O Evangelho da Verdadeira Liberdade
Ora, o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. - Paulo em 2 Co 3:17
A
interpretação mais corriqueira deste pequeno versículo parece sempre
estar ligada a liberdade litúrgica. É muito comum ouvirmos,
principalmente em comunidades mais carismáticas, algo assim: "Irmãos, na
presença do Senhor temos liberdade, podemos cantar em todos ritmos,
dançar como Davi dançou, chorar copiosamente, cair na unção, orar em
línguas o mais alto para que todos ouçam, ou se preferir, ficar em
silêncio contemplativo". Então, no fim da breve ministração concluem
citando o versículo supracitado. É muito bonito, mas este trecho de 2 Coríntios 3 não tem absolutamente, nada haver com liberdade que se expressa no culto.
Liberdade de culto?
Levarei
em conta apenas duas considerações. Em primeiro, a contrário dos mais
tradicionais, penso que a flexibilidade litúrgica traz dinâmica e vida
ao culto. Não creio que o culto cristão, para ser mais solene, deva
assemelhar-se a um funeral, ou deva zelar a todo custo por uma estrutura
tradicionalista, rígida e imutável. Desde que haja ordem e decência
como nos orienta Paulo em 1 Co 14:40,
podemos torná-lo mais feliz, por assim dizer. Não podemos nos esquecer
que nosso povo é expansivo, passional, alegre. Há que se compreender os
aspectos culturais. O culto no Norte do país em uma Assembleia
Pentecostal, será muito diferente do culto celebrado no Sul em um Igreja
Luterana. Por isso, sempre haverá perigo na vã tentativa da
sacralização ou demonização de aspectos culturais "a-morais" e
singulares de cada região.
Erro crasso de interpretação
A
segunda consideração que gostaria de registrar é de natureza
hermenêutica. Como já disse na introdução, a liberdade que o Espírito
promove não tem nada a ver com a vida cúltica. Afirmar isso, além de
reduzir ao máximo o profundo significado do texto, também é um erro
crasso de interpretação. Apenas quem não conhece o contexto imediato do
capítulo 3 do segundo livro aos Coríntios pode dizer que a frase - onde o
Espírito do Senhor está, aí há liberdade - significa liberdade para
"fazer o que der vontade de fazer" no culto.
A verdadeira Liberdade
Então, de que somos libertos afinal? Que espécie de liberdade o Espírito do Senhor promove? Simples, leia todo o capítulo 2 Coríntios 3. Como alguém já disse: texto sem contexto, é pretexto.
A
primeira coisa que deve ficar bem clara é que a liberdade do Espírito
do Senhor, que Paulo discorre em toda perícope, não está de modo algum
relacionada a expressões litúrgicas de culto. Pois a maravilhosa
libertação ocorre em nós, no interior da gente, no modo como nos
relacionamos com Deus em nossos corações, e não fora de nós. Pois é bem
possível que haja pessoas que dançam, correm e pulam no culto, mas em
seu interior são consumidas por um medo angustiante de serem riscadas do
livro da vida, de serem consideradas indignas do Reino, de não serem
amadas incondicionalmente por Deus. Sim, muitas vezes, estão pulando,
dançando, gritando, pois querem convencer a Deus de que são dignas em si
mesmas de obterem a salvação, de que são merecedoras de serem
abençoadas. E neste caso, toda liberdade do culto, em todas suas
expressões, deflagram apenas uma devoção patrocinada pela culpa.
Então,
de acordo com Paulo, seguindo a sequência natural de texto, devemos
afirmar que somos libertos da toda frustração e culpa que provém de
nossas inúteis e arrogantes tentativas de afirmar nossa justiça diante
de Deus mediante a obediência da Lei. Vejamos no Capítulo 3 da Segunda Carta do Ap. Paulo aos Coríntios:
Versículo 3
- Somos libertos pelo Espírito do Deus vivo, de um relacionamento
primitivo que se fundamenta em tábuas de pedra como na Antiga Aliança,
para nos relacionarmos intimamente com Deus, nas tábuas de carne do
coração. Paulo está dizendo, na verdade, que não tinha nenhum código de
leis, regras legalistas, preceitos mosaicos - tábuas de pedra - para
apresentar ao povo de Corinto, como meio de relacionar-se com Deus. Ao
contrário, eles iriam discernir a vontade de Deus, lendo e observando as
tábuas de carne. Ou seja, o modo de viver de um cristão que aprendeu
amar (1 Co 13).
