sexta-feira, 10 de maio de 2013

Aquele que nos ama



Por Pr. Silas Figueira 


“Àquele que nos ama...” (Ap 1.5b)

Nos dias de João, no mundo greco-romano, o homem comum não era devidamente considerado. Os milhares de escravos em Roma não passavam de máquinas sem alma. As mulheres e as crianças também não tinham nenhum valor. As mulheres romanas, por exemplo, casavam-se para serem repudiadas, e divorciavam-se para casar-se de novo. Algumas distinguiam entre os anos, não pelos nomes de cônsules, mas pelos nomes dos seus maridos.

Na Grécia os homens casavam somente com o fim de produzir filhos de modo legítimo e de ter uma guardiã fidedigna dos lares, pois fora de casa os homens tinham amantes para seu prazer e concubinas para as necessidades diárias do corpo, segundo escreveu Demóstenes, analisando a vida familiar da sua época.

No mundo greco-romano, as crianças gozavam, em geral, de pequeníssima estima. É claro que a procriação se fazia necessário para assegurar a continuidade das famílias e nações. Em especial filhos homens saudáveis eram valorizados como futuros trabalhadores e soldados. Mas as crianças em si não tinham valor nenhum, raras vezes alguém atentava para a sua personalidade. Os romanos simplesmente numeravam suas filhas e também seus filhos homens a partir do terceiro ou quinto não recebiam nome.                           

A manifestação clara deste status baixo conferido as crianças era o costume de enjeitar recém-nascidos. As crianças eram descartáveis no sentido literal da palavra. Uma carta de um trabalhador migrante de nome Hilarion, do ano 1 a.C para sua esposa Alis, que estava grávida e tinha ficado em casa, expressa este menosprezo de maneira brutal: “saiba que ainda estamos em Alexandria... Rogo e imploro que cuide bem do pequeno, e tão logo recebamos nosso pagamento, mandarei dinheiro para você. Se deres à luz a um menino, deixe-o viver; mas se for menina, enjeite-a...”                       

Enjeitar crianças, principalmente meninas, crianças aleijadas ou doentes era prática comum. 

O historiador Plutarco descreveu por volta do ano 100 a.C o que acontecia em Esparta quando nascia uma criança. Não era o pai quem decidia criar ou não o filho, mas levava-o a um local chamado de Lesque, onde os anciãos das tribos examinavam a criança oficialmente. Caso fosse formada e robusta, ordenavam ao pai que a criasse e lhe atribuíam um dos nove mil lotes de terra. Porém, se era malnascida e deformada, enviavam-na a um lugar chamado de Apóstetas, uma espécie de precipício, localizado aos pés do Monte Taígeto, convencidos que uma vida que a natureza não tinha bem dotado, desde o primeiro instante, com saúde e vigor, nada valia nem para si nem para o estado.

Em Roma, o recém nascido era colocado aos pés do pai. Se o pai não levantava e reconhecia como seu filho, era abandonado. O verbo que em latim que significa “levantar” (Suscipere) passou a ser sinônimo para sobrevivência. Muitas das crianças abandonadas morriam. Outras eram criadas para serem escravas. Os rapazes eventualmente eram obrigados a se tornarem gladiadores, enquanto que as moças acabavam se prostituindo. Sêneca, o Velho, um contemporâneo de Jesus, relata que em seu tempo mendigos profissionais recolhiam crianças abandonadas, mutilavam-nas e depois exploravam seu estado lastimável para conseguir esmolas.

Essa era a situação no mundo greco-romano quando João escreveu o Apocalipse e registrou essas palavras: “Àquele que nos ama...”

Se no mundo da época as mulheres, as crianças e os escravos não tinham valor, Deus, através do Seu Filho veio nos mostrar que Ele se importava com todos sem fazer acepção de pessoas. Um dos textos bíblicos que nos mostra isso de forma muito clara se encontra em Gl 3.26-29 que diz:

“Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte, não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiro segundo a promessa.”

Em relação às crianças, o próprio Senhor Jesus indignou-se com os discípulos por impedi-los de estarem com Ele. Em Mc 10.13-14 lemos: 

“Então, lhe trouxeram algumas crianças para que as tocasse, mas os discípulos os repreendiam. Jesus, porém, vendo isto, indignou-se e disse-lhes: Deixai vir a mim os pequeninos, não os embaraceis, porque dois tais é o reino de Deus.”

A igualdade em Cristo, de que desfruta os crentes, expressa uma das mais notáveis características distintivas da fé cristã. Na igreja, o profundo ódio dos judeus contra os gentios, e o sentimento de superioridade daqueles sobre estes, foram eliminados; a horrível posição de inferioridade das mulheres foi um tanto melhorada; e os escravos se assentaram juntamente com seus senhores, em pé de igualdade (cf At 10.1-45; Ef 5.22-33, 6.1-9; 1Pe 3.1-7).

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