segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Fé Spurgeon

“Sem fé é impossível agradar a Deus.”
Hebreus 11:6.

O Catecismo da histórica Assembleia de Westminster pergunta: “Qual o fim principal do homem? E sua resposta é: “Glorificar a Deus e alegrar-se nEle para sempre.” A resposta é perfeita, e mesmo que fora mais curta, teria sido igualmente correta. O fim principal do homem é “agradar a Deus”, pois ao fazê-lo (não necessitamos afirmá-lo porque é um fato indubitável), a si mesmo se agradará. O fim principal do homem nesta vida e na vindoura, assim cremos, é satisfazer o Senhor, seu Criador. Se ele agrada a Deus, faz o que mais lhe convém para seu bem-estar temporário e eterno. O homem não pode agradar a Deus sem atrair para si bastante felicidade, pois se alguém o faz, é porque Deus o aceita como Seu filho.
Assim é porque Ele outorga as bênçãos da adoção, derrama sobre ele a abundância da Sua graça, o abençoa nesta vida e assegura-lhe uma coroa de vida eterna, que ele usará e que brilhará com um esplendor inesgotável, mesmo quando todas as coroas da glória terrena tenham sido desfeitas. Pelo contrário, se um homem não agrada a Deus, inevitavelmente atrai para si penas e sofrimentos nesta vida. Coloca vermes e podridão nas portas de todas as suas alegrias. Enche sua almofada mortuária de espinhos e aumenta o fogo eterno com carvões flamejantes que irão consumi-lo eternamente.
O homem que agrada a Deus, mediante a graça divina, peregrina até a última recompensa que espera aqueles que O amam e O temem. Mas o homem que O desagrada tem que ser retirado da Sua presença, em consequência, do gozo da felicidade. Assim dizem as Escrituras. Se estivermos certos quando declaramos que agradar a Deus é ser feliz, então a única pergunta importante é: “Como posso agradar a Deus?” E há algo bastante solene no que diz nosso texto: “Sem fé, é impossível agradar a Deus.” Ou seja, o homem pode agir como quiser, esforçar-se o máximo que puder, viver da maneira mais excelente que conseguir, apresentar os sacrifícios que desejar, destacar-se como puder em tudo aquilo que é honrável e de boa reputação; contudo, nada disso pode ser agradável a Deus, a menos que leve o ingrediente da fé. Como disse o Senhor aos judeus: “E todas as tuas ofertas dos teus alimentos temperarás com sal,” assim Ele diz a nós: “Deve colocar fé em tudo o que fizer, pois do contrário, é impossível agradar a Deus.”
Esta é uma antiga lei, tão velha quanto o primeiro homem. Assim que Caim e Abel vieram ao mundo e se transformaram em homens, Deus fez uma proclamação prática desta lei que “sem fé é impossível agradá-Lo.” Caim e Abel, em um dia muito ensolarado, erigiram dois altares, um junto ao outro. Caim tomou dos frutos das árvores e da abundância da terra e colocou tudo sobre seu altar. Abel trouxe dos primogênitos dos seus rebanhos e colocou sobre seu altar. Seria decidido qual dos dois sacrifícios Deus aceitaria.
Caim trouxera o melhor que tinha, mas o fez sem fé. Abel trouxe seu sacrifício com fé em Cristo. Agora, qual seria melhor recebido? As ofertas eram iguais em valor; no que se refere à qualidade, eram igualmente boas. Qual desses altares receberia o fogo do céu? Qual o Senhor Deus consumiria com o fogo do Seu agrado? Oh, vejo que a oferta de Abel arde e que o semblante de Caim se transtornou, pois Jeová olhou para Abel e sua oferta com agrado, mas não viu com agrado a oferta de Caim.
Assim será sempre, até que o último homem seja reunido no céu. Nunca haverá uma oferta aceitável que não esteja temperada com a fé. Não importa quão boa seja, nem que tenha a mesma boa aparência daquela cheia de fé: porém, a menos que a fé esteja com ela, Deus nunca a aceitará, pois Ele declara: “sem fé é impossível agradar a Deus.”
Tentarei resumir meus pensamentos esta manhã e serei o mais breve possível, sendo ao mesmo tempo consistente com uma explicação completa sobre o tema. Primeiro, explicarei o que é a fé. Em seguida, argumentarei que sem fé é impossível ser salvo. Em terceiro lugar, perguntareiVocê possui a fé que agrada a Deus? Então, teremos uma exposição, um raciocínio e uma pergunta.
