sexta-feira, 10 de maio de 2013

DISTORCENDO MATEUS 18 - por D.A. Carson



      Anos atrás, escrevi uma crítica bastante moderada ao movimento da igreja emergente como então existia, antes de se transformar em suas atuais configurações diversas. Esse pequeno livro me rendeu alguns dos mais furiosos e amargurados e-mails que eu já recebi – sem falar, claro, das postagens nos blogs. Houve outras respostas, claro – algumas de aprovação e gratidão, outros reflexivos, querendo dialogar. 


Mas os que mostraram a maior intensidade foram aqueles cuja indignação era tamanha por eu não ter primeiro abordado em particular aqueles cujas opiniões eu critiquei no livro. Que hipócrita eu era – criticando meus irmãos com fundamentos bíblicos ostensivos quando eu não estava seguindo o mandamento bíblico de observar um determinado procedimento muito bem definido em Mateus 18.15-17.

       Sem dúvida esse tipo de acusação está se tornando mais comum. Está normalmente ligado ao “Peguei você!”, mentalidade que muitos blogueiros e seus leitores parecem alimentar. Pessoa A escreve um livro criticando algum elemento ou outro do confessionalismo histórico Cristão. Alguns blogueiros respondem com mais calor do que luz. Pessoa B escreve um blog com algum conteúdo, em resposta à pessoa A. A blogosfera se acende com ataques à pessoa B, muitos deles perguntando à pessoa B de forma bastante acusadora: “Você conversou com a pessoa A, em particular, primeiro? Se não, você não é culpado por violar o que Jesus nos ensinou em Mateus 18?” Esse padrão de contra ataque, com algumas variações, está prosperando.

       A esse respeito, pelo menos três coisas devem ser ditas:

      (1) O pecado descrito no contexto de Mateus 18.15-17 ocorre em pequena escala daquilo que transparece uma igreja local (sem duvida é o que se presume nas palavras “comunique à igreja”). Não está falando de uma publicação de ampla divulgação designada a afastar um grande número de pessoas de muitas partes do mundo do confessionalismo histórico. Esse último tipo de pecado é bem público e já está trazendo danos; precisa ser confrontado e seus danos desfeitos de maneira igualmente pública. Isso é bem diferente, digamos, de quando um crente descobre que um irmão esteve quebrando seus votos matrimoniais por dormir com uma pessoa que não é sua esposa, e vai a ele em privado, depois junto de outra pessoa, na esperança de provocar genuíno arrependimento e contrição, e só então trazer o caso à igreja.

Colocando de outra forma, a impressão que deriva da leitura de Mateus 18 é que o pecado em questão não é, em primeiro lugar, publicamente notado (diferente da publicação de um tolo, mas influente, livro). É relativamente privado, observado por um ou dois crentes, mas sério o suficiente para chamar a atenção da igreja se o ofensor se recusar a parar. Por outro lado, quando os escritores do Novo Testamento têm ter que lidar com falso ensinamento, outra ideia chama atenção: o ancião piedoso “apegue-se firmemente à mensagem fiel, da maneira como foi ensinada, para que seja capaz de encorajar outros pela sã doutrina e de refutar os que se opõem a ela”. (Tito 1.9)

      Sem dúvida, pode-se imaginar algumas situações contemporâneas que inicialmente podem fazer alguém coçar a cabeça e pensar qual seria o rumo mais sensato – ou, para enquadrar o problema no contexto das passagens bíblicas citadas acima, se deve ser respondida à luz de Mateus 18 ou de Tito 1. Por exemplo, um pastor da igreja local pode ouvir que um professor em seu seminário denominacional ou faculdade teológica está ensinando algo que ele julga estar fora da confissão dessa denominação e possivelmente claras heresias. Deixe-nos tornar a situação mais desafiadora postulando que o pastor tem um punhado de jovens em sua igreja que freqüentam esse seminário e estão sendo influenciados por esse professor em questão. O pastor está de acordo com Mateus 18 ao falar com o professor antes de contestá-lo em público?

      Essa situação é complicada no que o suposto falso ensinamento é publico em um sentido e privado em outro. É público no sentido de que não é meramente opinião privada, por estar certamente sendo promulgada; é privado no sentido de que o material não é publicado na arena pública, mas está sendo disseminado em uma sala de aula fechada. Parece-me que o pastor seria sensato em ir ao professor primeiro, mas não em obediência a Mateus 18, pois realmente não há relação, mas para determinar exatamente quais são realmente as visões do professor. Ele pode chegar à conclusão, afinal, que o professor é um judaizante; outra alternativa é que o professor foi mal interpretado (e qualquer professor com integridade vai querer tomar as dores de não ser mal interpretado no futuro da mesma maneira); ou ainda, que o professor é dissimulado. Ele pode sentir que tem que ir ao superior direto do professor ou alguém de maior autoridade. Meu argumento, no entanto, é que esse percurso de ação não está realmente traçando as instruções de Mateus 18. O pastor está indo ao professor, em primeira instância, não para reprová-lo, mas descobrir se há realmente um problema quando o ensino cai nessa categoria ambígua de não tão privado e não tão público.

