“E, tirando-os para fora, disse: Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?” (Atos 16:30).
Quando fez a pergunta: ‘Senhores, que é necessário que eu faça para me salvar?’, já havia passado o perigo de o carcereiro romano ser condenado à morte por causa da possível fuga em massa de prisioneiros que estavam ao seu cuidado (Atos 16:28), tanto que foi dissuadido de cometer suicídio (Atos 16:27). Conclui-se que, quando o carcereiro perguntou acerca de como ser salvo, já não tinha em vista o perigo decorrente do não cumprimento da ordem dada pelos magistrados, vez que, nenhum preso ao seu cuidado escapou após o terremoto (Atos 16:23-24).
O termo grego σωτηρια (soteria), comumente traduzido por salvação, livramento, preservação e segurança, podia ser utilizado para se referir à libertação de uma prisão, como se deu com os apóstolos (Atos 5:23) ou, quando o apóstolo Paulo não morreu após ser picado por uma víbora (Atos 28:5).
O uso do termo σωτηρια no Novo Testamento tem o condão de sublinhar a libertação da condenação eterna.
O carcereiro queria ser salvo de quê, se não corria risco de morte, em função do seu dever? A resposta do apóstolo Paulo, direta e objetiva: “E eles disseram: Crê no Senhor Jesus Cristo e serás salvo, tu e a tua casa.”, demonstra que o interesse do carcereiro tinha relação direta com a doutrina que Paulo e Silas estavam anunciando. (Atos 16:31)
A pergunta simples demandou uma resposta direta e objetiva: crê no Senhor Jesus. Entretanto, a despeito do surgimento de inúmeros tratados teológicos ao longo da história da igreja, a pergunta do carcereiro seria posta em ‘xeque’ pelas inúmeras teorias e, talvez, em nossos dias, ele fosse recriminado por algum segmento que se diz cristão.
Tendo por base alguns pressupostos da teologia desenvolvida ao longo dos séculos, as perguntas e asserções que o apóstolo dos gentios teria que apresentar ao carcereiro seriam inúmeras: – ‘Você acha que precisa fazer alguma coisa para ser salvo?’ – ‘Então você quer desempenhar um papel coadjuvante na sua salvação?’ – ‘Não há o que fazer, visto que ou, você é um dos eleitos e predestinados à salvação ou, está predestinado à danação eterna’. – ‘A sua mentalidade ainda não foi iluminada pelo Espirito Santo, tendo em vista que ainda busca mérito em querer se salvar’, etc.
A pergunta do carcereiro possui um elemento essencial à salvação: humilhar-se a si mesmo (Lucas 18:14), negar-se a si mesmo, fazendo-se servo! Com a pergunta: ‘que é necessário que eu faça para me salvar?’, o carcereiro estava se propondo a servir um senhor, na condição de servo.
Essa mesma pergunta feita por um carcereiro romano foi feita a Jesus pelos judeus que comeram pão a fartar:
“Disseram-lhe, pois: Que faremos para executarmos as obras de Deus?” (João 6:28).
A resposta de Jesus é igual a do apóstolo Paulo:
“Jesus respondeu e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que ele enviou.” (João 6:29).
Os judeus e o carcereiro teriam que ‘fazer’ a mesma coisa: “Crê no Senhor Jesus Cristo”, se quisessem ‘fazer’ algo para ser salvos. Nessa proposta, não há diferença entre judeus e romanos, uma vez que Ele se revela rico para com todos os que O invocam. (Atos 16:31),
“Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido. Porquanto, não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de todos, rico para com todos os que o invocam.”(Romanos 10:11-12).
A Bíblia é clara: Só Deus pode salvar! Ao homem é impossível se salvar, mas, para Deus não há impossível.
“E Jesus, olhando para eles, disse-lhes: Aos homens é isso impossível, mas a Deus tudo é possível.”(Mateus 19:26).
Para Deus efetuar a salvação do homem demanda uma nova criação, uma nova geração. Quando disse a Nicodemos que era necessário nascer de novo para ver o reino dos céus, Jesus estava destacando que, para ser salvo, era imprescindível ser criado de novo (João 1:12; 2 Coríntios 5:17; Gálatas 6:15; Efésio 2:10).
“Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade, para que fôssemos como primícias das suas criaturas.” (Tiago 1:18).
O novo homem é criado por Deus em plena comunhão com Ele, ou seja, em verdadeira justiça e santidade.
“E vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade.” (Efésios 4:23).
Como Deus salva o homem? Por intermédio de Cristo (João 3:16-17).
Quando dizemos ‘por intermédio de Cristo’, está implícito que o Verbo eterno teve que se fazer carne, tornando-se semelhante aos homens em tudo. Na condição de homem, mesmo sendo o Filho de Deus, teve que se humilhar a si mesmo, fazendo-se servo do Pai, o que demandou ser obediente em tudo, inclusive, ao se entregar aos pecadores para ser morto e morte de cruz.
“Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de cruz. Por isso, também, Deus o exaltou soberanamente e lhe deu um nome que é sobre todo o nome;” (Filipenses 2:6-9).
Jesus suportou a cruz e desprezou a afronta, de modo que Deus O ressuscitou e O fez assentar à Sua destra, exaltando-O soberanamente e concedeu-lhe um nome acima de todo o nome.
“Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta e assentou-se à destra do trono de Deus.” (Hebreus 12:2).
Por isso é dito pelo apóstolo Pedro:
“E em nenhum outro há salvação, porque, também, debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos.” (Atos 4:12).
O apóstolo Paulo faz referência a Deus como salvador e o modo como Ele salva o homem, através da seguinte narrativa:
“Mas, Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), nos ressuscitou, juntamente, com ele e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus;” (Efésios 2:4-6).
A riqueza da misericórdia de Deus e o seu muito amor com que amou a humanidade se evidenciaram no ato de dar o seu único Filho. O evangelista João, no capítulo 3, verso 16, notifica o que Jesus disse acerca da misericórdia e do amor de Deus.
Demonstrando a graciosidade da salvação, o apóstolo dos gentios destaca que, mesmo ao homem morto nas ofensas, Deus dá vida com Cristo, fazendo ressuscitar (nova criatura), juntamente, com Cristo, concedendo descanso (assentando nos lugares celestiais), o que evidenciará, nos séculos vindouros, as riquezas da graça e a benignidade de Deus, para com os homens em Cristo.
Quando o apóstolo diz que ‘pela graça sois salvos’, ele destaca Aquele que fez o impossível aos homens, através da sua misericórdia e amor: deu o seu único Filho.
Quando o apóstolo diz ‘por meio da fé; e isso não vem de vós, é dom de Deus’, ele sublinha como Deus salva o homem, por intermédio de Cristo, a fé manifesta aos homens.
“Mas, antes que a fé viesse, estávamos guardados debaixo da lei e encerrados para aquela fé que se havia de manifestar.” (Gálatas 3:23).
Quando o apóstolo diz ‘sois salvos por meio da fé’, ele faz uso de uma metonímia, pois o homem é salvo por intermédio de Cristo. Como Cristo é o autor e consumador da fé, o apóstolo Paulo substitui no verso o autor (Cristo), por sua obra (fé). [1]
No contexto, a ‘fé’, que é ‘dom de Deus’, diz de Cristo, a fé que havia de vir e se manifestar (Gálatas 3:23), que, também, se traduz por verdade, fidelidade. Ser salvo não é proveniente dos homens, antes, é dom de Deus; igualmente, a salvação não vem de obras (da lei), o que exclui a jactância.
Como recebemos a salvação? Na Antiga Aliança Deus se propôs demonstrar misericórdia aos que O obedecessem (Deuteronômio 5:10), e na Nova Aliança Ele propôs salvar os crentes, os que obedecem ao evangelho, ou seja, a ‘loucura da pregação’.
“Visto, como na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus pela sua sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” (1 Coríntios 1:21).
O homem é salvo por Cristo, em outras palavras, mediante a ‘fé’. Como a ‘fé’ tem por tema o Cristo, deve ser anunciada e defendida (Romanos 1:8; Gálatas 3:2; Judas 1:3; Filipenses 1:27). Para alguém ser salvo, primeiro precisa ouvir o evangelho – a Boa Nova acerca da morte e ressurreição de Cristo (Efésios 1:13) – que, também, é nomeado: ‘loucura da pregação’, ‘poder de Deus’, ‘sabedoria de Deus’, ‘palavra da cruz’, etc..
