segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

I TESSALONICENSES 1

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Como em todos os meus comentários, esta exposição de 1 e 2 Tessalonicenses serve como um auxílio à leitura das Escrituras que leva o leitor a alcançar uma compreensão básica do texto e relacioná-lo à doutrina e prática cristãs.
As duas cartas de Paulo oferecem oportunidades para abranger um amplo leque de tópicos. Eles incluem os seguintes:
• a doutrina das Escrituras
• a doutrina da eleição
• a doutrina da segunda vinda de Cristo
• a ressurreição dos mortos
• o “arrebatamento” dos crentes
• a destruição de Jerusalém e do templo judaico, e o massacre e a dispersão dos judeus em 70 A.D.
• perseguição e providência
• a Grande Comissão
• ministério “confrontador”
• a relação da metafísica com a ética, na apologética
• justiça, vingança e expiação
• o pecado da calúnia
• o direito do ministro ao sustento financeiro
• o pecado da preguiça e a política correta para com os preguiçosos
• cessacionismo e profecia
• observações sobre a hermenêutica
Além disso, uma característica marcante deste livro é uma exposição e uma argumentação extensas sobre se os judeus mataram Jesus.

Paulo, Silvano e Timóteo,
à igreja dos tessalonicenses, em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo:
A vocês, graça e paz da parte de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo
A segunda viagem missionária de Paulo começou em Antioquia (Atos 15.30-35). Sua contenda com Barnabé a respeito de Marcos resultou no rompimento de sua parceria original (5.37-39), de maneira que, desta vez, ele escolheu Silas para ir com ele (15.40). eles passaram por Síria e Cilícia, fortalecendo as igrejas (15.40b). Quando chegaram a Derbe, Listra e Icônio, Paulo incluiu Timóteo em sua equipe missionária (16.1-3). A relação entre esses dois se tornaria produtiva, tanto no campo pessoal como no ministerial.
Paulo e os outros trabalharam pela região da Frígia e da Galácia, mas foram impedidos de pregar na província da Ásia (16.6). Quando chegaram à fronteira da Mísia, quase continuaram até a Bitínia, mas o Espírito não lhes permitiu (16.7). Então passaram por Mísia e foram a Trôade (16.8). Ali Paulo teve uma visão que convenceu o grupo que Deus os havia chamado para entrar na Macedônia (16.9,10).
De Trôade eles navegaram à Samotrácia e a Neápolis, e depois viajaram a Filipos (16.11,12). Seu trabalho ali recebe uma descrição mais detalhada em Atos dos Apóstolos. A pregação, no início, foi recebida com algum sucesso (16.13-15), mas depois eles foram confrontados com uma perturbação demoníaca que levou a um tumulto na cidade e à prisão deles (16.16-24). O livramento miraculoso de Deus, junto com sua fé exultante e inabalável, reverteu a sua provação e os pôs em situação vantajosa. Isso resultou na conversão do carcereiro e de toda sua família (16.25-34). Ainda assim, pediram-lhes que partissem e, assim, se foram da cidade (16.35-40) . [1]
Depois que passaram por Anfípolis e Apolônia, chegaram a Tessalônica (17.1). Seu ministério foi bem sucedido, uma vez que persuadiram não só alguns dentre os judeus, mas “muitos” gregos e mulheres de alta posição também se converteram (17.2-4). Mas alguns judeus ficaram com inveja e incitaram alguns maus elementos, se ajuntaram e iniciaram uma perturbação da ordem na cidade contra os crentes. Desse modo, os cristãos levaram Paulo e Silas a partir durante a noite (17.10).
Embora o presente livro seja uma exposição das cartas de Paulo aos tessalonicenses, para melhor compreensão de algumas das observações que farei neste capítulo e noutro posterior, precisamos ir além de Tessalônica na nossa análise sobre a segunda viagem missionária de Paulo. Portanto continuaremos um pouco mais além.
Os cristãos tessalonicenses enviaram Paulo a Beréia (17.10). Seu trabalho lá foi bem sucedido novamente, e muitas pessoas creram, tanto judeus como gregos, homens e mulheres (Atos 17.12). Deles se disse: “Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo” (17.11). A ênfase de Lucas nesse texto é frequentemente mal entendida. Ele não está elogiando os bereanos por seu sadio ceticismo ou discernimento, mas fazendo um contraste entre a receptividade dos bereanos e a intransigência e resistência que muitos dos tessalonicenses mostraram. Enfatizar, inicialmente, ainda que fosse um tipo saudável de ceticismo ou discernimento nos bereanos seria ensinar quase o oposto ao que o verso diz. A atitude elogiada é a receptividade e a abertura ao evangelho. Não se trata da atitude “não creremos a não ser que tenhamos de crer”, mas “creremos de acordo como o que está revelado” . [2] Seja como for, quando os judeus da Tessalônica foram informados do trabalho de Paulo na Bereia, eles foram lá também, “agitando e alvoroçando as multidões” (17.13). Então os crentes escoltaram Paulo até Atenas (17.14,15).
Lucas cobre em detalhes o trabalho de Paulo em Atenas. O apóstolo pregou na sinagoga e na praça principal, e sua controvérsia com alguns filósofos o trouxe diante do Areópago (17.16-21). Uma longa seção é dedicada em transcrever ou resumir a fala de Paulo, um discurso significante que lembra uma apresentação em obras cristãs de teologia sistemática ou filosofia (17.22-31) . [3] Esse esforço foi recebido com algum sucesso – “alguns homens” e alguns “outros” se tornaram cristãos. Entre eles estavam Dionísio, membro do Areópago (17.34). Houve alguma oposição, ainda que em forma de zombaria que os distúrbios violentos incitados pelos judeus em outros locais (17.18,32).
A perseguição mais perigosa sempre virá daqueles que se consideram povo de Deus. Jesus disse: “Vocês serão expulsos das sinagogas; de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que está prestando culto a Deus” (João 16.2). Do mesmo modo, um ministro do evangelho descobrirá frequentemente que seus maiores inimigos consistem naqueles que professam ser crentes, os que se dizem cristãos, mas que observam tradições e personalidades humanas ao invés de mandamentos e ensinos de Deus.
Depois Paulo deixou Atenas e entrou em Corinto (18.1). Sua pregação ali foi eficaz, já que um chefe da sinagoga e toda sua casa, juntamente com muitos dos outros coríntios que ouviram o evangelho, creu no Senhor. Mas os judeus novamente se opuseram ao evangelho e “lançavam maldições” [N. do T.: “became abusive” = tornaram-se ofensivos] (18.6). Eles tentaram manipular Gálio, o procônsul, mas ele os descartou, uma vez que Paulo não cometera nenhum crime (18.12-17). Assim Paulo permaneceu em Corinto por mais algum tempo (18.18).
Depois disso, Paulo navegou até a Síria, parando em Éfeso, que ficava no percurso (18.18,19). Ele foi à sinagoga e debateu com os judeus; quando lhe pediram que ficasse mais, ele recusou, mas disseque voltaria (18.19-21). Então ele foi a Cesaréia e finalmente voltou à Antioquia (18.22).
Há um padrão que se repete nessa narrativa da segunda viagem missionária de Paulo. Sempre que ele entrava num novo lugar, entrava primeiro na sinagoga local e debatia com os judeus, mostrando, pelas Escrituras, que Jesus de Nazaré era o Cristo, que ele deveria sofrer e morrer, e ser ressuscitado dos mortos. Isso não significa que seu ministério fosse limitado às sinagogas; apenas que ele tentaria primeiro persuadir os judeus locais a respeito da verdade do evangelho. A seguir, alguma perseguição irrompia, comumente incitada pelos judeus que eram resistentes à verdade e com ciúmes do sucesso de Paulo, de maneira que o apóstolo e seus companheiros tinham de deixar aquele lugar e continuar sua viagem.
Partindo desses dados, podemos fazer algumas observações sobre as funções e os efeitos da perseguição em relação ao progresso do evangelho.
Primeiro, a perseguição constantemente impulsionou Paulo e seus companheiros a prosseguir em sua missão. Eles prosseguiam de local a local bastante rapidamente, sempre permanecendo o suficiente para deixar o trabalho pronto, mas raramente ficando mais que o necessário. Quando a perseguição eclodiu contra a igreja em Jerusalém, em Atos 8, os cristãos se dispersaram pela Judéia e Samaria, e “Os que haviam sido dispersos pregavam a palavra por onde quer que fossem” (verso 4). Assim, a perseguição é uma manifestação da providência divina que facilita a difusão do evangelho.
Segundo, a perseguição evitava que a jovem igreja começasse com o fardo dos falsos crentes que professariam a religião cristã por curiosidade ou emoção. É claro que tal confissão não vem de uma fé genuína e não resulta em mudança de pensamento e de comportamento, nem tampouco leva à salvação da alma. Uma congregação sobrecarregada por um grande percentual de falsos crentes terá problemas em afirmar as doutrinas apropriadas e em se governar corretamente, e terá dificuldades em se relacionar com os de fora de um modo que honre a doutrina de Cristo e o poder do Espírito, e de um modo que a diferencie corretamente do reino das trevas.