I. Em primeiro lugar, A EXPOSIÇÃO. O que é a fé?
Os antigos escritores, que eram extremamente sensatos, pois terão notado que os livros escritos há uns duzentos anos pelos antigos Puritanos carregam mais sentido numa só linha do que o encontrado numa página inteira de nossos livros atuais, e carregam mais sentido em uma só página do que todo o sentido que se possa encontrar em um volume inteiro de nossa teologia atual. Os antigos escritores nos dizem que a fé se compõe de três elementos: primeiro, conhecimento; segundo, aceitação; e depois torná-lo nosso ao confiarmos em Deus.
1. Então, comecemos pelo princípio. O primeiro elemento da fé é o conhecimento. Um homem não pode crer no que não conhece. Isto é algo claro e evidente. Se não escutei nada acerca de um fato por toda a minha vida e não o conheço, não posso crer nele. E, contudo, há algumas pessoas possuidoras de uma fé como a do mineiro numa mina de carvão — quando lhe perguntaram no que cria, respondeu: “Creio no que crê a Igreja.” E no que crê a Igreja? O mineiro responde: “A Igreja crê no que eu creio.” Por favor, me diga, no que você e a Igreja creem? “Cremos no mesmo.”
Este homem não cria em nada, exceto que a Igreja estava certa, mas no que, não podia dizer. É inútil um homem afirmar: “sou crente” e, contudo, não conhecer o objeto da sua fé. Já encontrei pessoas assim. Um violento sermão foi pregado, deixando os nervos à flor da pele. O pregador clamou: “Creiam! Creiam! Creiam!”. E, de modo repentino, incutiram na cabeça das pessoas que eram crentes, e saíram da Igreja dizendo: “Sou crente.”
E perguntaram-lhes: “Digam-me, no que creem?” Não poderiam dar uma razão a respeito da esperança que há nelas. Creem que tem a intenção de ir à Igreja no próximo domingo. Pretendem unir-se a esse tipo de gente, pretendem cantar com muita emoção e ter delírios maravilhosos. E como consequência, acreditam que serão salvas. Mas não podem dizer no que creem. Sendo assim, não creio na fé de ninguém a menos que conheça o que crê. Se ele diz “Eu creio” mas não sabe no quê, como pode ser essa uma fé verdadeira? O Apóstolo disse: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram?E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?
Para que haja uma fé verdadeira, é necessário que o homem saiba algo da Bíblia. Ouçam-me, essa é uma época em que não se valoriza mais este livro como antes. Há uns cem anos o mundo estava saturado de intolerância, crueldade e superstição. A humanidade sempre corre de um extremo a outro e agora temos ido ao outro extremo. Naquela época dizia-se: “Só uma fé é a verdadeira, sufoquemos todas as demais por meio do tormento e da espada.” Agora, se diz: “Não importa que nossos credos se contradigam, todos são válidos.” Se usássemos o bom senso, saberíamos que não é assim. Mas alguns respondem: “Tal e tal doutrina não deve ser pregada e não deve ser crida.” Então, meu amigo, se não necessita ser pregada, não precisava ser revelada. Despreza a sabedoria de Deus quando afirma que uma doutrina não é necessária, pois equivale a dizer que Deus revelou algo que não é necessário, e que Deus não seria tão sábio fazendo qualquer coisa a mais ou a menos do que o necessário. Nós cremos que os homens devem estudar toda doutrina que vem da Palavra de Deus e que sua fé deve ser baseada na totalidade das Escrituras Sagradas, especialmente em tudo relativo à Pessoa do nosso sempre bendito Redentor.
Deve existir certo grau de conhecimento antes de haver fé. “Examinais as Escrituras,” pois, “porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam.” Como resultado de examinar e ler vem o conhecimento, e pelo conhecimento vem a fé e pela fé vem a salvação.
2. Mas um homem pode saber algo, e, contudo, não ter fé. Pode saber algo e não crer nisso. Por conseguinte, a aceitação deve acompanhar a fé; isto é, devemos crer no que conhecemos e ter a certeza que é a verdade de Deus. Agora, para ter fé, não só basta que eu leia as Escrituras e as entenda, mas devo recebê-las em minha alma como a própria verdade do Deus vivente. E com devoção e com todo meu coração devo receber todas as Escrituras como inspiradas pelo Altíssimo, encerrando toda a doutrina que Ele requer que eu creia para minha salvação.
