sexta-feira, 10 de maio de 2013

Analisando Provérbios 16.4


por André Fonseca

“O SENHOR fez todas as coisas para os seus próprios fins e até ao ímpio, para o dia do mal.” ARC
“O SENHOR fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamidade.” ARA
“O SENHOR fez tudo para certos fins, e o fim dos maus é a desgraça.” NTLH

O primeiro passo para analisar este versículo é determinar a acepção da palavra “fim”. Não é “fim” de “término”, mas de “finalidade”. Então, vamos reescrever os textos:

“O SENHOR fez todas as coisas para as suas próprias finalidades e até ao ímpio, para o dia do mal.” ARC
“O SENHOR fez todas as coisas para determinadas finalidades e até o perverso, para o dia da calamidade.” ARA
“O SENHOR fez tudo para certas finalidades, e a finalidade dos maus é a desgraça.” NTLH

O segundo passo seria ressaltar que “própria finalidade” está relacionada à vontade e designo de Deus. Não é a finalidade do que foi criado, como uma finalidade imposta pelo próprio ímpio para si mesmo; mas a intenção do SENHOR ao criar o ímpio. Acredito que a Almeida Corrigida Revisada e Fiel tem uma melhor tradução nesse sentido: “O SENHOR fez todas as coisas para atender aos seus (seus = SENHOR) próprios desígnios, até o ímpio para o dia do mal.”

O terceiro passo seria determinar o que seria o “dia da calamidade”, “dia do mal” ou “desgraça”. Uma tradução antiga (talvez a ARA 1ª edição – não tenho certeza pois não tenho um exemplar para conferir. Mas essa informação foi compartilhada pelo Pr. Luiz Sayão numa breve conversa que tive com ele quando conversamos sobre esse mesmo versículo) trazia a palavra “inferno” para “dia da calamidade”. A tradução é completamente furada! Até o supralapsário mais fervoroso com o mínimo de conhecimento do hebraico bíblico deverá discordar dessa tradução - eu sou o primeiro! :) Essa tradução não respeita a teologia do Antigo Testamento, pois a ideia de inferno como a conhecemos é coisa do Novo Testamento. Empregar este conceito ao AT seria um erro de ordem teológica por força de uma tradução totalmente equivocada.

A interpretação mais provável para o texto seria dizer que a intenção do autor é mostrar que Deus usa até mesmo o ímpio para castigar o seu povo. Deus faz todas as coisas de acordo com o seu propósito, Ele até mesmo criou as nações ímpias para castigar, trazer calamidade ao seu povo por sua desobediência. Essa interpretação é coerente, por exemplo, com a declaração de Jeremias 51:20-23 ou Amós 6:14. Há ainda muitos outros textos em que Deus claramente diz que faz uso de nações ímpias para cumprir os seus propósitos: Is 44:28; 45:1-8; 48:14-15 e Jr 27:5-7; 50:9 só para citar alguns versículos.

Acredito que o texto não deixa de sustentar uma leitura calvinista com implicações soteriológicas quanto aos ímpios, mas não trata da questão diretamente. Para chegar a uma conclusão soteriológica é preciso fazer um desdobramento do texto e isso sempre “enfraquece” qualquer argumento. Na verdade, a ideia de “réprobo” é consequência lógica da eleição como entendida pelos calvinistas. Até mesmo João Calvino admite que este é um desdobramento assustador da doutrina da eleição. Se Deus escolhe alguns, outros necessariamente precisam ser rejeitados; ou seja, se há “eleitos”, há “réprobos”. A partir dessa conclusão é que acabamos lendo Pv 16:4 como texto base para mostrar que os réprobos são tão predestinados para o “inferno” quanto o eleito é predestinado para a salvação.

Mas não é bem por aí! Que Deus criou o ímpio com o objetivo de utilizá-lo para trazer calamidade é fato; mas, a partir do texto, concluir que o dia da calamidade seja o mesmo que condenação ao inferno é forçado. Todos nós somos ímpios a partir do nascimento, mas, se eleitos, somos resgatados deste estado de inimizade. O texto, portanto, não fecha a questão! Deixe-me tentar explicar assim. Deus criou 100.000 ímpios para formar um exército que trará calamidade a outro povo. Isso não quer dizer que os 100.000 serão condenados ao inferno, alguns podem ser salvos. Ou vamos dizer que Paulo não foi ímpio e não trouxe desgraça para alguns crentes até o momento de sua conversão? Ou seja, o texto de provérbios não trata definitivamente de soteriologia.

O erro de alguns arminianos é entender o texto como afirmando ser “o dia da calamidade” criado para o ímpio como castigo, quando na verdade o texto declara o contrário. Pelo menos aqui, os calvinistas têm um argumento a favor: Deus criou os ímpios para a calamidade, não a calamidade para o ímpio. Nesse ponto, os calvinistas estão certos, e os arminianos estão erradíssimos!

É fácil defender que Deus escolhe seus eleitos para a salvação, mas é difícil encontrar textos bíblicos tão claros para provar a “eleição” do réprobo. Para essa questão, sempre haverá discussão!

Fonte: Teologia et cetera

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