      (2) Em Mateus 18, o pecado em questão é, pela autoridade da igreja, passível de exclusão – em pelo menos dois sentidos.

      Primeiro, a ofensa pode ser tão séria que a única decisão responsável que a igreja pode tomar é excluir o ofensor da igreja e vê-lo como uma pessoa não convertida (18.17). Em outras palavras, a ofensa é motivo de exclusão por causa de sua gravidade. No Novo Testamento como um todo, há três categorias de pecados que alcançam esse nível de gravidade: grande erro doutrinário (1 Tim 1.20), grande falha moral (1 Co 5) e discórdia divisiva e persistente (Tito 3.10). Esses constituem o lado negativo dos três “testes” positivos de 1 João: o teste da verdade, o teste da obediência e o teste do amor. Em todo caso, embora não saibamos qual seja, a ofensa em Mateus 18 é passível de exclusão por causa de sua gravidade.

       Em segundo lugar, a situação é tal que o ofensor pode efetivamente ser excluído da assembléia. Em outras palavras, a ofensa é passível de exclusão porque, organizacionalmente, é possível excluir o ofensor. Veja bem, suponha que alguém, digamos, na Filadélfia, estivesse afirmando ser um cristão devoto enquanto escrevia um livro que era, em certos aspectos, profundamente anticristão. Imagine que uma igreja em, digamos, Toronto, Canadá, decidiu que o livro é herege. Tal igreja pode, suponho eu, declarar o livro como equivocado ou herético, mas eles certamente não poderiam excluir o escritor. Sem dúvida, eles poderiam declarar o ofensor persona non grata em sua própria assembléia, mas isso seria um gesto fútil e provavelmente sem proveito. Afinal, o ofensor pode ser perfeitamente aceitável em sua própria assembléia. Em outras palavras, esse tipo de ofensa pode levar à exclusão no primeiro sentido – por exemplo, o falso ensinamento pode ser julgado tão grave que o ofensor merece ser excluído – mas não é passivel de exclusão no segundo sentido, por ser a realidade organizacional de tal forma que exclusão não é praticável. Um ponto a observar é que, seja qual for, a ofensa em Mateus 18 é passível de exclusão em ambos sentidos: o pecado tem que ser grave o suficiente para justificar a exclusão, e a situação organizacional deve ser de tal forma que a igreja local pode ter uma ação decisiva que realmente exprima alguma coisa. Onde o primeiro e o segundo sentidos não se aplicam, não se aplica Mateus 18.

Pode-se, claro, argumentar que é sabedoria prudente escrever aos autores antes que você os critique em sua própria publicação. Posso pensar em situações em que pode ser uma boa ideia ou não. Mas tais tipos de raciocínio não fazem parte do argumento de Mateus 18.

       (3) Há um aroma de justiça encenada, de indignação desproporcional, por trás dos atuais jogos de “peguei você!”. Se a pessoa B acusa a pessoa A de ter escrito um livro a favor de um entendimento revisionista da Bíblia, com erro grave e possivelmente com heresia, não é sábio fazer “tsc tsc” para a mente tacanha da pessoa B e sorrir com condescendência e desdém por tal julgamento. Isso pode funcionar bem entre aqueles que acham que a maior virtude no mundo é a tolerância, mas com certeza não pode ser o caminho mais honroso para o cristão. Heresia genuína é uma coisa execrável, uma coisa horrível. Desonra Deus e leva as pessoas a se perderem. Deturpa o evangelho e seduz as pessoas a acreditarem em coisas falsas e agir de maneiras repreensíveis. Claro, a Pessoa B pode estar totalmente enganada. Talvez a acusação que a Pessoa B está fazendo seja inteiramente equivocada, ou mesmo perversa. Nesse caso, deve-se revelar o fato, não esconder atrás de uma questão processual. O ataque da Pessoa B na séria argumentação bíblica deve ser analisado, não dispensado em um procedimento ilusório e um apelo errôneo a Mateus 18.


 
Traduzido por Carla Ventura | iPródigo.com


Extraído de: http://www.materiasdeteologia.com

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