Não é permitido dividir as Escrituras e crer somente naquilo que te pareça bem. Não é permitido crer nas Escrituras pela metade de modo deliberado, pois essa não é a fé que unicamente vê a Cristo. A fé verdadeira dá seu total consentimento às Escrituras, pega uma página e diz “não importa o que se encontre aqui, eu creio nela.” Passa para o capítulo seguinte e diz: “Aqui há algumas partes de difícil entendimento que os indoutos e os inconstantes distorcem, tal como fazem com o resto das Escrituras, para sua perdição. Mas por mais difíceis que sejam, eu creio nelas.”
Considere a Trindade. A fé não é capaz de entender a Trindade como Unidade, mas crê nela. Veja o sacrifício da expiação. Há algo difícil nesse conceito, mas ela crê nele. E independente do que estiver na revelação, beije este livro com devoção e diga: “Eu o amo todo, dou meu pleno, sincero e livre consentimento a cada uma de suas palavras, seja uma ameaça ou uma promessa, um provérbio, um mandamento, ou uma bênção.” Como tudo é Palavra de Deus, tudo é absolutamente verdadeiro. É nisso que creio. Quem quiser ser salvo deve conhecer as Escrituras e deve dar-lhe seu total consentimento.
3. Mas um homem pode ter tudo isto e, contudo, não ter a fé verdadeira. Pois o principal da fé está no terceiro elemento, ou seja, na confiança na Verdade. Não somente crer nela, mas fazê-la nossa e descansar nela para nossa salvação. Repousar na verdade era a palavra que utilizavam os velhos pregadores. Compreenderá esta palavra apoiando-se nela e dizendo: “Esta é a Verdade, a Ela confio minha salvação.” Agora, a fé verdadeira, em sua própria essência, se baseia nisto: em apoiar-se em Cristo. Não me salvará se somente sei que Cristo é um Salvador. Mas me salvará se confio nEle para que seja meu Salvador.
Não serei livrado da ira vindoura crendo que sua expiação é suficiente, mas serei salvo quando faça dessa expiação minha confiança, meu refúgio e meu tudo. A essência, a essência da fé está nisto: atirar-se sobre a promessa. O salva-vidas que permanece a bordo de um barco não pode ser um instrumento de salvação do homem que está se afogando, nem tampouco a convicção que o salva-vidas é um excelente e efetivo ajudador pode salvá-lo. Não! É necessário que você esteja agarrado nele ou em suas mãos. De outra maneira, se afogará.
Para utilizar um velho e conhecido exemplo: suponhamos que no aposento mais alto de uma casa esteja acontecendo um incêndio. As pessoas se amontoam na rua. Uma pessoa se encontra no cômodo que está em chamas. Como escapará? Não pode pular: morreria de imediato. Um homem forte exclama: “Salte em meus braços!” Uma parte da fé é crer que o homem está ali, e outra parte da fé é crer que o homem é suficientemente forte para segurá-lo. Mas a essência da fé está em atirar-se nos braços deste homem. Essa é a prova da fé e sua verdadeira essência.
Então, pecador, você deve saber que Cristo morreu pelo pecado. Deve compreender que Cristo pode salvar e também deve crer que você não será salvo enquanto não confia que Ele é seu Salvador, e que o é para sempre. Como disse Hart em seu hino, que realmente expressa o Evangelho –

“Confia nEle, confia plenamente,
Não confie em nenhum estranho.
Nada, senão somente Jesus
Pode fazer o bem ao pecador desamparado.”

Esta é a fé que salva. E sem importar quão ímpia tenha sido sua vida até agora, esta fé, se lhe é dada neste momento, apagará todos os seus pecados, mudará sua natureza e o fará um homem novo em Cristo Jesus. Ele o levará a viver uma vida santa e fará sua salvação eterna tão segura, como se um anjo o levasse nesta manhã em suas asas resplandecentes e o transportasse de imediato ao céu. Você tem esta fé? Esta é uma pergunta de suma importância. Pois, enquanto que com fé os homens são salvos, sem fé são condenados.