Por outro lado, é mais provável que uma igreja nascida no meio da perseguição seja composta de indivíduos comprometidos em professar o evangelho pela força de sua verdade e pela obra do Espírito em seus corações. Eles não têm ilusões sobre o que o cristianismo lhes oferecerá e requererá deles. Sobre quem não possui a fé genuína, Jesus explica: “Todavia, visto que não tem raiz em si mesmo, permanece pouco tempo. Quando surge alguma tribulação ou perseguição por causa da palavra, logo a abandona” (Mateus 13.21). Discípulos verdadeiros são aqueles que abandonariam tudo para seguir a Cristo (Lucas 14.26, 27, 33), que põem a mão no arado e não olham para trás (Lucas 9.62). Portanto, a perseguição é também uma manifestação da divina providência que serve para manter a pureza da igreja.
Os cristãos oram, se preocupam, planejam, conspiram, se comprometem, suplicam, imploram, ameaçam, atraem, e ficam treinados em ajuntar mais pessoas em suas igrejas. É um desejo legítimo se isso significa que desejamos pregar o evangelho para que as pessoas creiam e se tornem membros fiéis de nossas congregações. Mas um assunto quase tão urgente quanto esse outro é como poderemos excluir de nossas igrejas o número impressionante de falsos crentes que temos acumulado pelos anos. Como disse um pregador, “Homens não regenerados resultam em péssimos cristãos”. Entre outras coisas, uma pregação bíblica e uma forte perseguição afastarão aqueles que se recusam a crer, contudo ainda desejam manter sua reputação de cristãos.
Agora, qualquer coisa que possa ser feita através de perseguição, pode se feita pela Palavra de Deus sozinha. Por exemplo, uma pessoa que se torna ciente do tratamento áspero que experimentaria como crente pode aprender sobre isso através das Escrituras antes de – e independente de – qualquer perseguição. Uma pessoa cuja falsa fé foi evidenciada em virtude de sua incapacidade de resistir à atribulação poderia ter descoberto isso através de auto-exame, pela Palavra de Deus. Não obstante, nem todos os homens são honestos, e a perseguição frequentemente os força a se tornar pelo menos um pouco mais honestos consigo mesmos e para com o mundo.
O terceiro ponto é resultado dos dois anteriores, ou seja, a perseguição não indica a desaprovação de um ministério por Deus. É um equívoco presumir que se um ministério está dizendo e fazendo o que Deus ordenou, então ele cumprirá sua missão sem oposições (perseguição), obstáculos (atrasos, limitações etc.) e contratempos. Essas coisas são, muitas vezes, ferramentas providenciais pelas quais Deus produz os efeitos exatos desejados através do ministério. Elas servem para manter um nível de eficiência, pureza e honestidade, entre os ministros e os convertidos.
O quarto ponto é conseqüência do terceiro, e apresenta outra razão por que um ministério legítimo pode enfrentar oposição, e até perseguição, que frequentemente parece atrapalhar sua missão e seu progresso. E a razão é que os cristãos são chamados não apenas para ajuntar e instruir os eleitos – esse é apenas um aspecto específico do seu chamado. Antes os cristãos são chamados para serem testemunhas do Senhor Jesus. Em outras palavras, os cristãos representam e testemunham para o mundo a verdade, o poder e a graça de Deus, e a razão para o fazerem não é apenas atrair aqueles que Deus escolheu para a salvação, mas também provocar as reações negativas dos preteridos, de modo a expressarem com suas palavras e obras o que está em seus corações, isto é, a perversidade e a rebelião que estão dentro deles.
Os homens são testados e expostos pela sua resposta a um ministério que proclama a Palavra do Senhor pelo poder do seu Espírito. Os eleitos são despertos, convertidos e edificados, mas os preteridos perseguem tal ministério. Logo os não-cristãos testificam contra si mesmos perante Deus pelo modo como ridicularizam e se opõem aos crentes e pregadores do evangelho. Cada caso de perseguição é outro exemplo pelo qual Deus demonstra ao mundo a perversidade e obstinação daqueles que rejeitam o Cristo. Cada caso de perseguição é outra afirmação da justiça de Deus em Sua condenação contra todos os pecadores. João 3.19 diz: “Este é o julgamento: a luz veio ao mundo, mas os homens amaram as trevas, e não a luz, porque as suas obras eram más”. E assim, Paulo escreve: “porque para Deus somos o aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e os que estão perecendo. Para estes somos cheiro de morte; para aqueles, fragrância de vida” (1 Coríntios 2.15,16; tb. 1 Tessalonicenses 2.14-16).
Compreender isso nos capacita a manter uma atitude exultante diante da perseguição e a combater a dúvida e o desencorajamento. A aprovação do homem não valida um ministério, do mesmo modo que a rejeição do homem não o desqualifica. Somente a Palavra de Deus, o padrão que foi revelado e estabelecido por revelação divina, é o juiz verdadeiro e final. Mas ainda que falemos isso com esse tom de triunfo, a dor da perseguição é real e intensa naqueles que a precisam suportar. Portanto, tenhamos em mente o sofrimento de nossos irmãos crentes, e oremos por aqueles que têm de suportar a provação por amor ao evangelho.
Nosso presente estudo se trata das duas cartas que Paulo escreveu à igreja em Tessalônica. Aquele centro comercial e político era um porto marítimo situado no entroncamento com uma estrada romana mais importante. É fácil compreender por que ele teria sido um local estratégico para a promoção do evangelho. E de fato, as notícias a respeito dos cristãos tessalonicenses se espalhavam rapidamente pela Macedônia, Acaia, e “por toda parte” (1 Tessalonicenses 1.7,8), em parte por causa do fácil acesso e do tráfego intenso para dentro e fora da cidade.
Atos 17 declara que Paulo entrou na sinagoga e pregou “por três sábados” (v. 2). O texto, então, rapidamente passa a descrever a perseguição pelos judeus (v. 5-9) e a saída de Paulo da cidade (v. 10). Por causa disso, alguns comentaristas têm a impressão de que sua permanência em Tessalônica se estendeu por apenas três semanas. Contudo, existem razões, umas mais fortes que outras, para crer que Paulo permaneceu na cidade por um período mais longo . [4]
Tem sido destacado que, quando Paulo partiu de Tessalônica, a igreja já incluía crentes que haviam sido convertidos da idolatria, ou seja, cristãos gentios (1 Tessalonicenses 1.9). A partir desse fato, é possível deduzir que o ministério de Paulo ali não se limitou a pregar na sinagoga. Ele não pregou apenas aos judeus, mas também aos gentios. Não obstante, isso tem valor duvidoso como argumento para tentar demonstrar que Paulo tenha permanecido naquele lugar por mais de três semanas. Isso porque o texto diz que ele pregou na sinagoga por três sábados, mas não diz que ele deixou de pregar entre os sábados.
Outro argumento é que Paulo e seus companheiros “trabalharam noite e dia” para se manter enquanto estavam ali (1 Tessalonicenses 2.9; 2 Tessalonicenses 3.8). Seu exemplo era forte o bastante para demonstrar um padrão de vida tão óbvio que Paulo podia citá-lo como base para instrução e, talvez, também para defender sua integridade contra a calúnia .[5] Um argumento mais confiável é que Paulo tenha recebido pelo menos dois presentes dos cristãos filipenses enquanto estava na Tessalônica (Filipenses 4.16). É possível que todas essas coisas tenham ocorrido dentro de três semanas, mas é também possível, e alguns acham mais provável, que ocorreram num período mais longo. Seja como for, se Paulo permaneceu em Tessalônica por mais do que três semanas, isso não faz qualquer diferença decisiva em nossa interpretação de qualquer porção das duas cartas.
Por outro lado, é importante reconhecer que essa igreja nasceu sob perseguição e continuou sob perseguição. A explicação em Atos descreve apenas um caso (17.5-9). Pelo fato de que a permanência de Paulo em Tessalônica, provavelmente, foi curta, ainda que possa ter sido superior a três semanas, e porque a igreja ali nasceu sob perseguição e continuou sob ela, ele estava preocupado sobre se seu trabalho ali criaria raízes e permaneceria. Por essa razão, Timóteo foi mandado de volta a Tessalônica. Como Paulo explica, “e, assim, enviamos Timóteo… para fortalecê-los e dar-lhes ânimo na fé, para que ninguém seja abalado por essas tribulações… enviei Timóteo para saber a respeito da fé que vocês têm, a fim de que o tentador não os seduzisse, tornando inútil o nosso esforço” (1 Tessalonicenses 3.2,3,5). Um aspecto essencial do ministério evangelístico é “fortalecer e dar ânimo” aos cristãos, tanto velhos como novos.