Versículo 6
- Somos libertos para sermos ministros de uma Nova Aliança, não da
letra do Antiga Aliança, mas do Espírito; porque a letra, os códigos, os
preceitos, e as ordenanças da Lei, são as coisas que matam pela
imposição da culpa, mas é o Espírito que vivifica. Posto que a Lei só
serviu para mostrar o quanto somos pecadores e incapazes de cumpri-la.
"Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei
o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja
condenável diante de Deus." (Rm 3:19).
Versículos 7 e 8
- Somos libertos do ministério da morte que foi gravado com letras em
pedras. E que apesar de toda gloria, que estampava-se na face de Moisés,
era transitória e temporal; Ficou velha e caduca, pois Hebreus 8:13 fala: "Dizendo Nova aliança, envelheceu a primeira. Ora, o que foi tornado velho, e se envelhece, perto está de acabar". Fomos chamados a liberdade da gloria do ministério do Espírito, que é infinitamente maior e eterna.
Versículo 9
- Fomos libertos do ministério da condenação, que foi glorioso, mas
muito mais excederá em gloria o ministério da justiça. Sim, a lei -
letra que mata - nos encerrou debaixo do pecado destituindo-nos da
gloria, mas a justiça de Cristo, nos declarou para sempre justos diante
de Rei. Portanto, não há mais condenação (Rm 8:1).
Versículo 11
- Fomos libertos do que era transitório e temporal. E apesar de todo o
esforço dos evangélicos legalistas de reavivar uma Lei para se ufanarem
de seus gloriosos feitos [...] Nós, os que acreditamos na justificação
pela fé, não nos apoiamos em nossa obediência a Lei, que não passam de
trapos de imundícia, pois é por Cristo que temos tal confiança em Deus;
Pois como disse Paulo em 2 Co 3:5 "Não que sejamos capazes, por nós, de pensar alguma coisa, como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus".
Versículo 13
- Fomos libertos da tendência de reproduzir a espiritualidade de
Moisés, que punha um véu sobre a sua face, para que os filhos de Israel
não olhassem firmemente para o fim daquilo que era transitório. Pois
fomos chamados à sermos a semelhança do Filho de Deus, a fim de que ele
seja o primogênito entre muitos irmãos (Rm 8:29).
Versículo 14
- Fomos libertos do endurecimento dos sentidos; libertos do véu que nos
obrigava a guardar a Lei, a qual foi por Cristo abolida. Sim, não somos
mais obrigados a obedecer a Lei como meio de justificação, pois ninguém
nunca será justificado pelas obras da lei (Gl 2:16).
Versículo 18
- Fomos libertos e todos nós, com rosto descoberto, refletimos como um
espelho a glória do Senhor; somos transformados de gloria em gloria na
mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor. A transformação é obra de
Deus, não é algo que possamos fazer por nós mesmos.
Posto
isso, devemos afirmar, de acordo com a consciência do Evangelho, que
toda e qualquer tentativa humana de guardar a Lei, produzirá frustração e
culpa. Sim, ora ficaremos frustrados por descobrir que é impossível
cumprir os preceitos, e automaticamente seremos condenados a estado
crônico de culpa e ansiedade.
Viver segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade
Viver
segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder descansar no fato,
de que tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por
nosso Senhor Jesus Cristo; Pelo qual também temos entrada pela fé a esta
graça, na qual estamos firmes, e nos gloriamos na esperança da glória
de Deus.
Viver
segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é poder seguir rumo ao
alvo, sem ter a necessidade de olhar para as coisas antigas, pois quem
está em Cristo é uma nova criatura, tudo ficou para trás, e novas coisas
se fizeram.
Viver
segundo o Evangelho da Verdadeira Liberdade é não aniquilar a graça de
Deus; porque, se a justiça provém da lei, segue-se que Cristo morreu em
vão. É poder cantar, dançar, pular; ou se preferir ficar em silêncio em
profunda reverência, desde que o coração esteja apaziguado na
maravilhosa graça de Deus.
by Daniel Grubba
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