos? Isso está longe de ser provável; de fato, é absurdo. A igreja tem toda justificação bíblica para formular hinos, cânticos, credos, e assim por diante, desde que baseados na escrituras, e incorporá-los na adoração pública de Deus como um meio de louvá-lo e ensinar uns aos outros.

Quarto, outra questão que devemos colocar diante dos defensores da salmodia exclusiva é esta: “O que constitui um salmo metrificado?” Quão fiel os Salmos cantados devem ser às Escrituras? Alguns dos salmos metrificados são, na melhor das hipóteses, paráfrases aproximadas do texto hebraico. Os defensores da salmodia exclusiva não toleram tal negligência em suas Bíblias. Cantar esses salmos está longe de cantar a “Escritura inspirada”. O defensor da salmodia exclusiva viola o princípio regulador quando ele não canta os Salmos na linguagem exata do hebraico?

Quinto, Efésios 5:19 e Colossenses 3:16 fortemente suportam, não somente o uso de Salmos, mas também o uso de hinos e cânticos, baseados na Bíblia, na adoração pública, bem como na privada. Os defensores da salmodia exclusiva contendem que esses versículos se referem exclusivamente ao Saltério. Isto é, eles observarem corretamente que a tradução grega do Antigo Testamento hebraico, a Septuaginta (LXX), usa as três palavras como títulos em sua versão do Saltério. A palavra salmo (psalmos) é encontrada 67 vezes, hino (humnos) ocorre 13 vezes, e cântico (ode) é encontrada 36 vezes. No sobrescrito do Salmo 76, todas as três ocorrem. Como Gordon Clark aponta, contudo, “esses três títulos parecem ser inserções na Septuaginta sem evidência no hebraico”. Mas mesmo que a alegação de Clark não fosse verdadeira, manter que, porque esses três termos são usados na versão grega do Saltério, Paulo está com isso restringindo a igreja à salmodia exclusiva na adoração pública é claramente um caso de falácia lógica.

Além do mais, a Septuaginta também usa essas três palavras em outros lugares além dos Salmos. A palavra ode, por exemplo, é encontrada em várias passagens do Antigo Testamento (por exemplo, Êxodo 15:1; Deuteronômio 31:19, 21, 22; 32:44; Juízes 5:12; 2 Samuel 22:1; Habacuque 3:1, 19). Isaías exorta os santos a cantarem um novo hino (humnos) (42:10). E no Novo Testamento lemos de odes sendo cantadas em Apocalipse 5:9; 14:3; e 15:3. Clark está correto quando ele mantém que esse argumento a partir dos títulos “é um suporte muito frágil para a salmodia exclusiva”.

William Hendriksen, em seu New Testament Commentary: Galatians and Ephesians, comentando sobre Efésios 5:19, escreve: “O termo salmos com toda probabilidade se refere, ao menos principalmente, ao Saltério do Antigo Testamento; hinos, principalmente aos cânticos de louvor a Deus e a Cristo no Novo Testamento... e finalmente, cânticos espirituais, principalmente à lírica sagrada, tratando de temas não diretamente relacionados com o louvor a Deus ou a Cristo. Pode haver, entretanto, certa abrangência ou amplificação na significação desses três termos segundo o seu uso aqui, por Paulo”. Hendricksen não encontra nem sequer uma pista de que Paulo esteja falando somente do uso do Saltério.

F. F. Bruce, em seu New International Commentary on the New Testament: The Epistles to the Colossians, to Philemon, and the Ephesians, diz, com respeito ao uso paulino de salmos, hinos e cânticos espirituais em Colossenses 3:16: “É improvável que qualquer divisão severamente demarcada seja intencionada, embora os ‘salmos’ possam ser extraídos do Saltério do Antigo Testamento (que forneceu um veículo principal [N.B.; não “o único”, – WGC] para o louvor desde os tempos primitivos), os ‘hinos’ possam ser cânticos cristãos, alguns dos quais são reproduzidos, no todo ou em parte, no texto do Novo Testamento, e ‘cânticos espirituais’ possam ser palavras espontâneas cantadas ‘no Espírito’, proclamando aspirações santas”. Além do mais, numa nota de rodapé com respeito a Colossenses 3:16, Bruce reivindica que, “é improvável que psalmoi [salmos] e humnoi [hinos] e odai pneumatikai [cânticos espirituais] devam ser confinados aos três tipos de composição especificadas nos títulos hebraicos do Saltério do Antigo Testamento”.

