sexta-feira, 24 de maio de 2013

A Teologia do apostolo Paulo - Herman Ridderbos


Enfim, comecei a leitura de uma das maiores obras reformadas e eruditas sobre o pensamento do apóstolo aos gentios. Estou me referindo ao livro A Teologia do Apóstolo Paulo, de Herman Ridderbos, ex-catedrático de Novo Testamento da Universidade Teológica das Igrejas Reformadas da Holanda (de 1943 a 1978). O livro foi lançado em português pela Editora Cultura Cristã em 2004, tendo sido traduzido direto do holandês por Susana Klassen. Visto que o assunto naturalmente desperta certo interesse e a maioria dos interessados desconhece livros que tratem do assunto à luz da fé cristã histórica, aqui vai um resumo do capítulo 1, no qual Ridderbos vai tratar sobre as Principais linhas na História da interpretação paulina.
Antes de tratar sobre tais vertentes, contudo, Ridderbos faz uma breve introdução, na qual situa o leitor na busca centenária dos teólogos por aquilo que ficou conhecido como o mitte(do alemão, “cerne”; “centro”) do pensamento do apóstolo aos gentios; ou, usando a própria metáfora do autor, “onde se encontra a entrada do imponente edifício da teologia de Paulo” (p. 11).
Ridderbos começa abordando a posição clássica da Reforma quanto ao mitte do pensamento de Paulo, a saber, a doutrina da justificação pela fé, que foi inferida basicamente da leitura que os reformadores (especialmente Lutero) fizeram da carta de Paulo aos Gálatas e aos Romanos. Mas apesar de citar tal doutrina às expensas dos seus dois principais advogados, Lutero e Calvino, a principal intenção de Ridderbos é mostrar como essa perspectiva clássica foi perdendo a sua força. Para o autor, a grande virada aconteceu por conta da infuência do pietismo, do misticismo e do moralismo, que moveram a ênfase reformada do grande “acontecimento redentor que aconteceu na morte e ressurreição de Cristo” para o “processo individual de apropriação da salvação concedida em Cristo e seu efeito místico e moral na vida dos crentes” (p. 12). E isto, certamente, veio a interferir no entendimento das espístolas paulinas, removendo o seu mitte “dos aspectos judiciais para os aspectos pneumáticos e éticos de sua [de Paulo] pregação” (p. 12).
Para o autor, mesmo tendo essa mudança iniciado o método histórico-crítico de exegese (via Iluminismo), ela teve sua importância na medida em que contribuiu para uma melhor distinção e compreensão dos grandes temas teológicos da pregação de Paulo dentro da sua importância original e histórica, mas por outro lado, se mostrou “vergonhosa” por deixar evidente o quanto tais métodos de investigação são determinados pelas premissas religiosas e filosóficas de cada época. Dessa “vergonha”, temos, segundo Ridderbos, o “Paulo hegeliano” da escola de Tübingen; o “Paulo liberal” da teologia liberal; o “Paulo místico” da escola da história das religiões; e o “Paulo existencialista”, propalado por Rudolf Bultmann.
Sua crítica à escola de Tübingen, fundada por F. C. Baur (falecido em 1860), se dá pelo fato de este ter procurado interpretar o Cristianismo a partir dos princípios filosóficos de Hegel (1770–1831), no qual se baseou para buscar o mitte do pensamento de Paulo “não na cristologia, mas na concepção paulina do Espírito e no tema da antítese Espírito [infinito e absoluto] e carne [finita] ligado a essa concepção”. Assim sendo, o próprio Paulo deixa de enxergar a importância de uma argumentação histórica para a sua própria doutrina, uma vez que o próprio Cristo vive nele, comunicando-lhe suas verdades diretamente em sua consciência. Ridderbos observa que “essa ideia de pneuma, no entanto, não é paulina”, visto que Baur precisou mutilar o corpus Paulinum (o conjunto das treze cartas canônicas de Paulo) para que seu esquema desse certo.
Na esteira da escola de Tübingen, a escola liberal também tomou como seu ponto de partida a perspectiva de Paulo sobre o Espírito, só que nos termos da antropologia grega. Seus representantes entenderam que o aspecto jurídico-legal do Cristianismo – incluindo aí a doutrina reformada da justificação pela fé – era, na realidade, originário do judaísmo, ao passo que o aspecto ético-místico encontrava suas origens no pensamento greco-helenista. Em outras palavras, isso significa que quando Paulo escreve que os crentes estão “em Cristo” ou “com Cristo”, “essa comunhão é vista como um misticismo voltado para a ética, não como uma inclusão objetiva de crentes em Cristo” (p. 16). Como observa Ridderbos, “tudo é dirigido a um esforço de se reduzir a teologia e a religião de Paulo a uma religiosidade ética-racional geral que não depende de fatos redentores” (p. 18), o que acaba criando, invevitavelmente, uma separação entre Jesus e Paulo, transformando este último numa espécie de tradutor dos conceitos da cultura semítica para a cultura grega. Para Ridderbos, essas ideias nos remetem ao auge do liberalismo, que encontra em J. H. Holtzmann o seu maior expoente.
Mas essas ideias não perduraram por muito tempo, segundo Ridderbos, visto que as investigações que se seguiram por outros teólogos liberais mostravam a impossibilidade de o esquema “espiritualizante” de Holtzmann manter-se de pé. Gunkel devolve à cultura judaica o conceito paulino de pneuma; e Wrede reafirma a história da redenção como sendo a espinha dorsal do Cristianismo. Mas nada disso deve nos animar quanto a esse tipo de liberalismo que se seguiu, visto que, como aponta Ridderbos, Jesus de Nazaré ainda continua sendo visto “apenas como uma figura humana, independentemente dos elevados patamares espirituais que tenha alcançado” (p. 20).
Ridderbos também faz uma crítica à abordagem da história das religiões, que prega que Paulo se apropriou das ideias e dos fenômenos religiosos do helenismo de sua época (bem como daquele sincretismo vigente) para formar seu pensamento teológico. Seguno tal escola, Paulo tomou emprestado dos chamados “mitos cultuais” (como o de Ísis e Osíris e o mitraísmo, por exemplo.) suas concepções relativas aos atos sacramentais, bem como à expiação e ressurreição de Cristo. Assim sendo, tal escola entendia Paulo como “o maior dos gnósticos”, graças ao estudioso clássico literário R. Reintzenstein (p. 25). Bultmann também é enquadrado aqui nessa escola por conta de sua proposta “existencialista”, segundo Ridderbos (p. 30-31).
Ao avaliar a intepretação escatológica de Schweitzer, Ridderbos reconhece algum valor na mesma, visto que, apesar de este também mutilar o corpus paulinum, pelo menos coloca toda a sua ênfase no caráter histórico-redentor da salvação pregada por Paulo.
Avaliando todas as perspectivas a que se propõe, Ridderbos prefere a interpretação escatológica, (não nos termos do Schweitzer!) pois, segundo ele, ela faz mais jus àquilo que ele sugere como sendo o mitte da pregação de Paulo: a proclamação e explicação do tempo escatológico da salvação que teve início com o advento, a morte e a ressurreição de Cristo – perspectiva que ele aprofundará no segundo capítulo. É ler para ver!
Soli Deo Gloria!

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