Sua primeira carta aos tessalonicenses foi escrita em resposta ao relatório de Timóteo, positivo no geral, sobre a condição daqueles crentes (1 Tessalonicenses 3.6). Provavelmente foi enviada de Corinto, em 50 ou 51 AD. Ele lhes escreveu uma segunda carta não muito depois. Consideraremos os problemas específicos que podem ter movido Paulo a escrever essas cartas, à medida que formos chegando aos versos relevantes.

Sempre damos graças a Deus por todos vocês, mencionando-os em nossas orações.
Em suas tentativas para frear o egoísmo na oração, os pregadores algumas vezes exortam os crentes a reduzir o tempo aplicado em fazer pedidos para suas próprias necessidades e aumentar o tempo gasto em fazer petições em favor de outros, ou seja, devotar mais atenção na oração intercessória. Depois, em suas tentativas para frear uma falta de equilíbrio ou uma atitude de “receber” de Deus, eles às vezes exortar os crentes a reduzir o tempo aplicado em toda e qualquer petição e aumentar o tempo gasto em outros aspectos ou formas de oração, tais como adoração, ações de graças, confissão, e daí por diante. Ambas as recomendações são equivocadas e destrutivas. Isso porque, embora os problemas percebidos sejam reais, e perigos de fato, presentes, as soluções propostas são antibíblicas e vão contra os ensinos e as ênfases das Escrituras.
Por toda a Bíblia, o povo de Deus é incentivado a fazer petições diretas a Deus, fazer-Lhe pedidos. O Pai nos manda pedir (Jeremias 29.12), o Filho nos manda pedir (Mateus 7.7), Paulo nos manda pedir (Filipenses 4.6), e Tiago nos manda pedir (Tiago 4.2). A Bíblia não nos diz para parar de fazer petições, ou fazer petições em favor de outros como uma prescrição para curar o egoísmo em nós mesmos. Devemos enfocar o próprio egoísmo e não em qual seja a prática legítima para fazer petições a Deus. De fato, não há necessariamente uma relação entre as duas coisas. Uma pessoa que faz pedidos constantes pode de fato não ser egoísta, e seu comportamento pode muito bem ser uma expressão de sua fé em Deus, ou seja, sua confiança no poder divino (que Deus é capaz), e sua dependência da graça divina (que Deus está disposto). Uma petição reverente dirigida a Deus não brota de um motivo perverso e temeroso, mas é um reconhecimento da soberania e bondade de Deus, que Ele está no controle e que Ele é misericordioso para abençoar, ajudar e libertar.
É difícil perceber a motivação de uma pessoa por meio de sua conduta exterior somente. Algumas inferências são possíveis, especialmente se duas palavras e ações revelarem pensamentos e disposições específicas do coração. Mas o simples fato de haver petições constantes não implica num desequilíbrio espiritual. Isso é o que deveríamos esperar de alguém que crê e obedece às instruções de Deus.
Podemos não saber o motivo de alguém que faz constantes petições a Deus, mas certamente sabemos que há algo errado com a pessoa que não o faz, pois ela desobedece aos ensinamentos das Escrituras. Além disso, a natureza das petições sugere diversos motivos possíveis pelos quais a pessoa não as faz. Talvez esteja cheia de orgulho, ou de uma atitude auto-suficiente, e pensa que ela mesma pode suprir suas próprias necessidades e resolver seus problemas da sua maneira e por sua capacidade. Talvez esteja cheia de incredulidade e por isso não creia que Deus responda à oração, e que fazer petições a Deus é um uso improdutivo de seu tempo e energia. Talvez, por alguma razão, esteja cheia de amargura contra Deus, de tal modo que está relutante em se humilhar e submeter seus pedidos a Deus . Se essa pessoa ora por outros e não por si mesma, isso não indica falta de egoísmo, mas pode-se deduzir que ela pensa que outras pessoas precisam de Deus, mas não ela.
De igual modo, é legítimo manter alguma suspeita sobre aqueles que ensinam que devemos diminuir nossa atenção a petições por nós mesmos ou que devemos focar as petições por outros e não por nós mesmos. Se esse é o modo como ensinam, então essa é provavelmente sua própria atitude com respeito à oração de súplicas. A menos que eles ensinem contra a ênfase na petição mas ainda assim o façam sempre em secreto, e nesse caso são hipócritas, então eles não percebem a necessidade e a legitimidade da súplica constante, e isso é um desconhecimento de instruções bíblicas sobre o assunto.
Os cristãos devem ser encorajados, mesmo ordenados, a fazer mais súplicas. Se devemos levar a sério as instruções bíblicas acerca do assunto, cada indivíduo deve fazer mais petições por si mesmo, e ser consistente e persistente em fazê-lo. Se o motivo é algum problema, a solução não é se afastar de Deus ou de seus mandamentos, mas olhar para Ele. Assim, a solução para motivações e atitudes erradas não é desencorajar as súplicas nas orações, mas ensinar sobre essas atitudes e motivações erradas, e suplicar por atitudes e motivações corretas. A solução para os problemas associados à petição é fazer petições sobre esses problemas. Isto é, os problemas com as súplicas são resolvidos através de mais súplicas. É Deus que nos concede o discernimento para perceber nossos próprios defeitos, depois o desejo de mudar, e o mover interior que produz a súplica por um coração puro.
Depois há uma tendência a desencorajar a súplica por coisas materiais, por coisas pertinentes às nossas circunstâncias, nossas finanças, nossa saúde e assim por diante, e focalizar nosso esforço em suplicar por bênçãos e progresso espirituais. As críticas anteriores se aplicam igualmente a esse ponto de vista, pois é como se a pessoa reconhecesse sua necessidade do suprimento de Deus para suas carências espirituais, mas não para suas necessidades materiais. Jesus, por outro lado, instrui seus discípulos a pedir seu pão de cada dia. Ele diz também: “Peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa” (João 16.24). Logo, minha postura é que eu preciso de Deus, agora e em cada momento, e para todas as coisas. Assim, eu peço e Ele atende, e ele reponde e abençoa. Seu suprimento não se restringe às minhas petições, ou eu teria muito pouco. Ele dá mais do que eu peço, uma vez que sou limitado naquilo que consigo perceber, pensar, lembrar e expressar, mesmo sobre minhas próprias necessidades e desejos. Contudo eu devo trazer a Ele todos os pedidos que me vêm à mente, e todas as necessidades e desejos que eu possa reconhecer em minha vida.
Não obstante, é verdade que, para muitas pessoas, orar é o mesmo que fazer súplicas a Deus, sempre excluindo os outros aspectos da oração, e isso precisa ser corrigido. Para fazer essa correção, ou para encorajar o “equilíbrio” na oração, diversos itens ou categorias são às vezes indicados. Eles incluem adoração, confissão, ações de graças e súplica. Uma vez que são ensinados nas Escrituras, é também apropriado que os ensinemos. Contudo, devemos evitar prescrever regras rígidas, como ordenar que tais pontos sejam seguidos e qual a proporção que cada item deve ocupar.
Por exemplo, existe um ensino pelo qual devemos sempre chegar a Deus primeiro pela adoração. Podemos listar pelo menos três problemas com isso. Em primeiro lugar, a própria Bíblia não ensina isso. Não há um ensino explícito prescrevendo isso, e só porque algumas orações na Bíblia começam por adoração, isso não significa que todas as orações na Bíblia comecem dessa maneira, nem que as nossas devam começar assim. Segundo, há o problema prático de se decidir onde uma oração termina e a próxima inicia. Isto é, se depois de despender algum tempo em adoração, durante a oração matinal, eu deixo o quarto para tomar um copo d’água, então volto ao quarto para orar; é a mesma oração ou uma nova? Se é uma nova, então terei de começar pela adoração de novo. E se trinta segundos de ausência não quebra uma sequência de oração, que tal trinta minutos? Se eu desejo orar à tarde, devo começar por adoração de novo? Quem decide? Onde isso está na Bíblia? Terceiro, esse ensino que exige a alguém que comece com adoração eliminaria uma oração legítima como “Deus, salva-me!”. Se o ensino é que as orações devem comumente começar com adoração, isso é melhor, mas, na falta de uma afirmação explícita das Escrituras, ou um levantamento estatístico partindo de exemplos bíblicos, mais um princípio que nos permita fazer uma inferência forçada desse levantamento, tal ensino será nada mais seria que uma sugestão.
Pronunciamentos legalistas, ainda quando criados para se contrapor a um problema genuíno, causa servidão e destruição. Ao invés disso, apenas digamos que deveríamos incluir a adoração (ou confissão, ou ações de graças) em nossas orações. Mas quem nos obrigará a fazê-lo, se não observamos uma ordem ou planejamento prescrito cada vez que orarmos? Nós o faremos se desenvolvermos qualidades interiores que se expressem naturalmente em adoração, confissão e ações de graças. Estas são produzidas por ensinos bíblicos sólidos e pela obra contínua do Espírito em nossos corações.
