sábado, 20 de outubro de 2012

O Discipulado é União com o Cristo Sofredor – Dietrich Bonhoeffer



O sofrimento é, pois, a característica dos seguidores de Cristo. O discípulo não está acima de seu mestre. O discipulado é passio passiva, é sofrimento obrigatório. Por isso, Lutero incluiu o sofrimento no rol dos sinais da verdadeira Igreja. Um anteprojeto da Confessio Augustana definiu a Igreja como comunidade dos que são "perseguidos e martirizados por causa do Evangelho". Quem não quiser tomar sobre si a cruz, quem não quiser expor sua vida ao sofrimento e à rejeição por parte dos seres humanos, perde a comunhão com Cristo e não é seu discípulo. Quem, porém, perder sua vida no discipulado, no carregar da cruz, tornará a encontrá-la no próprio discipulado, na comunhão da cruz com Cristo. O oposto do discipulado é envergonhar-se de Cristo, envergonhar-se da cruz, escandalizar-se por causa da cruz.

O discipulado é união com o Cristo sofredor. Por isso, nada há de estranho no sofrimento do cristão; antes, é graça, é alegria. Os relatos sobre os primeiros mártires da Igreja testemunham que Cristo transfigura para os seus o momento extremo do suplício com a certeza indescritível de sua proximidade e comunhão. Assim, nos tormentos mais atrozes sofridos por amor a Cristo, os mártires experimentaram a máxima alegria e bem-aventurança da comunhão com seu Senhor. Suportar a cruz se lhes revelou como a única maneira de triunfar sobre o sofrimento. Isto, porém, aplica-se a todos quantos seguem a Cristo, porque foi igualmente válido para ele.

Adiantando-se um pouco, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se possível, passe de mim esse cálice! Todavia, não como eu quero, e, sim, como tu queres... Tornando a retirar-se, orou de novo, dizendo: Meu Pai, se não é possível passar de mim esse cálice sem que eu o beba, faça-se a tua vontade. (Mt 26.39 e 42).

Jesus pede ao Pai que faça passar aquele cálice; e o Pai ouviu a prece do Filho. O cálice do sofrimento passaria - porém, unicamente ao ser bebido. Jesus sabe isso perfeitamente ao se ajoelhar pela segunda vez no Getsêmani; sabe que o sofrimento passará ao ser suportado. Somente suportando-o é que ele o vencerá e derrotará. A cruz é sua vitória.

Sofrimento é afastamento de Deus. Por isso é que quem se encontra na comunhão de Deus não pode sofrer. Jesus confirmou esta lição do Antigo Testamento. Justamente por essa razão é que ele toma sobre si o sofrimento de todo o mundo, vencendo-o assim. Ele sofre toda a separação de Deus. O cálice passa se for esvaziado. Jesus quer vencer o sofrimento do mundo; por isso, tem que prová-lo até ao extremo. O sofrimento continua a ser afastamento de Deus; porém, na comunhão do sofrimento de Jesus Cristo, o sofrimento é vencido pelo sofrimento, e justamente no sofrimento se experimenta a comunhão com Deus.

O sofrimento precisa ser suportado para que passe. Ou o mundo tem que suportá-lo e sucumbir sob seu peso, ou ele recai sobre Cristo e é vencido por ele. Dessa maneira é que Cristo sofre em lugar do mundo. Exclusivamente o sofrimento de Cristo é sofrimento expiatório. Mas também a Igreja sabe agora que o sofrimento do mundo está à procura de alguém que o tome sobre si. No discipulado de Cristo, tal sofrimento recai sobre a Igreja, e esta o suporta sabendo-se, por sua vez, suportada por Cristo. Ao seguir a Cristo, sob a cruz, a Igreja de Jesus Cristo representa o mundo perante Deus.

Deus é um Deus carregador. O Filho de Deus tomou sobre si nossa carne e, por isso, suportou a cruz, suportou todos os nossos pecados e, por seu carregar, trouxe a reconciliação. Da mesma forma, o discípulo está chamado a levar fardos. Ser cristão consiste em levar fardos. Como Cristo manteve a comunhão do Pai levando fardos, assim também carregar fardos é, para o discípulo, comunhão com Cristo. O ser humano pode livrar-se do fardo que lhe é imposto. Mas, assim procedendo, ele não se liberta propriamente do fardo; antes, passa a levar um fardo ainda mais pesado, mais insuportável. Leva, por livre escolha, o jugo de si mesmo. Jesus convidou a todos os oprimidos por toda sorte de sofrimentos e fardos para os lançarem fora e tomarem sobre si seu jugo, que é suave, e seu fardo, que é leve. Seu jugo e fardo são a cruz. Colocar-se sob essa cruz não significa miséria e desespero, mas é refrigério e descanso para as almas, é a suprema alegria. Aí, então, não andamos mais sob o peso de leis e fardos de feitura própria, mas sob o jugo daquele que nos conhece e caminha a nosso lado sob o mesmo jugo, onde temos a certeza e a proximidade de sua comunhão. É a Cristo que o seguidor encontra ao tomar sobre si sua cruz.

“Isso deve ir não de acordo com teu entendimento, mas acima dele; mergulha na insensatez e dar-te-ei meu entendimento; não saber para onde vais é saber exatamente para onde vais. Meu entendimento torna-te insensato. Assim saiu Abraão de sua pátria sem saber para onde ir. Confiou em minha sabedoria e desistiu de sua própria, e encontrou o caminho certo e o destino certo. Eis o caminho da cruz: tu não o podes achar; eu tenho que guiar-te como a um cego; por isso nem tu, nenhum ser humano, nenhuma criatura, mas eu, eu em pessoa te ensinarei, através de meu Espírito e Palavra, o caminho que deves trilhar. Não a obra que tu escolhes, não o sofrimento que tu imaginas, mas sim o caminho que te é preparado contra tua escolha, contra teu pensamento e desejo - a esse segue, a esse te chamo, nele sê discípulo; é tempo oportuno, teu Mestre chegou”. (Lutero).

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