Como disse Thomas Brooks em um de seus admiráveis trabalhos: “Aquele que crê no Senhor Jesus Cristo será salvo, ainda que seus pecados sejam muitos. Mas aquele que não crê no Senhor Jesus Cristo será condenado, ainda que seus pecados sejam poucos.” Você tem fé? Pois o texto declara “Sem fé é impossível agradar a Deus.”
II. Agora chegamos ao ARGUMENTO: porque sem fé, não podemos ser salvos.
Pois bem, há alguns cavalheiros aqui presentes que dizem: “Agora veremos se o Sr. Spurgeon possui alguma lógica.” Não, senhores, não o farão, porque nunca pretendi exercitar a lógica. Espero ter a lógica que possa falar ao coração dos homens. Não prefirousar a lógica mental, que é muito menos poderosa, se posso ganhar o coração dos homens de outra maneira. Mas se fosse necessário, não me daria medo demonstrar que conheço mais de lógica e de muitas outras coisas que os “homenzinhos” que se incomodam em me censurar. Seria bom se soubessem controlar suas línguas, pois isto é, ao menos, uma parte elegante da retórica.
Meu argumento será tal que confio em falar ao coração e à consciência, ainda que não agrade exatamente em tudo àqueles que gostam dos discursos bem elaborados por filosofias e silogismos –
“Quem poderia dividir um cabelo, partindo-o
Entre seu lado oeste e seu lado noroeste.”

1. Sem fé é impossível agradar a Deus.” Nunca aconteceu um caso registrado na Escritura de alguém que tenha agradado a Deus sem fé. O capítulo 11 do Livro de Hebreus é o capítulo dos homens que agradaram a Deus. Escutem seus nomes: “Pela fé Abel ofereceu a Deus o mais excelente sacrifício.” “Pela fé Enoque foi trasladado.” “Pela fé Noé construiu a Arca.” “Pela fé Abraão obedeceu ao sair para o lugar que havia de receber como herança.” “Pela fé habitou estrangeiro na terra prometida.” “Pela fé Sara deu à luz Isaque.” “Pela fé Abraão ofereceu Isaque como sacrifício.”

“Pela fé Moisés recusou os tesouros dos egípcios.” “Pela fé Isaque abençoou Jacó.” “Pela fé Jacó abençoou cada um dos filhos de José.” “Pela fé, José, à beira da morte, lembrou do êxodo dos filhos de Israel.” “Pela fé passaram o Mar Vermelho como por terra seca.” “Pela fé caíram os muros de Jericó.” “Pela fé Raabe, a prostituta, não pereceu.” “E o que mais digo? Porque o tempo me faltaria contando de Gideão, de Baraque, de Sansão, de Jefté, de Davi, assim como de Samuel e dos profetas.”
Todos estes foram homens de fé. Outros que são mencionados nas Escrituras também fizeram algo, mas Deus não os aceitou. Alguns homens se humilharam e, contudo, Deus não os salvou. Assim fez Acabe, mas seus pecados não foram perdoados nunca. Muitos homens têm se arrependido e, mesmo assim, não foram salvos porque seu arrependimento nunca foi correto. Judas se arrependeu, se enforcou e, contudo, não foi salvo. Alguns homens confessaram seus pecados e não foram salvos. Saul fez assim. Ele disse a Davi: “Tenho pecado, Davi, filho meu.” E, ainda assim, continuou como antes.
Multidões têm confessado o nome de Cristo e feito muitas coisas maravilhosas; no entanto, nunca agradaram a Deus por esta simples razão: não tiveram fé. E se não há nenhum só mencionado nas Escrituras, que conta a história de uns quatro mil anos, não parece provável que nos outros dois mil anos houvesse um, já que não houve nenhum nos primeiros quatro mil anos.
2. O seguinte argumento é que a fé é a graça que subjuga e não há nada que faça com que um homem se sujeite sem fé. Agora, a menos que uma pessoa se humilhe, seu sacrifício não pode ser aceito. Os anjos sabem disso. Quando adoram a Deus, cobrem seu rosto com suas asas. Os redimidos também sabem disso. Quando louvam a Deus, lançam suas coroas nos pés de Deus. O homem que não tem fé dá provas que não pode inclinar-se. Por esta razão é que não tem fé: por que é muito orgulhoso para crer. Ele declara que não inclinará sua mente, que não se converterá em uma criança crendo mansamente no que Deus disse que ele deve crer. Ele é muito orgulhoso e não pode entrar no céu, porque a porta do céu é tão baixa que ninguém pode passar por ela a menos que incline a cabeça. Nunca houve um homem que pudesse caminhar de maneira ereta até a salvação. Devemos ir até Cristo de joelhos. Pois ainda que Cristo seja uma porta suficientemente grande para que o maior dos pecadores possa entrar, é tão baixa que os homens devem inclinar-se caso queiram ser salvos. Por isso a fé é necessária, pois a incredulidade é uma evidência certa de falta de humildade.