Então podemos dizer que a oração não deverá consistir em súplicas somente. Talvez seja melhor dizer isso a partir de um ângulo positivo, isto é, há outras razões pra oração além de fazer súplicas. Mais que incluir pela força ou de um modo artificial as coisas que estão faltando, podemos nos fazer lembrar de várias coisas sobre Deus e nossa grande salvação que nos moverá naturalmente a buscar outras formas e expressões de oração. Ao invés de apoiar um conceito vazio de adoração na oração e então tentar trazer à tona coisas sobre Deus para aqueles que O adoram, podemos nos trazer à memória coisas sobre Deus que naturalmente nos moverão a expressar-Lhe nossa adoração. Essa é outra maneira de dizer que se nossos lábios se movem para Deus, mas nossos corações estão longe dele, então nossas orações são vazias, ainda que pensemos ter coberto todos os itens exigidos, na ordem correta e nas proporções devidas.
Ações de graças são outro aspecto da oração. Paulo não começa sua carta dizendo que faz exigências a Deus em favor dos Tessalonicenses. Seguramente eles têm suas necessidades e problemas, mas essa não é a única razão para que Paulo falasse com Deus sobre aqueles crentes. Antes, ele primeiro dá graças a Deus por eles, pelo que eles já estão conseguindo, pelas coisas boas que Deus tem realizado entre eles. Qualquer coisa boa que seja encontrada neles é uma obra de Deus; assim, Paulo não pede a Deus que agradeça aos tessalonicenses por seu invejável comprometimento com o evangelho, mas agradece a Deus por produzir fé e santidade entre eles. Uma doutrina de autonomia humana dá espaço a uma gratidão de coração dividido.
Ações de graças necessitam que nos lembremos da graça divina, um chamado ao significado da generosidade e fidelidade de Deus para conosco. Requer uma gratidão sincera, pois é difícil agradecer a Deus sinceramente e sem reservas pelas coisas que você tem, ao mesmo tempo em que se ressente de Deus por coisas que você não possui. É claro que o motivo de uma pessoa raramente é perfeito, e o ato de agradecer poderia se focalizar na bondade de Deus cada vez mais, afastando qualquer descrença e amargura encobertas para com Deus.
Ações de graças são uma expressão de um coração crente e regenerado. Os preteridos não dão graças a Deus (Romanos 1.21). Embora os não-cristãos às vezes demonstrem gratidão, esta nunca é direcionada a Deus, uma vez que, por definição, eles não creem no Deus verdadeiro, mas eles a direcionam a seres humanos ou a falsos deuses, os quais consistem em demônios ou entidades imaginárias. Assim, quando um não-cristão pensa que algo bom aconteceu, se ele demonstrar gratidão por isso, é dirigida a um ser humano, um demônio ou a uma ilusão, e não ao Deus verdadeiro.
Isso significa que sempre que um não-cristão demonstra gratidão, está atribuindo crédito por alguma coisa boa (ou que ele veja como boa) a uma criatura – por vezes até ao diabo – e não ao Criador. Isso, por sua vez, significa que sempre que um não-cristão demonstra gratidão, ele está demonstrando sua falta degratidão à verdadeira fonte de todo o bem e o único que merece tal gratidão. Todas as vezes em que ele mostra gratidão a outrem, está esfregando na face de Deus a sua falta de gratidão.
Logo, sempre que um não-cristão expressa gratidão (ele nunca agradece ao Deus verdadeiro, ou não seria um não-cristão), ele zomba e irrita a Deus, e desse modo peca contra Ele. Nos não-cristãos, a gratidão é uma exclusão e um escárnio ao Criador, pois criaturas pecaminosas mostram apreciação apenas a outrem. Claro, não expressar agradecimentos a ninguém é também algo pecaminoso, pois segue-se que nenhuma gratidão será expressa ao Deus verdadeiro. Os não-cristãos nada podem fazer de bom. Todos os seus pensamentos, palavras e ações, são perversas o tempo todo.

Lembramos continuamente, diante de nosso Deus e Pai, o que vocês têm demonstrado: o trabalho que resulta da fé, o esforço motivado pelo amor e a perseverança proveniente da esperança em nosso Senhor Jesus Cristo.
Paulo dá graças a Deus porque os tessalonicenses estão mostrando sinais de fé, amor e esperança. Essas são três supremas virtudes de cristãos genuínos e em crescimento.
A fé produz as obras ligadas a ela. A fé é assentimento, um assentimento genuíno brotado e sustentado pelo Espírito numa pessoa, a um sistema de crença que foi revelado por Deus. Esse sistema, ou cosmovisão, é a religião cristã. Podemos dizer isso de diferentes maneiras, para enfatizar aspectos diferentes dela, mas a fé é um assentimento genuíno ao evangelho, à Bíblia, ao Cristianismo e a Jesus Cristo, ou seja, a verdade sobre Ele ou o que foi revelado sobre Ele.
Porque a religião cristã insiste em certas qualidades interiores e ações exteriores, o assentimento genuíno a ela será necessariamente acompanhado por essas qualidades e ações. Porque a fé afirma a divindade e o senhorio de Jesus Cristo, logo ela necessariamente produz obediência aos Seus ensinos e mandamentos. E porque a fé pressupõe uma obra de Deus no coração, pela qual Ele transforma o indivíduo e lhe concede disposições piedosas, assim estas naturalmente serão encontradas no indivíduo que tem fé. As obras de fé, então, incluirão obediência para com os mandamentos bíblicos, compaixão pelos enfermos e necessitados, ardor em sofrer por razões justas, intrepidez no falar e no agir e iniciativas ousadas para promover o evangelho.
Agora, existem várias motivações erradas para o trabalho espiritual. Alguns desempenham o trabalho ministerial por vanglória, para impressionar outros e ser admirados por eles. Alguns são tomados por um senso de ambição – o mesmo tipo de ambição que os homens têm por carreiras e conquistas seculares, mas aplicado ao trabalho ministerial. Se há alguma razão ou necessidade para isso, eles querem ser melhores que todos os outros, ou pelo menos melhores que alguns indivíduos específicos que eles têm em mente, porque o pensamento de serem menos bem sucedidos que eles é insuportável. Junta-se a isso a motivação para prejudicar e humilhar . É possível buscar o que parecem ser projetos espirituais valiosos por nenhuma outra razão que a malícia e a vingança. É claro que essas motivações erradas, e muitas outras que não foram mencionadas, tendem a estar juntas. Elas são contra o espírito de Cristo e precisam ser expulsas do coração.
O amor é a única motivação para o trabalho espiritual digna do evangelho. Ao contrário da opinião do mundo e mesmo da maioria dos ensinos cristãos, esse amor é, principalmente, não uma emoção, ou um sentimento, mas uma disposição que se preocupa com as coisas de Deus, em honrar Seu nome e obedecer aos Seus mandamentos, e que se preocupa com o bem-estar de outras pessoas, independente de qualquer emoção ou sentimento. Uma pessoa que ama pode regularmente experimentar algumas emoções ou sentimentos que parecem concordar com tal disposição, mas ela pensa e age com amor – ou seja, uma obediência sacrificial à lei de Deus sobre como se relacionar com Deus e com as pessoas –, não importa se está ou não experimentando essas emoções e sentimentos. O amor cristão dirige as emoções e os sentimentos, ao passo que o amor não-cristão, que absolutamente não é amor, define o amor em si mesmo por suas emoções e sentimentos; e então permitem que o amor siga flutuando com essas emoções e sentimentos. Os cristãos que definem o amor como uma emoção ou sentimento endossam uma característica não-cristã como a suprema virtude e contribuem para o declínio espiritual e ético da igreja no mundo. O amor verdadeiro é bíblico, inteligente, sacrificial, consistente e persistente.
A esperança produz perseverança. Se devemos entender a ligação entre as duas, precisamos primeiro compreender o significado de esperança. Ao contrário de algum uso popular, a esperança, nas Escrituras, não é o mesmo que um desejo. Não se trata de algo que desejamos possuir, mas poderíamos ou não obter. Não é algo que desejamos que aconteça, mas que pode ou não acontecer. E não é algo que vamos produzir ou alcançar por nós mesmos, nossa própria habilidade e engenhosidade. Antes, a esperança cristã se refere a algo que Deus concebeu, ordenou e prometeu, e é algo que certamente acontecerá. Para o cristão, ter esperança é aguardar com ânsia algo que Deus prometeu, e ele pode contribuir e se beneficiar dessa esperança, por causa de sua união com Jesus Cristo.
Essa esperança está posta em Jesus Cristo, de modo que, ainda que se refira a coisas que acontecerão no futuro, em certo sentido é para nós uma realidade presente e uma certeza presente. Isto porque Ele já se revelou a Si mesmo em nós. Nós conhecemos essa Pessoa agora, e nossos corações estão cheios agora. O cumprimento da promessa não está inteiramente no futuro, mas Ele já nos salvou, e já temos recebido Dele agora. Nossa esperança não é um pensamento desejoso, uma expectativa sem base, ou uma ilusão vazia, mas é uma certeza futura baseada na realidade presente.
