sexta-feira, 28 de setembro de 2012


Muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros - Álvaro César Pestana


No mundo é costume dizer que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres; os primeiros serão sempre os pri­meiros e os últimos continuarão sendo sempre os últimos. Jesus foi aquele que mudou esta idéia em teoria e prática, no sonho e na reali­dade. Jesus afirmou: “Muitos primeiros serão últimos; e os últimos, primeiros.” Jesus propõe uma inversão completa da realidade. Às coisas, no final, não serão como parecem ser na atualidade; o futuro reserva grandes surpresas.

Promessa, advertência e ameaça

Este provérbio de Jesus, assim como muitos outros provérbios bíbli­cos e populares, é constituído por um par de sentenças que se contra­põem, ou seja. temos aqui um caso de paralelismo antitético onde uma linha do provérbio tem uma idéia contrária à afirmação do outro. O assim chamado paralelismo antitético era uma das formas prediletas de Jesus se expressar. Quando usava esta linguagem, geralmente que­ria dar ênfase à segunda parte do provérbio.
Jesus usou o provérbio sobre os primeiros e os últimos nas seguintes formas: "Muitos primeiros serão últimos; e os últimos. primeiros" em Marcos 10.31 e Mateus 19.30; "Os últimos serão os primeiros: e os primeiros serão últimos" em Mateus 20.16 e Lucas 13.30. Sabendo que a ênfase está na segunda parte do provérbio, e também levando em conta os contextos de cada versículo, chegaremos à seguinte conclusão: estes provérbios contémpromessa, advertência e ameaça.

Uma promessa maravilhosa

Um moço rico, influente e religioso deveria ser um verdadeiro símbo­lo de sucesso. Mas, quando este moço virou as costas a Jesus, trans­formou-se num verdadeiro fracasso. Era "mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no reino de Deus." É a formulação de uma impossibilidade (Marcos 10.17-25).
Diante de tal afirmação os discípulos reagiram bruscamente. De acordo com os conceitos do judaísmo, prosperidade e riqueza eram sinais da aprovação divina; ser rico equivalia a ser salvo. Os discípu­los questionavam: "Se este homem rico (abençoado) não está salvo. quem estará?" Jesus não se ocupou em negar este conceito, mas mos­trou que a salvação é dom de Deus, e portanto, impossível aos homens (Marcos 10.26-27).
Foi então que Pedro lembrou-se de que os doze abandonaram tudo para seguir Jesus: que seria deles? A resposta do Mestre foi: "Vocês vão receber muito mais agora e no porvir. Certamente haverá perseguição, mas sua escolha foi a melhor" (Marcos 10.28-30).
O ponto alto deste ensino foi apresentado com o provérbio: "Muitos primeiros serão últimos e os últimos, primeiros." O moço rico que rejeitou Jesus era contado entre os primeiros perante a sociedade judaica daqueles dias; ele seria um dos últimos no juízo final, pois rejeitou a salvação. Por outro lado os discípulos de Jesus, pescadores iletrados e gente da "ralé", que eram considerados os últimos perante o mundo, estes sim, é que seriam os primeiros perante o Deus Altíssimo (Marcos 10.31). Que bela promessa!
Há inúmeros exemplos bíblicos desta forma de Deus agir para com os homens. Raabe, uma prostituta, a última pessoa em dignidade na cidade de Jerico, por causa de sua fé atuante, tornou-se não somen­te a única a ser salva, com sua família (Josué 2.1; 6.22-25), mas também acabou se tornando a tataravó do rei Davi e uma das ascen­dentes do próprio Jesus Cristo (Mateus 1.5-6)! Pela fé, a última tor­nou-se a primeira. Gideão, o último dos últimos veio a ser o primeiro em seu tempo, em sua submissão à ação divina (Juizes 6.15). O caso do próprio Davi também ilustra esta norma divina, Ele era o último filho de Jessé, e provavelmente menos vistoso que seu irmão mais velho, Eliabe, mas foi ele o escolhido para ser o primeiro, não só em sua família, mas em todo Israel (1 Samuel 16.1-13).

