segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O PROBLEMA DO MAL - SANTO AGOSTINHO





Uma das questões que mais intriga o homem é sobre o problema do mal, pois este vai exatamente contra aquilo que o homem mais deseja: a felicidade. Afinal, se o homem, em sua dimensão teleológica, busca a felicidade, por que o mal existe? Santo Agostinho particularmente se inquietava com estas questões. Ele “não tinha idéia clara e nítida da causa do mal” [1]. É interessante lembrar que ele, antes de ser cristão, foi um maniqueísta e o Maniqueísmo defendia que havia dois princípios opostos: um Deus bom e outro mal e que portanto o mal era uma substancia. Somente depois, Santo Agostinho vai encontrar uma fantástica solução para a resolução do problema.
Este presente trabalho, portanto, vem, com base em Santo Agostinho, procurar explicar a questão do mal em seus diversos aspectos.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 O PROBLEMA DO MAL


O mal se apresenta em todo o universo, seja na composição dos seres que muitas vezes vem ao mundo sem algum membro que deveria fazer parte de seu organismo; seja através das ações humanas que devastam a natureza ou que agridem de algum forma outros seres humanos; seja pela própria natureza que destrói cidades inteiras através de inundações furacões, etc. Não se pode negar que o mal exista e que ele faz parte da vida humana de alguma forma. E este é um problema que Santo Agostinho se debateu até encontrar a solução.

A presença do mal parece implicar a ausência de Deus. Às vezes a desorientação causada por esta revolta interior raia ao desatino e inspira as atitudes mais contraditórias. Por causa do mal se nega a existência de Deus, mas muitas vezes, o que se quer realmente é responsabilizar a Deus pelo sofrimento das suas criaturas: “Mas de onde vem o mal se Deus é bom e fez todas as criaturas boas?” [2] “Porventura da matéria que ele [Deus] usou?” [3]“O Onipotente teria sido impotente para convertê-la [a matéria], de modo que nela não permanecesse mal nenhum?” [4],“Que onipotência era a sua se não podia criar algo de bom sem o auxilio de matéria não criada por ele?” [5]. O que em Santo Agostinho era um mero questionamento a fim de se encontrar respostas, em outras pessoas estas mesmas perguntas podem adquirir um tom acusatório. E acaba-se por não se ver que, se Deus existe, o problema do mal deve ter uma solução digna da sua bondade e da sua sabedoria, ainda que talvez misteriosa e impenetrável aos nossos meios limitados de conhecimento em face da grandeza dos planos da sua Providência.


2.2 A EXPLICAÇÃO DO MAL EM SANTO AGOSTINHO

2.2.1 Ser ou não ser


Santo Agostinho constata que o mal não é um ser, não tem caráter ontológico, não tem nada de positivo, enfim ele é um não-ser. “O mal não tem natureza alguma; pois a perda do ser é que tomou o nome de mal” .[6] Se todo o bem fosse retirado das coisas, nada sobraria, pois o mal não é uma substancia como queria os maniqueístas é privação ou imperfeição. Portanto é impossível que o mal tenha se originado de Deus, pois Deus é aquele que dá o ser as coisas.


2.2.2 Dimensões do mal


Pode-se dividir as dimensões do mal em 3 (três):

Mal metafísico --> Sua principal característica é a imperfeição. Vemos que nos seres há uma gradação, uma hierarquia, conforme se pode comprovar no quadro abaixo:



Pode-se notar que existem seres que são mais ou menos perfeitos em relação à perfeição ultima que é Deus, que é o Ser por excelência. Há uma gradação ontológica nos seres que os deixam com mais ou menos perfeições. A carência de tais perfeições nos seres, é vista como um mal, mas este não nos aflige, pois aceitamos os limites que o nosso ser nos impõe. Este mal é ausência de um bem possível e é chamdo de metafísico.

Mal Físico --> O mal físico que nos faz sofrer não é uma simples negação de um bem possível mas de um bem natural, isto é, de uma perfeição devida à natureza de um ser; é a chamada privação. A natureza da planta ou de uma pedra, por exemplo, não exige olhos, exige-os a de um boi. Não ter olhos no mineral ou no vegetal é uma imperfeição, no boi é uma privação, pois ter olhos faz parte da natureza do boi, mas não faz parte da natureza da pedra ou da planta. Também aqui o mal se apresenta com um caráter negativo, de ausência. O mal físico supõe uma realidade positiva, uma substancia: a do sujeito que sofre; formalmente, consiste numa negação, na ausência de um bem normalmente exigido por um ser.