Temos Dele conhecimento, fé, poder, amor, virtudes, Seu Espírito e “todas as bênçãos espirituais” (Efésios 1.3). Temos salvação agora. Temos o conhecimento de Deus agora – isto é, nós O conhecemos agora. Temos uma relação filial com Deus agora. E, ainda que muitos crentes renunciassem ao seu direito de nascimento para proteger uma tradição ou uma falsa humildade, nós temos respostas racionais, coerentes e abrangentes para todos os problemas finais agora. Deus deu todas essas coisas através das Escrituras e por Seu Espírito. Ainda assim, todas essas coisas, Ele diz, apenas representa um depósito para as coisas maiores que Ele nos dará abundantemente no tempo por vir. Isso é o que um cristão precisa entender por esperança.
Não há dúvida de que aqueles que se apossam disso gritam e saltam de alegria. E não há dúvida que aqueles que têm essa esperança possuem grande perseverança. Esta não é uma qualidade passiva, mas uma virtude ativa. Ela nos dá energia para perseguir aquilo que Deus nos ordenou que fizéssemos. Como Jesus, que “pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz” (Hebreus 12.2), igualmente consideraremos “que os nossos sofrimentos atuais não podem ser comparados com a glória que em nós será
revelada” (Romanos 8.18). E, outra vez, essa perseverança não é uma força produzida por uma ilusão ou engano, pois já temos recebido um depósito, e já fomos enriquecidos por ele. A esperança futura refere-se à nossa herança completa,mas aqueles que creem já experimentam sua realidade. Assim, temos a percepção de que mesmo aquelas coisas que parecem nos prejudicar e opor-se a nós são apenas passos que nos levam mais perto do final glorioso que o Pai prometeu.
Em contraste, os não-cristãos não têm qualquer esperança. Eles nada têm. Não têm as respostas de coisa alguma a respeito de coisa alguma. Não podem provar qualquer das coisas que eles alegam conhecer. Não podem demonstrar que suas cosmovisões contenham algo verdadeiro ou confiável nelas. E eles não têm qualquer base para pensar que obterão reconhecimento ou salvação, ou que alguma coisa positiva lhes acontecerá no futuro. Para eles, esperar seja o que for seria um pensamento ilusório e de mero desejo.
Nosso conhecimento de Deus no presente forma a base de nossa esperança para o futuro, e essa esperança, por sua vez, enriquece a nossa compreensão acerca do presente. Nós não apenas podemos interpretar qualquer evento do passado e do presente acerca da redenção de Cristo, antecipada e depois consumada, mas podemos também interpretar qualquer evento passado ou presente sob a luz do que nós sabemos que Deus tem reservado para o futuro. Os não-crentes não podem fazê-lo. Por não conhecerem a Cristo, a Luz dos homens e a Luz do mundo, eles estão completamente no escuro sobre qualquer coisa, em qualquer momento. Eles não têm qualquer compreensão do presente e nenhuma esperança para o futuro. Estão perdidos, ignorantes e miseráveis.

Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu…
A soberania de Deus é basilar à teologia cristã. Isso porque “Deus” não é uma palavra ou som vazio, mas se refere a uma pessoa com características definidas, e uma delas é a qualidade singular de absoluta e completa soberania sobre todas as coisas, incluindo cada evento da Criação, e até mesmo cada pensamento e decisão da mente humana. Essa característica de soberania O define, e, visto que ela é o que é – uma qualidade absoluta e completa – exclui qualquer outro ser referencial, de tal maneira que a palavra “Deus” pode referir-se a um Ser apenas, ou seja, aquele que possui essa qualidade de soberania completa.
Por extensão, a doutrina da eleição é o fundamento da soteriologia cristã, uma vez que se trata de uma aplicação da soberania de Deus à salvação de indivíduos. A doutrina sustenta que, na eternidade, antes que o universo fosse feito, Deus havia selecionado um número imutável de indivíduos específicos para salvação em Cristo, e Ele não o fez baseado na fé e nas obras, ou qualquer outra condição, nos indivíduos assim selecionados. Ao invés de escolher um indivíduo por causa de alguma fé vista anteriormente, o indivíduo eleito recebe a fé pelo fato de Deus tê-lo escolhido primeiro.
O arminianismo se opõe a essa doutrina bíblica. Seus proponentes mudam a eleição divina em uma reação de Deus ao que escolhemos, de tal modo que o nós escolhermos Cristo é logicamente precedente a Deus nos escolher, e assim meros seres humanos determinam a vontade de Deus na salvação. Contra essa heresia, Paulo declara: “Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu”. É Deus que soberanamente escolhe o eleito, assim Paulo diz: “Ele os escolheu” e não “Ele aprovou a escolha de vocês”. Se Deus meramente aceita nossa escolha, então Ele não nos escolhe em qualquer sentido real do termo. Mas Jesus diz: “Vocês não me escolheram, mas eu os escolhi” (João 15.16). Logo, o arminianismo é falso.
O resultado da eleição é reprovação. Assim como Deus escolheu aqueles indivíduos que seriam salvos, Ele também, deliberada e individualmente (isto é, “pelo nome”) decretou a condenação de todos os outros. Muitos daqueles que aceitam a doutrina da eleição rejeitam, contudo, a doutrina da reprovação. No entanto, da mesma forma que a eleição é uma conclusão necessária a partir da soberania de Deus, a reprovação é igualmente verdadeira, senão pelo simples fato de ser uma necessidade lógica, mas também por ser embasada pelo ensino bíblico direto. Aqueles que rejeitam a doutrina o fazem embasados por seu preconceito irracional, e não em argumento bíblico ou inferência lógica.
Uma objeção comum é que essa doutrina bíblica da soberania divina remove ou contradiz a responsabilidade moral do homem. Isto é, se Deus controla todas as coisas, incluindo crenças, pensamentos, decisões e ações humanas, então parece a algumas pessoas que o homem não poderia ser moralmente responsabilizado por coisa alguma. Contudo, o homem é responsável precisamente porque Deus é soberano, uma vez que se uma pessoa é responsabilizada, isso quer dizer que deverá prestar conta de suas ações, que ele será recompensado ou punido, de acordo com determinado parâmetro de certo e errado. Assim, a responsabilidade moral tem a ver com se Deus decretou um julgamento final e se Ele tem o poder para fazer cumprir esse decreto. Isso não depende de qualquer “livre arbítrio” do homem. De fato, uma vez que a responsabilidade humana depende da soberania divina, e uma vez que a soberania divina de fato contradiz a liberdade humana (não a responsabilidade humana), isso significa que o homem é responsável precisamente por não ser livre.
O homem é responsável porque Deus recompensará a obediência e punirá a rebelião, mas isso não significa que o homem seja livre para obedecer ou se rebelar. A autonomia é uma ilusão. Romanos 8.7 explica: “a mentalidade da carne é inimiga de Deus porque não se submete à Lei de Deus, nem pode fazê-lo”. A Bíblia nunca ensina que o homem é responsável por seus pecados por ser livre. Isto é, o homem é responsável por seus pecados não porque seja livre para agir de outra forma – esse verso diz que ele não é livre, mas que é contado como pecador. Se o homem é ou não responsável, isso nada tem a ver com a questão se ele é livre ou não, mas se Deus decide tê-lo como responsável. E o homem é responsável porque Deus decidiu julgá-lo por seus pecados. Desta forma, a doutrina da responsabilidade humana não depende o ensino antibíblico do livre arbítrio, mas da soberania absoluta de Deus.
A questão passa, então, a ser de justiça, ou se é justo Deus punir aqueles que predestinou para condenação. Paulo antecipa essa questão em Romanos 9.19 e escreve: “Mas algum de vocês me dirá: ‘Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?’” Ele replica: “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” (verso 20). Deus legisla com autoridade absoluta; ninguém pode parar Seus planos, e ninguém tem o direito de questioná-lo. Isso é verdade porque Deus é o Criador de todas as coisas, e Ele tem o direito de fazer o que quer que deseje com Sua criação: “O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?” (v. 21).
Paulo continua: “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória…” (v. 22,23). Ele ainda está respondendo à questão citada no verso 19: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Ele nega que o homem tenha o direito de questionar a Deus, em primeiro lugar, mas em seguida continua a responder à objeção assim mesmo. E escreve que, uma vez que Deus é soberano, Ele pode fazer o que desejar, e isso inclui criar alguns vasos destinados para a glória e alguns destinados para destruição. Pedro diz, a respeito daqueles que rejeitam a Cristo: “Os que não crêem tropeçam, porque desobedecem à mensagem; para o que também foram destinados” (1 Pedro 2.8). Ao passo que o eleito se regozija nesta doutrina, o não-eleito a detesta, mas, em ambos os casos, esse é o caminho, e nada nem ninguém pode fazer coisa alguma a respeito.