UMA ADVERTÊNCIA CONTRA A MESQUINHEZ

Quando Mateus registrou o mesmo evento, adicionou detalhes omiti­dos por Marcos. As principais adições são: a promessa dos tronos de glória (Mateus 19.28) e a parábola dos trabalhadores da vinha (Mateus 20.1-16). Por causa destas adições, vamos notar que em Mateus o pro­vérbio citado tem conotação de advertência. A parábola dos trabalhado­res da vinha é a que mais contribui para esta entonação do provérbio. A parábola dos trabalhadores da vinha é iniciada (Mateus 19.30) e concluída (Mateus 20.16) com esta declaração proverbial de Jesus. Este recurso de iniciar e terminar um ensino com uma mesma frase chama-se "inclusão". Assim, uma mesma frase inicia e termina um assunto fazendo uma espécie de "sanduíche":
PROVÉRBIO
PARÁBOLA
PROVÉRBIO
A forma dos provérbios varia um pouco no princípio e no fim da parábola, preservando uma estrutura do tipo ABBA, onde no centro temos os últimos tornando-se os primeiros e no início e no fim a idéia dos primeiros tornando-se os últimos:
A  "Muitos primeiros serão últimos;
B  e os últimos, primeiros." (Mateus 19.30)
B  “Os Últimos serão os primeiros:
A  e os primeiros serão últimos.” (Mateus 20.16)
Este modo artístico de construir o texto e deixar todos os temas ligados entre si faz com que possamos apreciar a parábola dos lavra­dores da vinha em ligação com o discurso de Jesus para seus discípu­los dando resposta às indagações de Pedro.
A moderna divisão de capítulos e versículos ocasionalmente dá a impressão de que a parábola dos trabalhadores da vinha nada tem a ver com o assunto iniciado na conversa com o jovem rico. Este é um engano comum. Na verdade, a parábola dos trabalhadores da vinha faz parte da resposta que Jesus deu a Pedro (aos doze) sobre o que eles receberiam por terem deixado tudo para segui-lo como Mestre.
Jesus provavelmente percebeu em Pedro uma atitude mercenária e interesseira. Pedro estaria cobrando de Jesus pelos sacrifícios a fa­vor do reino. A parábola dos trabalhadores é remédio contra corações mercenários. Fala de um fazendeiro que contratou um grupo de ho­mens para colher suas uvas, prometendo uma moeda por dia de traba­lho. Mais tarde, naquele mesmo dia, contratou outros homens, mas em horários tais em que eles não conseguiriam dar o mesmo número de horas de trabalho que os primeiros. No fim do dia pagou a mesma quantia para todos (uma moeda). Os que tinham trabalhado às doze horas reclamaram do dono dizendo: “Não é justo que eles recebam o mesmo que nós.” Eles queriam mais. Quando o fazendeiro soube da crítica, respondeu a um dos queixosos: “Fique contente por receber o que é justo! Foi o que combinamos. Quanto aos outros, com os quais estou sendo bondoso, deixe-os em paz, pois minha bondade para com eles não deve gerar rancor ou inveja em você.” A atitude interesseira daqueles trabalhadores não os deixava apreciar a bondade do fazen­deiro. Eram mercenários, pois só pensavam em ganhar o máximo pos­sível com o que faziam.
Assim também Pedro é advertido a não ficar cobrando de Deus pelos sacrifícios feitos, pois em última instância, é a bondade de Deus que transforma os últimos em primeiros, e é o espírito mesquinho que faz com que muitos se sintam os últimos. No fim das contas, Deus é quem salva pela sua bondade; não há razão para cobrança.
A compreensão correta desta parábola não precisa levar em con­ta a expressão entre colchetes no verso 16. O provérbio “porque mui­tos são chamados mas poucos escolhidos” não pertence a este discurso, mas foi adicionado neste ponto copiado de Mateus 22.14.