3. E agora, mais razões. A fé é necessária para a salvação porque a Escritura nos ensina que as obras não podem salvar. Contarei a vocês uma história muito conhecida para que o mais simples dos meus leitores possa entender o que digo: um ministro saiu para pregar um dia. Subiu uma colina que se encontrava em seu caminho. Ao pé dessa colina viviam alguns povos, adormecidos em sua beleza, rodeados de douradas plantações banhadas pelo sol. Mas ele não os pôde ver, pois sua atenção se concentrou em uma mulher que se encontrava na porta de uma casa e que, ao vê-lo, achegou-se bem perto e disse: “Senhor, tens aí alguma chave que possa me emprestar? A chave do meu armário, onde há coisas que necessito urgentemente, quebrou.” O ministro respondeu: “Não trago nenhuma chave.” A senhora sentiu-se frustrada, pois pensava que todo mundo devia trazer chaves consigo. “Mas, ainda supondo,” disse o ministro, “mesmo que tivesse algumas chaves, poderia ser que não funcionassem em sua fechadura e, portanto, não poderia pegar os objetos que queria. Mas não se desespere, alguém virá com uma chave.” “Mas”, disse ele, tratando de aproveitar a ocasião, “alguma vez você ouviu falar sobre a chave do céu?” “Pois, sim”, disse ela “tenho vivido o suficiente e tenho frequentado a igreja o suficiente para saber que, se trabalhamos duro, se conseguimos o pão de cada dia mediante o suor de nossa testa, se agimos de maneira correta com nosso próximo, se nos comportamos como diz o Catecismo, com humildade e reverência diante de nossos superiores, se cumprimos com nosso dever no lugar onde Deus nos colocou e se oramos com regularidade, seremos salvos.”
“Ah,” disse o bom ministro, “minha cara senhora, essa é uma chave quebrada, pois você tem transgredido os mandamentos, não tem cumprido com suas obrigações. É uma boa chave, mas você a tem quebrado.” “Rogo-lhe, senhor”, disse ela, crendo que ele entendia do assunto e se sentindo assustada, “Que tenho feito de errado?” Disse ele: “O mais importante de tudo: o sangue de Jesus Cristo. Por acaso você não sabe que a chave do Reino se encontra em Seu cinturão? Ele abre e ninguém fecha. E ele fecha e ninguém abre.” E explicando-lhe mais claramente, disse: “É Cristo e somente Cristo que pode abrir a porta do céu para você. Não suas boas obras.”
“O quê?”, disse ela, “são por acaso inúteis as nossas boas obras?” “Não”, disse ele, “não depois da fé. Se primeiro você crê, poderá realizar quantos atos caridosos desejar. Porém, se tem fé, nunca confiará neles, pois se o fizesse, já os teria corrompido e não seriam mais bons. Independente das suas boas ações, deposite sua confiança em nosso Senhor Jesus Cristo. Se não fizer assim, sua chave nunca abrirá a porta do Céu.”

4. Pois bem, queridos leitores, devemos ter uma fé verdadeira, porque a velha chave das boas obras está tão danificada por todos nós que nunca poderemos entrar no paraíso com ela. Se algum de vocês pretende não ter pecado, direi com sinceridade, engana-se a si mesmo e a Verdade não está em você. Se pensam que mediante suas boas obras entrarão no céu, não poderiam estar mais enganados. No último Grande Dia, vocês se darão conta que suas esperanças não valeram nada e que, como as folhas secas das árvores no outono, o vento levará todas as suas boas ações. Ou serão queimadas pelas mesmas chamas nas quais vocês deverão sofrer eternamente. Cuidem sempre delas! Façam-nas depois da fé e lembrem-se: o caminho para a salvação é simplesmente crer em Jesus Cristo.