É por causa de um raciocínio pobre que a questão da justiça é até mesmo levantada contra a doutrina da reprovação. Em suas várias formas, a objeção se resume no seguinte:
1. A Bíblia ensina que Deus é justo.
2. A doutrina da reprovação é injusta.
3. Logo, a Bíblia não ensina a doutrina da reprovação.
O ponto principal é se a Bíblia afirma a doutrina, e não se deve supor previamente que a doutrina é justa ou injusta. Uma vez que Deus é padrão único de justiça, e desde que a Bíblia declara a doutrina da reprovação, isso significa que a doutrina da reprovação é justa por definição. Como diz Calvino:
Pois a vontade de Deus é a tal ponto a regra suprema de justiça que seja o que for que Ele quiser, pelo simples fato de que Ele o quer, deve ser considerado justo. Quando, portanto, alguém pergunta por que Deus agiu desse modo, devemos responder: Porque Ele o quis. Mas se você vai além e pergunta por que Ele quis assim, você está procurando algo maior e mais alto que a vontade de Deus, o que não pode ser encontrado. Que a imprudência humana, então, se contenha e não busque aquilo que não existe, para que não fracasse em encontrar o que de fato existe . [6]
Assim como o eleito vem a Cristo por um chamado irresistível, e “pois é Deus quem efetua [nele] tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” (Filipenses 2.13), igualmente o condenado de modo algum tem autonomia – nem mesmo sobre seus pecados. Deus direciona os pensamentos da pessoa “como um rio… para onde quer” (Provérbios 21.1) e não há livre arbítrio.
Não faz sentido repetir a objeção tola de que Deus permite certas ações mas não as deseja, pois, como diz Calvino, “Por que diremos ‘permissão’ a não ser que é porque Deus assim o quer? ” [7] Uma vez que Deus controla e sustém todas as coisas, que significa para Ele permitir algo, a não ser dizer que Ele quer e o causa? Isto é, dizer que Deus “permite” alguma coisa nada mais é que um meio ambíguo de dizer que Deus “permite” a Si mesmo fazer algo acontecer. Não há, para Deus, distinção entre causalidade e permissão; a não ser que Ele queira, algo nunca pode acontecer (Mateus 10.29).
A eleição e reprovação de indivíduos pertencem à decretação secreta de Deus, de tal modo que os membros de determinado grupo não são listados para exame público. Então, sobre que base Paulo diz: “Sabemos, irmãos, amados de Deus, que ele os escolheu” (1 Tessalonicenses 1.4)? Paulo lista em vários versos seguintes as indicações de que seus leitores foram escolhidos por Deus para salvação.

… porque o nosso evangelho não chegou a vocês somente em palavra…
A influência dominante da filosofia secular infectou muitos crentes professos com um preconceito anti-intelectual. Dessa forma, tornou-se inaceitável apresentar o evangelho com “apenas um sermão”; ao contrário, dá-se grande ênfase ao desempenho, ao entretenimento, à socialização e à experiência mística. Tal disposição tende a distorcer a expressão “não somente em palavra” de Paulo numa aprovação desse tipo de pensamento, de tal modo que a expressão poderia ser vista até como uma depreciação da pregação simples.
Mesmo alguns comentaristas dos mais confiáveis tropeçam na expressão. Por exemplo, Leo Marris escreve: “Apenas palavras são mera retórica, e exige-se mais que isso se pessoas devem ser salvas ”. [8] Mas apenas por ser verdade que “e exige-se mais que isso se pessoas devem ser salvas”, não se segue que “apenas palavras” sejam “mera retórica”.
Em primeiro lugar, Morris não é claro. Se ele entende que “retórica” significa “a arte de falar ou escrever de forma efetiva”, “habilidade no uso efetivo da fala” ou “comunicação verbal ”, [9] então o que ele diz praticamente equivale a “palavras são palavras”, o que é uma mera redundância. Contudo, é provável que Morris tenha em mente o significado “eloquência artificial; discurso ostentoso e elaborado, mas bastante vazio de idéias claras ”.  [10] Mas se a pregação de Paulo estivesse esvaziada do poder do Espírito, ainda assim não se segue que suas palavras fossem “eloquência artificial, discurso ostentoso e elaborado, mas bastante vazio de idéias claras”. Paulo pregava o evangelho, e a afirmação de Morris equivale a dizer que o evangelho por si mesmo nada mais é do que um discurso ostentoso, sem substância e idéias claras. Mas o evangelho é o que é, seja ou não acompanhado pelo poder do Espírito – as mesmas palavras e idéias são comunicadas.
Morris deixa transparecer sua confusão quando continua: “O evangelho é poder… sempre que o evangelho é pregado com fidelidade, há poder ”. [11] Mas se “o evangelho é poder”, então ele nunca é retórica vazia. Está na moda repetir expressões anti-intelectuais como “Apenas palavras são retórica vazia”, mas as palavras são sempre retóricas, e a retórica sempre lida com palavras. Se a palavra é ou não uma retórica vazia, vai depender do conteúdo do discurso. A proposição “Jesus é Senhor” consiste em palavras apenas, e ninguém reconhecerá sua verdade a não ser pelo Espírito (1 Coríntios 12.3), mas, quer alguém creia ou não, ela não é uma retórica vazia.
Qualquer interpretação das Escrituras que deprecie o papel das palavras ou da pregação, não pode ser verdadeira. A Bíblia inteira consiste de palavras sem um único retrato ou nota musical; ela usa palavras para transmitir informação intelectual. Paulo diz: “Agora, eu os entrego a Deus e à palavra da sua graça, que pode edificá-los e dar-lhes herança entre todos os que são santificados” (Atos 20.32). Nós herdamos as bênçãos do evangelho e crescimento na vida espiritual por meio das palavras de Deus.
Outra vez, diz o verso: “porque o nosso evangelho não chegou a vocês somente em palavra”. Há dois modos de se entender a palavra “somente”, como o exemplo seguinte ilustra:
1. A Divindade não consiste somente em Deus, o Pai, mas também em Cristo, o Filho, e no Espírito Santo.
2. Sua riqueza não consiste somente nesta bicicleta quebrada, mas também cinco carros e duas casas.
Na primeira afirmação, a palavra “somente” não diminui Deus, o Pai, mas meramente indica que Ele não é o único membro da Divindade. Assim, a palavra pode simplesmente significar que há outros itens na lista, sem implicar qualquer coisa negativa. Mas na segunda afirmação, a mesma palavra sugere que a riqueza de alguém seria de fato miserável se consistisse em nada mais que uma bicicleta quebrada.
Uma vez que as Escrituras enfatizam a importância das palavras em muitos lugares, a palavra “somente” (ou “simplesmente”) no verso 5 não pode ser compreendida no segundo sentido. Paulo não tem
a menor intenção de diminuir a importância das palavras ou da pregação quando diz que o evangelho não veio “somente em palavra”, mas deseja indicar que outras coisas além de sua apresentação verbal tinham acontecido, e essas coisas sugerem a ele que seus convertidos estão entre os eleitos de Deus.
Equívocos são comuns nessa área. Robert Thomas inicia bem sua explicação do verso 5 quando diz: “As palavras são fundamentais numa comunicação inteligente. Mas a vinda do evangelho não se deu ‘somente’ em palavras; falar foi apenas uma parte do retrato inteiro ”.[12] Porém ele tropeça no mesmo ponto que Morris e escreve: “A pregação deles não era uma mera retórica oca, mas continha três outros ingredientes essenciais ao trabalho integral do propósito eletivo de Deus ”.[13] No entanto, Gálatas 1.11,12 elimina a possibilidade de que o conteúdo da pregação de Paulo seja, em qualquer momento, “mera retórica oca ”.[14]
O que Thomas escreve equivale a dizer que se o Espírito não acompanha sua leitura da Bíblia, então a Bíblia é mera retórica. Muitas pessoas desatentas concordariam com Thomas, mas eu chamo isso de blasfêmia. Como revelação verbal de Deus, a Bíblia nunca é mera retórica. Que o Espírito não aja poderosamente quando você está lendo, significa apenas que você pode não ser afetado pelo que lê, mas o conteúdo da Bíblia, sendo a mente de Deus, não é vazia, portanto.
Morris e Thomas parecem não saber o que a palavra “retórica” significa. Paulo diz saber que Deus escolheu os tessalonicenses, porque sua pregação veio “em poder, no Espírito Santo e em plena convicção”. Isso implica em que sua pregação não era sempre acompanhada pelo poder do Espírito, no sentido que Deus nem sempre tornava sua pregação efetiva; de outro modo, todos que ouviram a pregação de Paulo teriam se convertido. Agora, naqueles momentos em que Deus não tornou sua pregação efetiva, com grande poder e convicção, o conteúdo do evangelho se tornou retórica vazia, ou o conteúdo do evangelho continuou o mesmo – isto é, o poder e a sabedoria de Deus (1 Coríntios 1.24)? Se Paulo pregava a mesma coisa, então, se o Espírito veio ou não com poder para produzir fé nos ouvintes, o evangelho, ainda assim, era o poder e a sabedoria de Deus.
