terça-feira, 25 de setembro de 2012


Uma moeda para Caronte

Por Adeildo Nasciento Filho
O valor atribuído aos serviços prestados não é uma coisa nem um pouco nova, não é de hoje que o tempo a disposição e a serviço dos outros tem sua etiqueta e em alguns casos sua tabela de preços.
Na mitologia grega até mesmo depois da morte essa regra valia. Segundo consta, um bom e velho enterro só estaria completo se o corpo fosse baixado ao túmulo com uma moeda debaixo da língua (ou duas nos olhos). O ritual dizia respeito à Caronte, o barqueiro responsável por fazer a travessia das almas através do Rio Estige, que separava o mundo dos vivos do dos mortos. A moeda serviria para o pagamento da travessia e aqueles que não tivessem fundos nessa hora tão crítica ficariam 100 anos vagando pelo limbo. Além disso, essas pobres almas penadas – ou almas penadas pobres – se encarregariam de assombrar e assustar os vivos nas infinitas horas vagas desses 100 anos… aqui entre nós, deveriam assombrar mesmo os “camaradas” que não tiveram a mínima consideração de emprestar a última mísera moedinha aos amigos mortos.
O certo é que o conceito de fazer alguma coisa de graça nunca teve um apelo forte na história da humanidade e pelo que dizem de Caronte não adiantava implorar para pendurar a dívida ou então parcelar a travessia no cartão de crédito.
Talvez daí, desde muito tempo atrás, podemos entender o forte apelo pela compra. Impossível ganhar alguma coisa de graça, afinal de contas tudo tem um preço. E não apenas preço, mas um valor que gere lucro, só assim o processo fecha e todo mundo fica feliz. Seja do outro lado do rio, seja ficando rico de tanto transportar almas.
Alguns procuram acertar as contas por aqui mesmo imaginando ser essa a moeda certa para o “depois”, algo do tipo poupança programada ou aposentadoria garantida. Outros acreditam que estão pagando hoje a falta de recursos da vida passada ou então colhendo os lucros de pagamentos anteriores. Tudo num ciclo de serviços e pagamentos. Partidas dobradas de débito e crédito.
O problema, como sempre, fica para os pobres que não tem moedas para o “depois” e na cabeça de muitos, ainda pagam hoje as dívidas de ontem num destino de desgraça em cima de desgraça. Eles (os pobres) são sempre relegados a periferia (ou a um único lado do rio) sem direito a maiores travessias. A falta da moeda os persegue em vida e morte.
Seguindo o coletivo vigente, desde sempre, seria então normal chamar de louco alguém que apareça oferecendo algo tão nobre de graça. Como é possível que redenção e salvação sejam oferecidas de graça? Como pode alguém disponibilizar coisas tão caras aos pobres. Coisas antes reservadas apenas aos detentores da moeda.
Um “louco” que pode acabar com o negócio tão lucrativo dos Carontes da mitologia grega e da sociedade atual.
Um “louco” que substituiu as minhas míseras moedas reservadas para o fim por gotas de sangue que servem como passaporte e bilhete universal para a vida, morte e eternidade.
Os Carontes que achem outra ocupação. No que depender de mim seu negócio já faliu.

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