Outra vez digo: sem fé é impossível ser salvo e agradar a Deusporque sem fé não há união com Cristo. E a união com Cristo é indispensável para nossa salvação. Se eu chego diante do Trono de Deus com minhas orações, elas nunca serão respondidas, a menos que leve Cristo comigo. Os habitantes de um antigo reino – os molossos[1] – quando não podiam obter um favor de seu rei, empregavam um método muito singular. Pegavam seu único filho em seus braços e caindo de joelhos, exclamavam: “Oh, rei, por teu filho, concede-nos o que lhe pedimos.” O rei sorria e dizia: “Não nego nada àqueles que me pedem algo em nome de meu filho!” Assim é com Deus. Ele não negará nada ao homem que procede do braço de Cristo. Mas se vem só, será lançado fora.
A união com Cristo é, depois de tudo, o principal ponto da salvação. Permitam-me contar uma história para explicar isto: as estupendas Cataratas do Niágara são famosas em todas as partes do mundo. E, ainda que seja maravilhoso escutar seu estrondo e que sejam um magnífico espetáculo, elas têm sido muito perigosas para a vida humana, especialmente quando, acidentalmente, alguém é arrastado por suas águas.
Há alguns anos, dois homens, um barqueiro e um trabalhador das minas de carvão, navegavam em um bote e foram arrastados de maneira vertiginosa pela correnteza e ambos, inevitavelmente, cairiam no abismo e seriam despedaçados. Umas pessoas na margem os viram, mas nada podiam fazer para resgatá-los. Finalmente, lançaram uma corda para um dos dois homens, à qual ele se agarrou. No mesmo instante que a corda chegou em suas mãos, um tronco passou flutuando perto do outro homem. O imprudente e confundido barqueiro, em vez de pegar a corda que já estava com seu companheiro, se agarrou no tronco. Foi um erro fatal. Ambos estavam em perigo iminente, mas o companheiro foi arrastado até a margem porque pôde agarrar-se à corda que as pessoas que estavam em terra firme seguravam, enquanto o outro, agarrado ao tronco, foi arrastado irremediavelmente e nunca mais se soube dele.
Não veem nesta história uma ilustração prática? A fé nos une a Cristo. Ele está na margem do rio, segurando a corda da fé, e, se nós nos agarramos a ela com a mão da confiança, Ele nos levará até a margem. Mas nossas boas obras, sem nenhum vínculo com Cristo, são arrastadas até o abismo do mais terrível desespero. Não importa quão forte nos agarremos a essas boas obras, não poderemos nos salvar. Seguramente, vocês percebem o que quero mostrar-lhes. Alguns argumentam contra as minhas ilustrações. Eu as seguirei utilizando até que cansem de se opor.
A verdade nunca é proclamada com mais poder aos homens do que quando se relata, como Cristo também fez, uma história de certo homem com dois filhos, ou a de certo proprietário que saiu de viagem e dividiu sua fortuna e deu a um homem dez talentos e a outro homem um talento. A fé, então, é a união com Cristo. Tratem de alcançá-la. Pois, se não o fizerem, serão arrastados pela correnteza agarrados às suas boas obras. Abracem-nas e se afundarão no abismo! Perdidos, porque não estão unidas a Cristo e não mostram vínculo nenhum com o bendito Redentor!
Mas você, pobre pecador, carregado com todo seu pecado, se a corda rodeia teu corpo e Cristo o sustenta, não temas –
“Sua honra está comprometida a salvar
A pior das suas ovelhas.
Todo aquele que seu Pai Celestial deu a Ele
Suas mãos certamente segurarão.”

5. Somente um argumento mais e terminarei. “Sem fé é impossível agradar a Deus.” Porque sem fé é impossível perseverar na santidade. Que grande multidão de cristãos de conveniência temos hoje em dia! Muitos deles parecem com alguns marinheiros, que no bom clima navegam na superfície do mar em um esplêndido esquadrão, como os poderosos barcos. Mas, no mesmo instante que o vento forma ondas, baixam as velas e se afundam nas profundezas do mar.
Muitos cristãos agem assim. Em boa companhia, nos salões evangélicos, em lugares cristãos, nas capelas e nas sacristias, são tremendamente religiosos. Mas se os expõem um pouco ao ridículo, se alguém zomba deles e os chamam de Metodistas, Presbiterianos ou algo parecido, neste instante se acaba sua religião até o próximo dia bom. Depois, quando o dia é agradável outra vez e a religião serve seus propósitos, novamente acendem suas velas e voltam a ser piedosos como antes.