Contra as interpretações anti-intelectuais das Escrituras, precisamos sustentar que as palavras podem ter significado em si mesmas, e se uma apresentação consiste em retórica vazia, depende do conteúdo do discurso. Uma vez que o evangelho consiste em verdade, nunca será retórica vazia. É verdade que, além das palavras que pregamos, Deus precisa exercer Seu poder para converter o pecador, mas frequentemente é nas ocasiões de nossa pregação que Ele exerce Seu poder. Paulo veio a saber que alguns dos tessalonicenses estavam entre os eleitos de Deus por causa dos efeitos que acompanhavam sua pregação que ele não poderia produzir como homem. Mas, ao tentar afirmar a necessidade do poder de Deus para converter o pecador, não podemos menosprezar as palavras ou a pregação, para que não blasfememos contra o evangelho de Jesus Cristo.

… mas também em poder, no Espírito Santo e em plena convicção.
Paulo está atento para o fato de que Deus escolheu os tessalonicenses para salvação, por causa de sua consciência do poder divino quando ele pregou, e por causa da profunda convicção deles a esse respeito e pela recepção genuína do evangelho.
A pregação é o meio pelo qual Deus chama a Si o eleito, isto é, aqueles que Ele escolheu para salvação. Seu poder regenera o eleito que vem pela pregação do evangelho e lhe concede fé em Cristo. Pelo fato de que nem todos que ouvem o evangelho estão entre os eleitos, o poder de Deus pode não operar de maneira salvífica todas as vezes em que o evangelho é pregado, ou pode não operar de modo salvífico em todos numa reunião.
O evangelho nunca é desprovido de poder, já que “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Romanos 1.16). Mas apenas os escolhidos receberão uma mudança de atitude, de modo que reconhecerão Cristo como o poder e a sabedoria de Deus. Paulo explica: “Os judeus pedem sinais miraculosos, e os gregos procuram sabedoria; nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios, mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é o poder de Deus e a sabedoria de Deus” (1 Coríntios 1.22-24).
O “poder” no verso 5 se refere à influência do Espírito Santo em ação através da pregação dos apóstolos para efetuar a mudança nas mentes dos ouvintes. O consenso sobre esse fato é que não tem em mente o poder que opera milagres. Uma razão para afirmar isso é que a palavra está no singular e não no plural quando está associada a milagres em todos os lugares, como em 1 Coríntios 12.10 – “poderes milagrosos ”.[15] Os cristãos nas Escrituras considerariam os milagres uma parte integrante do evangelismo (Romanos 15.18,19; Hebreus 2.3,4), mas isso não significa que os milagres sejam necessários ou estejam disponíveis para cada momento de evangelismo. Por “poder”, os escritores do Novo Testamento às vezes têm em mente a influência subjetiva do Espírito Santo, como em Seu poder divino para converter pecadores.
Considerando que 1 Coríntios 2.4 faz paralelo com 1 Tessalonicenses 1.5, devemos estudar aquele para compreender melhor esses dois versos.
O capítulo inteiro de 1 Coríntios 2 tem sido distorcido por muitos comentaristas anti-intelectuais. Por exemplo, Paulo diz, no verso 2: “Pois decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado”. A partir desse texto, alguns fazem a afirmação ridícula que Paulo decidiu anular seu conhecimento de teologia e habilidade de argumentação em sua pregação.
Primeiro, a expressão “Jesus Cristo, e este, crucificado” não restringe o conteúdo da pregação de Paulo à crucificação de Cristo. De fato, refere-se a um tema central da mensagem do evangelho, que “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras” (1 Coríntios 15.3). Mas, como 1 Coríntios 15 indica, Paulo falou aos coríntios sobre a ressurreição de Cristo quando pregou o evangelho a eles. A verdade é que “Jesus Cristo, e este, crucificado”, “a mensagem da cruz” e outras expressões desse tipo são designações para todo o evangelho e cosmovisão bíblica. Diversos aspectos do Cristianismo podem receber ênfase no princípio, mas Paulo não pregou apenas uma mensagem simples e com pouca consideração pelo conjunto abrangente de doutrinas que formam a fé cristã. Pelo contrário, ele diz que pregou “toda a vontade de Deus” (Atos 20.27) aos seus ouvintes.
No decorrer de 1 e 2 Coríntios, Paulo não diz que a mensagem cristã é menos intelectual ou racional, ou que o evangelho não reivindique respeitabilidade intelectual, mas sua preocupação é enfatizar que oconteúdo da revelação difere da filosofia não-cristã e que o método de entrega transmissão difere do de oradores não-cristãos. O conteúdo do evangelho é superior ao produto da especulação humana, uma vez que o evangelho vem da sabedoria de Deus. E o método de transmissão é também superior, já que consiste na fala simplesmente, acompanhada do poder do Espírito em convencer e converter pessoas, e não mera argúcia que se apoia em confusão e engano para persuadir.
O propósito que nos trouxe a 1 Coríntios 2 exige que focalizemos nos versos 4 e 5: “Minha mensagem e minha pregação não consistiram de palavras persuasivas de sabedoria, mas consistiram de demonstração do poder do Espírito, para que a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus”.
Os gregos tinham uma tremenda admiração pela eloquência oratória, tanto que às vezes isso os levava a ignorar a substância do que estava sendo dito. A “sabedoria” (1 Coríntios 1.22) que eles respeitavam era, portanto, “frequentemente deteriorada em sofismas sem sentido ”.[16] Os sofistas, desdenhados por Platão, eram aqueles que argumentavam em qualquer posicionamento que a situação exigisse. Seu descaso grosseiro pela verdade lhes permitia que se tornassem debatedores por dinheiro, isto é, argumentar a favor de qualquer ponto de vista, desde que fossem pagos para defendê-lo. Há quem os compare aos advogados dos dias de hoje.
Os sofistas não ofereciam um raciocínio claro, mas seus argumentos eram falaciosos e enganosos. Seus discursos filosóficos eram baseados em especulação humana dúbia. Assim, quando Paulo defende seu apostolado, ele escreve: “Eu posso não ser um orador eloqüente; contudo tenho conhecimento. De fato, já manifestamos isso a vocês em todo tipo de situação” (2 Coríntios 11.6). A fé cristã não é baseada em filosofia especulativa, mas na revelação divina, no conhecimento ensinado por Deus.
A “sabedoria” dos gregos os levaram a desprezar a mensagem da cruz, já que lhes pareceu uma mensagem de derrota; assim, Paulo escreve: “Nós, porém, pregamos a Cristo crucificado, o qual, de fato, é escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Coríntios 1.23), mas não há salvação em qualquer outra mensagem. A afirmação “Pois decidi nada saber entre vocês, a não ser Jesus Cristo, e este, crucificado” (1 Coríntios 2.2) se refere ao contraste entre o evangelho e o pensamento não-cristão, e não uma estratégia anti-intelectual de evangelismo. Paulo está apontando para o fato de que ele pregava uma mensagem contrária à disposição cultural e espiritual das pessoas, e, uma vez que a mensagem não estava fundamentada em primeiro lugar na especulação humana, ele não falava como os sofistas o faziam, mas, ao contrário, mas confiado no poder de Deus em convencer os ouvintes.
Paulo deliberadamente entra em expressões filosóficas no verso 4, asseverando que sua pregação se mostrou verdadeira, não por argumentos especulativos e falaciosos, mas pela “demonstração” do Espírito. É diferente de “manifestação” do Espírito em 1 Coríntios 12.7. A palavra indica uma prova lógica, como em filosofia e geometria, e não a idéia de exibição. A tradução em português é apropriada, uma vez que “demonstração” denota “uma prova lógica na qual determinada conclusão é mostrada a partir de determinadas premissas ”.[17] Seu propósito é afirmar que ele insistia em apresentar uma mensagem alicerçada na revelação divina ao invés de uma baseada na especulação humana.
Bullinger escreve: “Aqui, [‘demonstração’] denota o dom poderoso da sabedoria divina em contraste com a debilidade da sabedoria humana ”.[18] Isso é o que está em questão. A pregação de Paulo difere da dos oradores, tanto em método como em conteúdo, mas seus argumentos são, no entanto, lógicos e persuasivos. Diferente da “prova” falaciosa dos sofistas, o apóstolo oferece “prova” clara para sua mensagem, que é poderosa para produzir conversão em seus ouvintes.