Mal Moral --> O mal moral também é a ausência de algo, é um não-ser. Ele se dá por um ato livre do homem que falta à sua ação, a ausência de conformidade com a regra que deve orientar-lhe na realização de seu fim. É uma desordem na escolha de bens.


2.2.3 Causa do Mal


Mas, então, qual será a causa do mal? Após estabelecer estas dimensões do mal é importante ver qual é sua causa, já que, se Deus fez tudo bom, não poderia haver razão para o mal existir. Deixemos que o próprio Santo Agostinho nos diga:

“E procurando o que era a iniqüidade compreendi que ela não era uma substancia existente em si mesma, mas a perversão da vontade...” .[7]
“A má vontade é, por conseguinte, a causa eficiente de toda obra má, porém nada é causa eficiente da má vontade”.[8]
“Quando a vontade, abandonando o superior, se converte às coisas inferiores, torna-se má, não por ser mal o objeto a que se converte, mas por ser má a própria conversão. Portanto, não é causa da vontade má o ser inferior, ela é que é a sua própria causa, por haver apetecido mal e desordenadamente o ser inferior”. [9]

Portanto, todo ser enquanto ser é bom, pois todo ele foi criado por Deus; o mal moral reside na própria vontade do homem que pelo fato de ter o livre-arbítrio escolhe desordenadamente algum bem. Resumindo o mal não vem de Deus, mas do próprio homem. Todo pecado consiste exatamente nisto: uma escolha desordenada de bens:

“Assim a avareza não é vicio do ouro, mas do homem que ama desordenadamente o ouro, por ele abandonando a justiça, que deve ser infinitamente preferida a esta metal. E a luxuria, não é vicio da beleza e graça do corpo, mas da alma que perversamente os prazeres corporais desprezando a temperança, que nos une a coisas espiritualmente mais belas e incorruptivelmente mais cheia de graça. E a jactância que não é vicio do louvo humano, mas da alma que ama desordenadamente ser louvada pelos homens, desdenhando o testemunho da própria consciência. E a soberba não é vicio de quem dá o poder, ou do poder mesmo, mas da alma que ama desordenadamente seu próprio poder, desprezando o poder mais justo e poderoso. Por isso quem ama desordenadamente o bem, seja de qual natureza for, mesmo conseguindo-o, se torna miserável e mau no bem, ao privar-se do melhor”. [10]

Um outro ponto importante a ressaltar é que, para Santo Agostinho, o mal é permitido por Deus para que dele se possa tirar um bem maior. É como numa batalha em que quanto maior a dificuldade, maior glória terão os soldados; assim, se não houvesse a maldade, a santidade seria fácil de ser adquirida, mas a partir do momento em que há uma luta contra o mal, a santidade é mais gloriosa ao ser conquistada.

3 CONCLUSÃO


Pode-se observar na sociedade atual, que há uma grande diferença entre saber o que é o mal e fazer o mal. Apesar da máxima presente na vida de cada ser humano de que “o bem deve ser feito e o mal evitado”, na prática isto está longe de acontecer, pois entre teoria e prática há uma grande distância. Na década de 50, Pio XII já dizia que a sociedade havia perdido a noção de pecado e a sociedade, mais de 50 anos depois, continua na mesma situação: roubos, assassinatos, corrupção, etc. Não se pode negar que o mal existe e faz parte da natureza humana de forma a corrompê-la, pois a natureza é boa em si, mas o vicio a corrompe.
Santo Agostinho discorreu formidavelmente sobre a questão do mal. Qualquer filosofo que queira tratar sobre este tema, deve voltar neste grande mestre. Apesar disso, a questão do mal está longe de ser esgotada completamente. É o chamado “mistério da Iniqüidade” (II Ts 2:7).

[1] Confissões, VII, p.172
[2] Confissões, VII, p.175
[3] Confissões, VII, p.176
[4] Idem
[5] Idem
[6] Cidade de Deus, IX, p.29
[7] Confissões, XVI, p.191
[8] Cidade de Deus, VI, p.67
[9] Cidade de Deus, VI, p.67 e 68
[10] Cidade de Deus, VIII, p.70

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

-AGOSTINHO, Cidade de Deus: contra os pagãos. Bragança Paulista: Ed. Universitária São Francisco, 2003, parte II

-AGOSTINHO, Confissões. São Paulo: Paulus, 2006

-GILSON, Etienne; BOEHNER, Philoteus, Historia da Filosofia Cristã. Petrópolis: Vozes, 2004

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