Acreditem, esse tipo de religião é pior que a falta de religião. Aprecio muito um homem que é justo: um homem íntegro. E se algum homem não ama a Deus, não permitam-no dizer que ama. Porém, se é um verdadeiro cristão, um seguidor de Jesus, que assim se pronuncie e sustente sua fé e palavra. Não há razão para ficar envergonhado. Devemos ficar constrangidos somente com a hipocrisia. Sejamos honestos quando professamos nossas crenças e isto será nossa glória. Ah, o que fariam sem fé em tempos de perseguição? Vocês, pessoas “boas” e “piedosas” e sem fé, o que fariam se a forca fosse colocada novamente para perseguir os cristãos de Smithfield e se novamente os santos do Senhor fossem jogados na fogueira até virarem cinzas?
Que fariam se prendessem novamente os Lolardos, esses antigos reformadores? Ou se os instrumentos de tortura fossem usados novamente? Que fariam se o cepo[2] fossem utilizado para pegar os cristãos, como já foi outrora utilizado por uma igreja protestante[3], dando testemunho da perseguição do meu predecessor Benjamim Keach, que foi posto no tronco em Ayslesbury por escrever um livro sobre o batismo infantil? Ainda assim, se a forma mais benigna de perseguição reaparecesse, tenho certeza que muitas pessoas se dispersariam por diversas partes! E muitos pastores abandonariam seus rebanhos.
Uma história mais, confiando que os fará ver a necessidade da fé e que me conduz à última parte de meu discurso. Uma vez, um americano dono de escravos, ao comprar mais um, perguntou ao vendedor: “Diga-me honestamente, quais são os defeitos dele?” O vendedor respondeu: “Não tem nenhum defeito, que eu saiba, exceto um — ele ora.” “Ah!”, exclamou o comprador, “isso não me agrada, mas sei de algo que o curará logo desse mal”.
Então, na noite seguinte, Cuffey (assim se chamava o escravo) foi surpreendido na plantação por seu novo amo enquanto orava pedindo por seu novo dono, sua esposa e sua família. O homem escutou a oração e na hora não disse nada. Mas, na manhã seguinte chamou Cuffey e disse-lhe: “Não quero discutir contigo, homem, mas não aceitarei orações em minha propriedade. Então, abandone esta prática.” “Meu amo,” respondeu o escravo, “não posso deixar de orar. Eu devo orar sempre.” “Se insistes em orar, te ensinarei a fazê-lo.”
“Meu amo, não devo parar.” “Bem, então te darei vinte e cinco açoites por dia, até que deixe de fazê-lo.” “Meu amo, ainda que me açoites cinquenta vezes, devo orar.” “Pois, por causa de toda insolência com que responde ao seu amo, receberá os açoites de imediato.” Então, amarrando-o, o açoitou vinte vezes e perguntou-lhe se iria orar de novo. “Sim, meu amo, devemos orar sempre, não podemos deixar de orar.” O amo o fitou assombrado. Não podia entender como um pobre homem poderia continuar orando, quando não parecia fazer-lhe nenhum bem e só lhe trazia perseguição. O senhor contou a sua esposa o ocorrido.
Ela lhe disse: “Por que não permites que o pobre homem ore? Cumpre muito bem o seu trabalho. Não nos interessa o tema da oração, mas não há nada de mal em deixá-lo orar, sobretudo se continua realizando bem seu trabalho.” “Mas não me agrada,” respondeu o amo. “Espantei-me tremendamente. Se você tivesse visto como ele me olhava” “Estava com raiva?” “Não, isso não me incomodaria. Mas depois de tê-lo açoitado, me olhou com lágrimas nos olhos como se tivesse mais pena de mim do que dele mesmo.” Nessa mesma noite o senhor não conseguiu dormir. Dava voltas na cama de um lado a outro. Lembrou-se dos seus pecados. Lembrou que havia perseguido a um santo de Deus. Levantando de sua cama, falou: Esposa, pode orar por mim?” “Nunca orei em minha vida,” respondeu ela, “não posso orar por ti.” “Estou perdido,” disse ele, “se alguém não orar por mim. Eu não posso orar por mim mesmo.” “Não conheço ninguém na plantação que saiba orar, exceto Cuffey,” disse a esposa. Fizeram soar a campainha e trouxeram o escravo. Tomando sua mão, o amo perguntou: “Cuffey, pode orar por mim?” “Meu amo,” respondeu o escravo, “tenho orado pelo senhor desde que me açoitou e tenho a intenção de seguir orando sempre pelo senhor.”