Uma parte da definição de Vine para a palavra “demonstração” é problemática. Diz: “o ato de ‘expor’ ou demonstrar através do argumento, [apodeixis] é encontrada em 1 Co 2.4, onde o apóstolo fala de uma prova, uma publicação ou mostra, pela operação do Espírito de Deus nele, à medida que move os corações e vidas de seus ouvintes, em contraste com métodos testados de prova por meio de artes retóricas e argumentos filosóficos ”.[19]
É correto dizer que apodeixis significa “demonstração pelo argumento”, e é verdade que a “publicação” não é uma “manifestação” visível, como em 1 Coríntios 12.7, mas a operação do poder do Espírito “à medida que move os corações e vidas de seus ouvintes”. É verdade também que Paulo contrasta sua abordagem com “métodos testados de prova por meio de artes retóricas”. Nesse caso, retórica, de fato, denota “eloquência artificial; linguagem ostentosa e elaborada, mas predominantemente vazia de idéias claras ”.[20] Qualquer fala é retórica, no sentido de comunicação ou discurso verbal, e Paulo a utiliza, mas, ao contrário dos filósofos, seus argumentos são livres de sofismas .[21] A definição é aceitável até esse ponto. A abordagem de Paulo difere daqueles que empregavam “mera retórica”, uma vez que ele prega uma mensagem de conteúdo verdadeiro e coerente, sem utilizar argumentos falaciosos para enganar seus ouvintes levando-os a concordarem com ele.
No entanto, Vine, a seguir, contrasta a fala de Paulo com “argumentos filosóficos”, e isso pode estar equivocado. Se “filosofia” é a “teoria da análise lógica dos princípios que fundamentam a conduta, o pensamento, o conhecimento e a natureza do universo”,[22] então o Cristianismo é, logicamente, uma filosofia. Os ensinos escriturísticos, de fato, produzem uma cosmovisão, ou seja, “uma… filosofia ou concepção abrangente do mundo e da vida humana”.[23] A não ser que Vine esteja pensando em “sofístico” quando diz “filosófico”, seu contraste entre as demonstrações de Paulo e os argumentos “filosóficos” é falso. Isto é, as Escrituras, de fato, proclamam questões “filosóficas”, usando claros argumentos “filosóficos”, mas, ao contrário da filosofia humana, esses argumentos não são enganosos ou “sofísticos”. Deveríamos contrastar o Cristianismo com o sofisma e não com a filosofia como tal.
Paulo diz aos coríntios que ele pregava o que fazia, “para que a fé que vocês têm não se baseasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus” (1 Coríntios 2.5). Da mesma forma, em 1 Tessalonicenses 1.5, “O ponto central é que tudo é obra de Deus. Os coríntios foram feitos cristãos pelo poder divino”.[24] Uma vez que o poder, em ambos os lugares, se refere à “poderosa operação do Espírito, testemunhando com e pela verdade em nossos corações”,[25] “a sabedoria dos homens” e “o poder de Deus” não se referem necessariamente ao objeto da fé – aquilo em que a pessoa crê –, mas, pelo contrário, os meios pelos quais a fé é gerada. Podemos entender que o verso diz: “resultando em que a fé de vocês não existiria pelasabedoria dos homens, mas pelo poder de Deus ”.[26]
Alguns carismáticos asseveram que 1 Coríntios 2.1-5 indicam uma mudança na estratégia missionária de Paulo. Eles dizem que Paulo inicialmente foi um fracasso como missionário, porque ele entrava num lugar após outro para pregar e debatia com as pessoas ali, e invariavelmente encontrava resistência e perseguição, de tal forma que antes que pudesse fazer muitos convertidos ou antes de o evangelho conseguir criar raízes, ele tinha de partir para outro lugar, onde a mesma coisa acontecia de novo. Quando chegou a Corinto, ele finalmente resolveu deixar de contar com seu próprio intelecto e educação, e depender do poder do Espírito, ou seja, o poder de operar milagres. Assim, a lição é que não devemos debater com as pessoas, mas depender do Espírito Santo e praticar o evangelismo através de sinais e maravilhas.
Lembre-se do resumo da segunda viagem missionária de Paulo, no primeiro capítulo deste comentário. Ali eu enfatizo diversos pontos acerta do método de Paulo e seus efeitos, preparando-me para responder a essa interpretação falta de 1 Coríntios 2.1-5. Farei aqui diversas observações baseado no sumário apresentado anteriormente. Em primeiro lugar, o método de pregação e argumentação de Paulo foi efetivo, como indicado pelas significativas conversões, e estabeleceu igrejas. Em segundo lugar, a interpretação falsa deduz que o sucesso no ministério significa ausência de perseguição, ou mesmo que um ministério de milagres possa prevenir a perseguição. Mas isso contradiz os ensinos e exemplos de Jesus e dos apóstolos. Caso se reconheça que um ministério acompanhado por sinais e maravilhas possa, não obstante, ser perseguido e expulso de um lugar, então não se pode citar isso como evidência de que o método de Paulo foi um fracasso pelo fato de ele ter sido perseguido e expulso. Em terceiro lugar, Paulo operou milagres ainda antes de chegar a Corinto. Quarto, ao contrário da interpretação falsa, ele continuou seu método de pregação e argumentação em Corinto (Atos 18.4).
Pode parecer que a interpretação falsa seja motivada por um preconceito anti-intelectual e reafirmada a despeito de passagens bíblicas que se posicionam em direta contradição a isso. Um ministério de sinais e maravilhas é legítimo, de fato, e os apóstolos exerceram tal tipo de ministério, mas isso não quer dizer que a argumentação esteja excluída. As duas coisas não se contradizem nem se excluem.
 

[1] – Vincent Cheung, Comentário sobre Filipenses.
[2] – Vincent Cheung, “Os Nobres Bereanos”.
[3] – Vincent Cheung, Confrontações Pressuposicionais.
[4] – Robert L. Thomas, 1 Thessalonians, The Expositor’s Bible Commentary, Vol. 11 (Zondervan, 1978), p. 230.
[5] – Eu digo “talvez” porque quando uma pessoa faz uma negação de alguma coisa, isso não quer necessariamente dizer que ela está respondendo a inimigos que afirmam o oposto. Alguém pode defender sua própria integridade, mesmo quando ela não está sob questão ou análise. Há razões para uma pessoa negar um delito além do de estar sendo acusado de delito. Talvez ela deseje salientar seu comportamento virtuoso com o propósito de encorajar outros a seguir seu exemplo ou reforçar sua credibilidade ao provar seu ponto de vista. Veja Vincent Cheung, Comentário sobre Colossenses.
[6] – João Calvino, Institutes of the Christian Religion; Edited by John T. McNeill; Translated by Ford Lewis Battles; Philadelphia: The Westminster Press, 1960; p. 949, (III, xxiii, 2).
[7] – Calvino, Institutes; p. 956, (III, xxiii, 8).
[8] – Leon Morris, The New International Commentary on the New Testament: The First and Second Epistles to the Thessalonians, Revised Edition; Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1991; p. 46.
[9] – Merriam-Webster’s Collegiate Dictionary, Tenth Edition.
[10] – Webster’s New World College Dictionary, Fourth Edition.
[11] – Morris, Thessalonians; p. 46.
[12] – The Expositor’s Bible Commentary, Vol. 11; Grand Rapid, Michigan: Zondervan Publishing House, 1978; p. 244.
[13] – Ibid., p. 244.
[14] – “Quero que saibam, irmãos, que o evangelho que eu preguei não é algo fabricado pelo homem. Eu não o recebi de homem algum, nem me foi ensinado; pelo contrário, eu o recebi por revelação de Jesus Cristo.”
[15] – No entanto, essa razão não é conclusiva, uma vez que o singular em si mesmo não exclui necessariamente o fator miraculoso. O sentido é mais bem julgado a partir do contexto no qual a palavra aparece (Nota do Tradutor: esta nota de rodapé, e o argumento a que se refere não se aplica à Bíblia em língua portuguesa, e está incluída nesta tradução para manter a integridade do livro).
[16] – Leon Morris, Tyndale New Testament Commentaries: 1 Corinthians; Grand Rapids, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1999 (original: 1958); p. 45.
[17] – Webster’s New World College Dictionary, Fourth Edition.
[18] – E. W. Bullinger, Word Studies on the Holy Spirit; Grand Rapids, Michigan: Kregel Publications, 1979; p. 120.
[19] – Vine’s Complete Expository Dictionary of Old and New Testament Words; Nashville, Tennessee: Thomas Nelson Publishers, Inc., 1985; New Testament section, “demonstration,” p. 158.
[20] – Webster’s New World College Dictionary, Fourth Edition.
[21] – Um argumento ou forma de raciocínio engenhosa e plausível, porém falaciosa, ainda que não tenha intenção de enganar”, Ibid.
[22] – Ibid.
[23] – Ibid.
[24] – Gordon H. Clark, First Corinthians; The Trinity Foundation, 1991 (original: 1975); p. 34.
[25] – Charles Hodge, 1 & 2 Corinthians; Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 2000 (original: 1857); p. 32.
[26] – Clark, First Corinthians, p. 34.

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