Finalmente, João Calvino, o príncipe dos exegetas, diz: “Essas [as três palavras sob estudo] são comumente distinguidas dessa forma — que um salmo é aquele no cântico do qual algum instrumento musical é usado além da língua; um hino é propriamente um cântico de louvor, quer cantado simplesmente com a voz ou não; enquanto uma ode contém não meramente louvores, mas exortações e outros assuntos. Ele [Paulo] queria que os cânticos dos cristãos, contudo, fossem espirituais, não compostos de frivolidades e assuntos sem valor”. Novamente, não há indicação de que Paulo esteja sequer aludindo à salmodia exclusiva. A última sentença de Calvino parece indicar uma aceitação de cânticos não-inspirados, conquanto que eles sejam teologicamente corretos.

Alguns defensores da salmodia exclusiva argumentam que os três substantivos encontrados em Efésios 5:19 — salmos, hinos e cânticos — estão na “mesma categoria gramatical”, unidos pela conjunção “e” (kai). Assim, dizem esses exegetas, “hinos” e “cânticos” devem ser considerados como iguais aos “salmos”. Portanto, se os salmos são Escritura, assim também o são os hinos e os cânticos. Usos similares de kai podem ser encontrados em Mateus 28:19 e 2 Coríntios 13:14, onde as três pessoas da Trindade são descritas na “mesma categoria gramatical”.

Isso, certamente, é uma interpretação possível. Contudo, simplesmente porque kai é usado dessa maneira em Mateus 28:19 e 2 Coríntios 13:14 não significa que esse é o uso paulino em Efésios 5:19. De fato, em Colossenses 3:16, o único outro versículo do Novo Testamento onde Paulo usa esses três pronomes juntos, a conjunção kai não é usada de forma alguma com respeito aos salmos, hinos e cânticos. Hendriksen, Bruce e Calvin não vêem nenhuma “categorização”. Além do mais, esse argumento pode igualmente levar muito bem à conclusão de que Paulo não queria dizer Salmos inspirados. O que também manteria os termos iguais.

Alguns dos mesmos exegetas reivindicam que o adjetivo “espiritual” (pneumatikais), como usado em Efésios 5:19, modifica todos os três substantivos. O versículo seria lido assim: “em salmos e hinos e cânticos espirituais”. Não somente, eles dizem, são os salmos “soprados por Deus”, mas também os hinos e os cânticos; eles são igualmente Escritura. (De fato, visto que pneumatikais é feminino, ele modifica odai, que também é feminino; tanto psalmois como hymnois são masculinos). Se alguém seguir essa teoria dos defensores da salmodia exclusiva, a sintaxe do versículo requereria que os salmos e hinos fossem tipos específicos de “odes espirituais”. Isso é altamente improvável. Estudiosos do Novo Testamento como Hendriksen, Bruce, Calvin e Lenski mantém (com os tradutores das versões da Bíblia KJV, NKJV, NASV, NIV e RSV) que a leitura mais natural do versículo é que “espirituais” modifica somente o substantivo cânticos (odais). A obrigação da prova aqui está com aqueles que adotam a salmodia exclusiva; eles devem mostrar conclusivamente que no uso de Paulo desses três termos ele limita a igreja ao uso do Saltério na adoração formal. Se isso não pode ser realizado, então Efésios 5:19 e Colossenses 3:16 permanecem como refutações da salmodia exclusiva. Eu sugiro que o fardo exegético deles é grande demais para ser suportado. A evidência, na melhor das hipóteses, é “frágil”.

Conclusão

O presente escritor é muitíssimo a favor do cânticos dos salmos metrificados na adoração pública (bem como na privada). A igreja precisa retornar a essa prática, como uma parte do princípio regulador. É um rico privilégio, rendendo bênçãos espirituais, ser capaz de cantar os cânticos inspirados de Sião como encontrados no Saltério. Se desejarmos aprender como cantar – e como orar – bem, precisamos estudar os Salmos. Gordon Clark está correto quando ele diz que “um livro de hino sem uma boa proporção de Salmos não é apropriado para um culto da igreja”. Todavia, parece não haver justificativa bíblica para eliminarmos totalmente o uso dos outros hinos e cânticos, enquanto eles forem teologicamente corretos. Nem é não-confessional agir assim. O testemunho da história da igreja está longe de nos convencer da salmodia exclusiva, e a evidência bíblica de maneira decisiva apóia o uso de “hinos e cânticos espirituais”, tanto inspirados como não, juntamente com o cântico dos Salmos.

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto
Via: Monergismo

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