Uma ameaça aos descuidados

Lucas registra outro uso deste aforismo. No caminho para Jerusalém, Jesus é questionado sobre o número dos salvos. Ele não responde diretamente a questão, mas passa a incentivar todos para que se inclu­am no número dos salvos. A resposta não é quantitativa, mas qualita­tiva. No fim ele anuncia, profeticamente, que muitos dos que deviam ser salvos (os primeiros) acabariam sendo os perdidos (os últimos); ou seja, muitos judeus que deveriam aceitar o Cristo e ser redimidos, não iriam fazê-lo, e se perderiam. Por outro lado, muitos dos gentios (os últimos) seriam salvos (os primeiros). Assim, a afirmação de Je­sus neste contexto é uma ameaça para os judeus e para os discípulos. “Há últimos que virão a ser primeiros, e primeiros que serão últi­mo” (Lucas 13.22-30). A ênfase fica sobre a ameaça final: ''...pri­meiros sendo últimos"!
Saul, o primeiro rei de Israel é um triste caso de um dos primeiros tornando-se último. Aquela disposição inicial de fazer a vontade de Deus, uma vez rejeitada, fez com que sua vida e seu fim se tornassem miserá­veis. 0 próprio rei Salomão, que foi o primeiro em grandeza na sua época, ao fim da vida, velho, tornou-se infiel ao Senhor. Este provérbio deve nos ensinar que o descuido e o desleixo espirituais levam à ruína.

APLICAÇÃO

Observemos ao menos três aplicações deste provérbio de Jesus:
1. Acontecerá uma inversão. Não confie na aparência deste mundo. Confie em Deus. O sucesso verdadeiro vem dele. O dia do juízo final será um dia de grandes surpresas. Negue a si mesmo e aos impulsos mundanos: siga Jesus. As bem-aventuranças e os ais de Lucas 6.20-26 exemplificam muito bem esta inversão de que Jesus fala neste aforismo. Como é que os pobres, os famintos, os que choram e os odiados po­dem ser considerados felizes? A resposta está no fato que eles serão herdeiros do reino de Deus, serão fartos, virão a rir e receberão o mesmo galardão dos homens de Deus dos tempos antigos. Os últimos tornar-se-ão os primeiros. Que perigo há na riqueza, fartura, riso e louvor popular? O fato é que ter estas coisas dá ao indivíduo um falso sentido de consolação e segurança que o afasta de Jesus. Então, no porvir, os ricos ficarão sem consolo, famintos, chorando e terão o destino dos falsos profetas. Os primeiros deste mundo serão os últimos. Esta inversão já estava acontecendo no tempo de Jesus. Os religiosos, que teoricamente estavam mais preparados para submeter-se ao plano de Deus (os primeiros), estavam rejei­tando esse plano; mas os pecadores, os publicanos desonestos e as prostitutas (os últimos) estavam se arrependendo e se convertendo a Cristo — estavam se tornando os primeiros na salvação e no reino (Mateus 21.28-32). Mesmo sendo os últi­mos, podemos ser os primeiros, pela graça de Deus.
2. Não sejamos mercenários em busca de recompensa, indo para o último lugar só para poder cobrar um lugar como o primeiro (Lucas 14.11-14). Cristo adverte contra a "soberba de ser humilde". Somente Deus é bom e a nossa salvação sem­pre será pela sua graça. Não se pode confiar em si mesmo e nem em uma aparente situação de honra: afinal, Judas era um dos doze apóstolos e Saulo não. Só podemos confiar em Deus e na graça dele.
3. Privilégio gera responsabilidade. Oportunidades de primei­ra exigem uma resposta obediente. Caso contrário, a bênção torna-se castigo e o primeiro torna-se último. A parábola so­bre o demônio expulso que retorna ao "lar" com sete outros demônios (Mateus 12.43-45) ilustra o perigo de não aprovei­tarmos a oportunidade do evangelho (Mateus 12.38-42). Os que deviam ser os primeiros salvos, tornam-se os últimos, pessoas perdidas. A parábola do rico e Lázaro é uma ilustra­ção deste princípio (Lucas 16.19-31). O rico, o primeiro neste mundo, tornou-se o último no além. Lázaro, que era o último nesta vida, recebeu a bênção no porvir. Esta inversão não ocor­reu em decorrência de suas condições sócio-econômicas, mas conforme se observa no fim da parábola: ocorreu devido à obediência (Lázaro) ou desobediência (rico) às Escrituras.

Fonte: Provérbios de Jesus - Álvaro César Pestana

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