Primeiro é anunciada a ‘fé’, a mensagem cujo personagem central é Cristo, e, então, o homem precisa acreditar na mensagem anunciada (Romanos 1:16). Crer, acreditar, confiar, é o mesmo que descansar, invocar (Romanos 10:9-10 e 13).
Crer é consequência de uma mudança de mentalidade (arrependimento), acerca de como ser salvo. A mudança de mentalidade só ocorre após o indivíduo ouvir a mensagem da ‘fé’, ou seja, a fé vem primeiro que o arrependimento. Primeiro foi dado o dom de Deus, Cristo, a fé (πίστις) manifesta, e só então ocorre o crer (πιστεύω), o invocar, pois, o crer depende da fé.
Após responder ao carcereiro, que bastava crer no Senhor Jesus para ser salvo, o apóstolo Paulo pregou a palavra do Senhor, ou seja, fez a pregação da fé, pois, sem a pregação da fé não havia como o carcereiro crer que Jesus é o Cristo. Pregar a fé não consiste somente em dizer: ‘Jesus te ama’, ‘Jesus tem uma bênção para você’, ‘Jesus vai mudar a sua história’, etc. Anunciar a ‘fé’ consiste em anunciar que Jesus de Nazaré é o Cristo, o Filho de Davi, que segundo o previsto nas Escrituras foi preso, crucificado, morto e sepultado, mas, que ao terceiro dia, ressurgiu e está à destra da Majestade, nas alturas.
A mensagem resumida acima é a fé que proporcionará mudança de concepção (metanoia) em quem a ouve, de modo que o homem possa crer em Cristo, como diz as Escrituras.
Salvação em Cristo é libertação da condição herdada de Adão, através da morte e sepultamento com Cristo, vez que Deus cria uma nova criatura, segundo a natureza divina (2 Pedro 1:4).
A salvação depende de Deus, única e exclusivamente, pois em Cristo é feita a provisão de salvação e a garantia de salvação está na imutabilidade, no poder e na fidelidade de Deus.
Mas, para Deus aliar o atributo ‘justo’ como a função de ‘justificador’, providenciou salvação em Cristo. Em Cristo há poder para salvação, mas, só a alcançam, aqueles que O invocam, crendo n’Ele como o enviado de Deus. (Romanos 3:26)
Para Deus ser justo, a pena imposta aos homens, decorrente da transgressão de Adão, não podia ser perdoada ou, anistiada. Como Cristo morreu em obediência ao Pai e foi premiado com a ressurreição, dentre os mortos (Hebreus 12:2), todos que se tornam participantes da carne e do sangue de Cristo (João 6:54-56), ou seja, que creem n’Ele, obedeceram ao mandamento de Deus (1 João 3:23) e, por isso, morrem com Cristo (2 Coríntios 5:14) e Deus lhes concede, segundo a sua graça, uma nova vida, ressurgindo-os com Cristo (Colossenses 3:1).
Quando o homem passa a estar em Cristo Jesus (Romanos 8:1) ou, seja, quando é uma nova criatura (2 Coríntios 5:17), é livre de toda condenação, salvo da ira de Deus que pesa sobre a humanidade (Romanos 5:9, Romanos 6:23).
Salvação bíblica se refere à libertação da consequência da ofensa de Adão: morte, portanto, através da morte com Cristo o homem é justificado do pecado (Romanos 6:7) e através do novo nascimento o homem recebe a declaração de Deus de que é justo, santo e inculpável, livre de toda condenação (Romanos 8:1).
“Pois, se nós, que procuramos ser justificados em Cristo, nós mesmos também somos achados pecadores, é porventura Cristo ministro do pecado? De maneira nenhuma.” (Gálatas 2:17).
Correção ortográfica: Pr. Carlos Gasparotto
[1] “A metonímia consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos relação de sentido ou estreita afinidade. Observe os exemplos abaixo: 1 – Autor pela obra: Gosto de ler Machado de Assis. (= Gosto de ler a obra literária de Machado de Assis.) 2 – Inventor pelo invento: Édson ilumina o mundo.”
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