Cuffey pôs-se de joelhos e derramou sua alma em lágrimas e tanto a esposa como o marido foram convertidos. Este negro não poderia conseguir isto sem fé. Sem fé, não teria sustentado sua decisão, e teria exclamado: “meu amo, neste momento deixo de orar. Odeio os açoites do homem branco.” Mas por causa da perseverança da sua fé, o Senhor o honrou e deu-lhe a alma de seu amo em recompensa.
III. E agora, como conclusão, A PERGUNTA, a pergunta vital. Querido leitor: você tem fé? Crê no Senhor Jesus Cristo de todo seu coração? Se é assim, então pode confiar que é salvo. Sim, você pode concluir com absoluta certeza que nunca verá a perdição. Tem fé? Ajudo-lhe a responder esta pergunta. Vou submetê-lo a três provas, que serão muito breves, para que não se canse, e logo nos despediremos.
Quem tem fé, renunciou a sua justiça própria. Se você põe um átomo de confiança em si mesmo, não tem nenhuma fé. Se põe uma partícula de confiança em qualquer outra coisa que não seja a obra de Cristo, não tem fé. Se confia em suas obras, essas obras são anticristo, e Cristo e anticristo não podem estar juntos. Para Cristo é tudo ou nada. Ele deve ser o Salvador suficiente ou não o será completamente. Se tem fé, então pode dizer –

“Nada em minha mãos trago,
Somente à Cruz me agarro.”
A fé verdadeira pode ser reconhecida por isto: expressa um grande estima pela Pessoa de Cristo. Ama a Cristo? Daria sua vida por Ele? Busca servi-Lo? Ama o povo de Deus? Pode dizer:
“Jesus, amo Teu nome encantador,
É música para meu ouvido.”
Oh, se você não ama a Cristo, então não crê nEle, pois crer em Cristo produz amor. E ainda digo mais: aquele que tem fé verdadeira terá submissão verdadeira. Se um homem diz ter fé e não tem obras, está mentindo. Se alguém declara crer em Cristo e não vive uma vida santa, mente.
Pois, ainda que não confiemos nas boas obras, sabemos que a fé sempre gera boas obras. A fé gera santidade. E ninguém produz nada de bom se não ama a Cristo. As bênçãos de Deus são dadas com ambas as mãos, são duplas. Com uma mão Ele dá o perdão e com a outra sempre dá a santidade. E nenhum homem pode ter uma bênção sem a outra.
E agora, meus queridos leitores, devo colocar-me de joelhos e implorar-lhes, em nome de Cristo, que cada um responda esta pergunta no silêncio do seu quarto: você tem fé? Oh, responda: Sim ou não? Por favor, não diga “não sei” ou “não me importa.” Ah, um dia você vai se importar, quando a terra tremer e o mundo sacudir de um lado para outro. Você se importará quando Deus chamá-lo para o juízo e condenar os incrédulos e os ímpios. Oh, seja sábio, importe-se agora. Se algum de vocês sente que necessita de Cristo, rogo-lhes, em nome de Jesus, que busquem a fé nEle, que é exaltado nas alturas, para dar-lhes arrependimento e remissão dos pecados. E se Ele lhe deu arrependimento, lhe dará também a remissão dos pecados.
Oh, pecadores, que conhecem seus pecados! “Creiam no Senhor Jesus e serão salvos.” Descansem no Seu amor e no Seu sangue, na Sua obra e na Sua morte, nos Seus sofrimentos e nos Seus méritos. E se assim fizerem, jamais cairão, mas serão salvos agora e serão salvos naquele grande dia, quando não ser salvo será verdadeiramente terrível.
“Convertei-vos, convertei-vos; por que morrereis, casa de Israel?” Descansem nEle, toquem nas orlas de Suas vestes e serão salvos. Que Deus os ajude a procederem desse modo. Por Cristo nosso Senhor. Amém, Amém.

ORE PARA QUE O ESPÍRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.

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